Curadoria: Inventário de infâncias - Viagens pelos Brasis - Editora Peirópolis

Curadoria: Inventário de infâncias – Viagens pelos Brasis

Dedicada à obra da jornalista e escritora Gabriela Romeu, a curadoria Inventário de infâncias propõe uma viagem pelos muitos Brasis que habitam nosso país. Enveredando pelas estradas, terreiros e quintais, as obras de Gabriela valorizam a infância e reconhecem as crianças como produtoras de cultura. Ao mergulhar em seus livros, os leitores podem ampliar o conhecimento sobre o patrimônio imaterial brasileiro que se expressa em brincadeiras, jogos, cantigas, versinhos, adivinhas, receitas e muitas memórias, e se encantar com a poética e o lirismo com que a autora partilha sua extensa pesquisa. Passeando por sua obra, propomos um trajeto a ser realizado com as crianças e jovens, relacionando os livros lidos e apresentando desdobramentos possíveis a partir das leituras. 

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Curadoria Inventário de infâncias - Viagens pelos Brasis - Gabriela Romeu
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Inventário de infâncias: Viagens pelos Brasis

Autoria de Ana Carolina Carvalho

 

Quintais, terreiros, chãos: paisagens e palavras das infâncias

Conhecer os Brasis e suas crianças, as brincadeiras e os brincares, os quintais, terreiros e muitos chãos (as águas também), as cantigas e os enredos que acompanham meninos e meninas daqui e dali. Tudo isso em embalagens poéticas, permeadas com o narrar literário, que está presente nos seis livros que compõem esta curadoria, ora em formato de relatos de viagens, ora em diários. Há também dois contos, que nos fazem lembrar as histórias de tradicionais de encantamento e acumulação. Todos eles propondo viagens e mergulhos em outros Brasis e suas tão diversas paisagens de infâncias. Essa é a proposta desta curadoria.

Mas, antes de começar a nossa viagem, o convite que fazemos a você é retornar ao quintal de sua infância, o lugar dos seus folguedos, como se dizia… Quintal, brincadeira, infância… O que essas palavras fazem lembrar? Como era a paisagem que rodeava sua casa? Rural, com chão de terra, árvores e sombras? À beira de um rio ou lagoa, onde se podia mergulhar e nadar? Urbana, dentro de um apartamento, cheio de armários, mesas, cadeiras? Ou um terreno cimentado, povoado de cantos imaginários? Onde quer que tenha sido, onde quer que ainda seja, em qualquer chão, em qualquer beira de mar ou de rio, as crianças brincam e inventam mundos.

Narrar e brincar

E quais são as palavras que acompanhavam e acompanham esses brincares? Já parou para pensar que há sempre uma narrativa junto com as brincadeiras? Seja em enredos de jogos simbólicos, seja em cantigas e parlendas, que embalam os gestos das crianças, as palavras estão ali, como parte da paisagem do brincar.

Em seu belo poema Evocação do Recife, Manuel Bandeira (1970) nos fala exatamente disso, ao rememorar os sons de sua meninice:

[…] A gente brincava no meio da rua

Os meninos gritavam:

Coelho sai!

Não sai!

 

À distância as vozes macias das meninas politonavam:

Roseira dá-me uma rosa

Craveiro dá-me um botão

[…]

Narrar e brincar, tal como nos conta Gabriela Romeu (2022) no texto “Chão das infâncias”, “são verbos conjugados nas infâncias, independentemente do tempo e do lugar, mas, sim, variando conforme as ofertas locais e também temporais. E vale sempre ressaltar, principalmente àqueles que insistem no discurso de que ’hoje não se brinca mais’: é possível observar nas cinco regiões que a criança brinca em todo território e em toda época, pois essa é uma atividade tão vital como respirar”.

Inventário de infâncias: muitos brincares

Em outro belo texto publicado no site Infâncias, Gabriela Romeu disse:

“E o que é inventariar? Antes mesmo do verbo, o substantivo, o termo “inventário”, que é uma descrição e enumeração minuciosa de coisas – objetos, obras, palavras. E de seres, sensações, saberes. “Inventariar” é reunir, descrever e classificar um dado universo. É também uma palavra que ainda guarda outra. O vocábulo abarca a ideia de invento, ou invenção. Assim, as “coisas” listadas são também imaginadas, criadas e engendradas ao fazer poético. Todas e todos nós – educadores, crianças, artistas e poetas – somos inventariantes natos, desde o tempo de antes. Aprendemos a inventariar na infância, ou seja, a agrupar, dividir, dispor, distribuir, quando lançamos mão desses verbos ao brincar/investigar/organizar com pedrinhas de todos os tipos no quintal ou enfileirar carrinhos dos mais variados no tapete da sala.

Um inventariante é um investigador que olha com vagar e demora. Mergulha na experiência, aquela que não se repete.

[…]

Já a palavra “invenção” nos dá outras pistas para pensar a ação inventariante, o ato de inventariar. O termo “invenção” tem origem no latim invenire, uma busca por relíquias ou restos arqueológicos, ou seja, pistas do passado. Inventar é uma operação que tem bem menos relação com uma iluminação súbita do que um trabalho árduo e contínuo com sobras, vestígios, refugos, resíduos. É menos insight, e muito mais ensaio. Assim como a imaginação, a memória entra nesse jogo de montar, um quebra-cabeça em que vamos encontrando e (des)encaixando as peças no percurso investigativo. Como num exercício de colagem, feito com os elementos do que somos, vivemos e sentimos, investigamos, indagamos e aprendemos, imaginamos, afirmamos e lembramos”.

Um inventário de infâncias partilha saberes e culturas produzidas pelas crianças, esses “pássaros garis da natureza [que] fazem continuamente o trabalho de renovar as sobras do mundo” em suas brincadeiras, invenções e descobertas, como nos revelou Gandhy Piorsky no prefácio do livro Terra de cabinha de Gabriela Romeu.

Foi conhecendo as muitas infâncias que Gabriela descobriu que “as crianças têm muito a ensinar, basta adulto querer aprender”. Crianças produzem cultura e é preciso ouvi-las em toda a sua força criativa. O trabalho de Gabriela Romeu, portanto, concretiza o tão mencionado e necessário “protagonismo” das crianças, muda o nosso jeito de vê-las e ouvi-las, relevando seus saberes e sua relação com o ambiente e a cultura em que estão inseridas.

A proposta de se fazer um inventário das infâncias espalhadas pelos diferentes quintais do nosso país é, portanto, uma maneira de se saber mais sobre o Brasil, observando, escutando e valorizando o que dizem e fazem as crianças, como se relacionam com a nossa cultura e como a produzem.

Assim, o título e o subtítulo desta curadoria, apenas aparentemente distantes, combinam-se, e muito! Esse é o caminho que vamos percorrer juntos: por meio dos livros de Gabriela Romeu e seus universos das infâncias, vamos nos aproximar da complexidade cultural desse imenso terreiro chamado Brasil, com muito lirismo e pitadas de poesias.

Etnografia das infâncias

”Etnografia” é um termo que costuma habitar espaços muito diferentes daqueles dedicados à infância e às escolas. Por ser um ramo da antropologia, usualmente não vemos essa forma de conhecimento do mundo nos livros voltados às crianças e jovens leitores. Conhecer uma cultura, um povo e seus modos de existir por meio da etnografia é mergulhar de um jeito muito particular em um universo, porque aquilo que passamos a conhecer nos é compartilhado por alguém que teve um contato muito intenso e prolongado com o seu objeto de estudo. Alguém que se deslocou, que topou um mergulho, que realizou observações e abriu espaço para uma escuta muito atenta em relação àquilo que desejou pesquisar. Por isso mesmo, muitos livros lindos que nos contam sobre povos que desconhecemos e que nos apresentam outros jeitos de viver nasceram de trabalhos etnográficos, ou seja, da vontade e da curiosidade de conhecer o outro e seu mundo.

Recentemente, observamos um movimento crescente de se buscar conhecer, respeitar e valorizar as culturas das infâncias entendidas tanto como o que é produzido pelas crianças como aquilo que faz parte do patrimônio cultural desse período da vida, e o que é produzido pelos adultos que dialogam com o público infantil.

A jornalista e escritora Gabriela Romeu é uma das autoras que têm se dedicado à infância brasileira, inventariando brincadeiras e saberes e compartilhando, com o público, esses conhecimentos. Em seus livros, ela nos convida a enveredar pelos terrenos habitados pelas crianças, para que possamos conhecer os seus jeitos de viver e os modos de brincar, bem como partilhar seu encantamento com os mundos que descobriu. Para narrar as infâncias e contar o que conheceu, ela busca inspiração na literatura, enredando os leitores na sonoridade e musicalidade da língua, buscando referências poéticas e construindo narrativas bem ao modo dos textos das tradições orais.

Um pouco mais sobre a autora

Jornalista, Gabriela trabalhou durante muitos anos no jornal Folha de S. Paulo como editora do extinto caderno Folhinha, um suplemento voltado para crianças, e depois como crítica de teatro infantil. O interesse pelas infâncias instigou-a a ir mais fundo nesse universo: como brincam as crianças de diferentes regiões do nosso país? Normalmente, estamos acostumados a conhecer as crianças dentro da escola, em contexto institucional, mas como são em seu cotidiano? De que forma brincam e como ocupam os quintais, os terreiros, as ruas, as casas? Essa é uma marca do trabalho de Gabriela Romeu. Por meio de dois projetos voltados às infâncias, o Mapa do Brincar (www.mapadobrincar.com.br) e o Infâncias (www.infancias. com.br), ela colheu e divulga as brincadeiras e a vida de meninos e meninas pelo nosso país.

No prefácio do livro Lá no meu quintal, Gabriela escreve, junto com sua parceira de trabalho, Marlene Peret: “Muita gente roda o Brasil para conhecer monumentos ou paisagens. Já nós decidimos percorrer os quintais para conhecer o lugar onde se brinca, e aprender, com meninos e meninas, jogos, versos e brinquedos. Essa incursão pelo brincar é uma visita a muitos Brasis”.

Diversidade de gêneros e muitas linguagens em cada livro

Se Gabriela Romeu é uma inventariante poética das infâncias, dos quintais, brincadeiras e brincares, pode-se dizer que, de certa forma, seus livros inventariam gêneros literários e linguagens. Afinal, há vários deles em cada título e a escolha por essa diversidade não se dá à toa: cada livro é como um caleidoscópio, que vai revelando diferentes aspectos das culturas visitadas, oferecendo experiências e imagens diversas, ao mostrar a beleza da infância. De acordo com a própria acepção da palavra, que se origina do grego:  kallós (“belo”, “bonito”), eidos (“imagem”) e skopeo (“olhar para”, “observar”).

Além disso, ao olhar uma fotografia e ouvir um áudio com vozes de crianças brincando em um terreiro, por exemplo, o leitor pode sentir-se dentro da “cena”, ampliando, assim, os sentidos construídos a partir da leitura de um texto.

Já a diversidade de gêneros revela aos leitores algo muito importante: a cultura não está em um lugar só, mas toma corpo nas muitas produções, seja na receita, seja na cantiga e nos versinhos, nas lendas, nos contos…

Terra de cabinha, Lá no meu quintal e Álbum de família são títulos que acolhem vários gêneros ao buscar desenhar os muitos Brasis. Embora possam ser vistos como obras não f iccionais, por apresentarem uma preciosa pesquisa etnobiográfica como a coluna vertebral do livro, a presença tanto da linguagem poética quanto dos textos de diferentes gêneros amplia qualquer definição prévia, abrindo caminhos variados para se entrar em cada um dos títulos.

Também por contar com ricas ilustrações, fotografias e QR Codes, que levam os leitores a ouvir áudios e assistir a filmes, esses livros podem ser considerados registros etnográficos em diferentes linguagens (poética, fotográfica, audiovisual e plástica). Vale também dizer que essa variedade de textos e linguagens contempla e respeita as diferentes formas de perceber e apreender a realidade, construir conhecimento e expressar-se no mundo. E que, por fazer parte da vida, deve também estar presente na escola. 

Em Terra de cabinha, rico inventário da vida dos meninos e meninas do sertão do Cariri, há textos em prosa-poética, versos, lendas, trava-línguas, jogos, brincadeiras, adivinhas, memórias e receitas.

Já no livro Lá no meu quintal, os leitores e leitoras encontrarão versinhos, cantigas de roda, parlendas, receitas de brincadeiras (textos instrucionais) e relatos biográficos e de viagem.

No Álbum de família, temos a biografia ou biofantasia (texto híbrido que mistura a biografia convencional, calcada na pesquisa informativa de caráter não ficcional, com trechos de invenção poética inspirados na vida fabulosa da trupe Carroça de Mamulengos) como texto central e, ainda, canções, listas, receitas, poemas, aforismos.

Irmãs da chuva é um conto de fadas bem brasileiro, mas por ali também é possível encontrar cantigas, rezas e versos. Diário das águas, que já apresenta o gênero no próprio título, não fica em um texto só: em meio à narração dos dias, há poemas, contos, versinhos, relatos, verbetes, receitas. Há também, nesse livro, o expediente dos QR Codes, que amplia as linguagens apresentadas aos leitores.

Por fim, Noite de brinquedo, escrito em parceria com Antonia Mattos, é uma narrativa mais longa que nos remete à estrutura de um conto acumulativo, cujo conflito vai sendo solucionado com o surgimento gradual de personagens, a cada passagem da história. Para além do conto, o livro apresenta ao leitor versos e cantigas, e ainda pequenos textos informativos sobre o reisado no Cariri.

Esse encontro com gêneros variados – e a apresentação de diferentes linguagens – certamente enriquece a leitura, ampliando as aprendizagens e as possibilidades de abordagens das obras na escola e permitindo o planejamento de propostas que incluam práticas sociais diversas atreladas aos diferentes textos e linguagens.

Nas diversidades textual e de práticas presentes nos títulos também reside a riqueza que existe na formação de nosso povo e que valoriza as diferentes fontes de conhecimento, sobretudo aqueles saberes transmitidos oralmente, muitas vezes distantes dos estudantes que vivem em centros urbanos do nosso país, sejam eles grandes ou pequenos.

Ingressar nos universos descortinados nos livros de Gabriela Romeu também permite aos estudantes expandir a noção daquilo que nos constitui como brasileiros: nossa memória, nossas histórias e a complexidade cultural que caracteriza o país. Conhecimentos que não estão necessariamente nos livros de História e de Geografia, por exemplo, mas que são também importantes meios para a reflexão e entendimento sobre os Brasis, já que se trata de bens culturais de natureza imaterial.

Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), esses bens “dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas…” e devem, certamente, fazer parte do repertório de todos aqueles que buscam saber mais do nosso país.

Entre as competências específicas de Artes que precisam ser garantidas no Ensino Fundamental e que estão previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ressaltamos uma que dialoga com os conteúdos que se fazem presentes nos livros desta curadoria:

Explorar, conhecer, fruir e analisar criticamente práticas e produções artísticas e culturais do seu entorno social, dos povos indígenas, das comunidades tradicionais brasileiras e de diversas sociedades, em distintos tempos e espaços, para reconhecer a arte como um fenômeno cultural, histórico, social e sensível a diferentes contextos e dialogar com as diversidades.

O convite que fazemos nesta curadoria é para que você, professor ou professora, viaje conosco para diferentes cantos dos muitos Brasis revelados por Gabriela Romeu e inventarie o que descobriu nas leituras para partilhar com as crianças e jovens estudantes.

Vamos lá?

A partida, primeira viagem: o sertão verde do Cariri cearense

Terra de cabinha: pequeno inventário da vida de meninos e meninas do sertão

Esse livro só existe por causa das muitas viagens de Gabriela Romeu ao sertão do Cariri, lugar para o qual ela sempre tem vontade de voltar. Dessa vontade nasceu o livro, que é bem um jeito de se transportar para aquela paisagem do Ceará, na companhia dos cabinhas, que são os meninos e meninas do sertão, os pequenos e os já crescidos. E, se a palavra “cabinha” pode causar estranhamento, vale a pena conhecer de onde ela vem: “cabra”, entre outras acepções, é expressão utilizada para denominar o homem (cabra da peste, por exemplo, refere-se ao homem valente, temido). No falar do povo, cabra vira caba, e cabinha é a maneira carinhosa de se referir às crianças.

Ler esse inventário, portanto, é conhecer o Cariri por meio de seus quintais, terreiros, pelas vozes dos cabinhas – suas brincadeiras, histórias e receitas de brincar; pelas paisagens e pelo chão de terra, que acolhe piões, pulos e passos dos meninos, meninas e adultos.

Nesse olhar de dentro, nesse “estar junto” dos cabinhas, o livro também fortalece o sentimento de empatia, respeito e valorização daqueles que vivem nos sertões. Esse pedaço de terra conhecido como semiárido, onde o “povo reza pra chover” e que oferece surpresas ao leitor: é o oásis do sertão, por apresentar paisagens verdes e muitas fontes de água, onde os paredões da chapada do Araripe “guardam desenhos que dão notícias dos tempos do homem pré-histórico, que chegou à região do Cariri fugindo da aridez do sertão”, o chão mostra “muitos vestígios dos tempos dos dinossauros” e onde “brotou a flor mais antiga do mundo”. Tudo isso vai revelando um sertão que pode ser muito diferente do senso comum que se construiu em torno da região.

Além dos textos, o livro apresenta as ilustrações de Sandra Jávera, que empreendeu uma intensa pesquisa sobre o lugar para poder desenhá-lo, e as fotografias de Samuel Macedo, cabinha nascido no Crato, no Cariri cearense, e criado em Nova Olinda, na chapada do Araripe. Ali, ele aprendeu a ser cabinha e é com esse olhar e experiência que nos revela esse pedaço do Brasil, suas maneiras de viver e seus saberes.

A composição dos textos, ilustrações, fotografias e áudios denota também um importante exercício documental – tudo ali é fonte de conhecimento sobre a complexidade cultural do Cariri – e pode ser um bom começo de conversa sobre modos de pesquisar, permitindo muitas aprendizagens para os estudantes: como organizar uma obra para compartilhar os elementos que nos contam de um lugar e sua cultura de modo a oferecer uma experiência aos leitores? De que maneira garantir essa multiplicidade de visões sobre aquilo que buscamos retratar e compartilhar?

Logo no início do livro, em um poema que traz lindamente a voz do menino do sertão – “Sou cabinha” –, há um pequenino inventário de palavras que fazem parte do vocabulário do Cariri, ditas de maneira própria, diferente daquelas que circulam em outros cantos do nosso país:

Aqui…

máscara é careta

chicote é macaca

bobagem é fiotagem

estilingue é baladeira

malcriado é maluvido

uniforme é farda

quintal é terreiro

verde é verdim

bolinha de gude é bila

e menino é cabinha.

Só essa lista já dá uma boa conversa sobre a oralidade, a plasticidade da língua, a apropriação tão bonita que podemos fazer dela, deixando bem claro o quanto a língua é sempre uma construção social, e não um código imutável. Nós conhecemos mundos também a partir dos jeitos de falar. Como desdobramento dessa lista, abrem-se muitos caminhos: será que lembramos de outras coisas que são nomeadas de diferentes maneiras em lugares diversos? As famílias de origem dos estudantes têm modos diferentes de falar? Quais são as expressões que se distinguem? É possível criar um dicionário de expressões regionais brasileiras?

Ler Terra de cabinha é realizar um bonito e necessário exercício de alteridade, condição para se viver em sociedade: ouvir o outro, considerando-o naquilo que é diverso, próprio, singular. Diferente de mim. No caso desse livro, a porta está aberta para os quintais e as infâncias do Cariri, e o convite é para que os leitores conheçam e valorizem outros modos de existir. Mas também para que, a partir do diverso, crianças e jovens possam se voltar à sua própria experiência de infância: e eu? Do que e como brinco ou brincava? Como seria fazer um inventário da minha região, dos meus quintais, sejam de terra, de cimento ou de pisos diversos da sala do meu apartamento? Assim, pode-se convidar o grupo a inventariar seus brincares e brincadeiras para partilhar com outras crianças, descobrindo diferenças e semelhanças entre tantas infâncias.

Segundo caminho

Lá no meu quintal: o brincar de meninas e meninos de norte a sul

E, já que estamos pertinho dos quintais das infâncias, uma boa pedida é seguir viagem para conhecer o brincar de meninos e meninas de norte a sul do Brasil, em seus variados quintais: florestas, rios, terreiros… No livro, as cinco regiões do país estão representadas por meio de seis crianças: Arawari, Laísa, os irmãos Welleton e Joel, Milena e Valdecir. Cada capítulo do livro é dedicado a um quintal e nele conhecemos a criança retratada, exploramos o mapa do quintal, com os brinquedos, os animais, a vegetação, a terra e os elementos que compõem as brincadeiras, e, ainda, ampliamos o repertório com a descrição de outros brincares. As fotografias de Samuel Macedo nos ajudam a entrar no clima e no ambiente do quintal, ao observarmos as crianças em ação. Os textos sobre as brincadeiras são variados e englobam desde os instrucionais até versinhos e cantigas que as acompanham, além de relatos biográf icos e de viagem, por exemplo. As ilustrações de Kammal João nos oferecem seu olhar para o universo e os gestos de cada criança. Em cada capítulo, temos também a chance de ouvir as vozes dos meninos e meninas e vê-los em ação por meio dos QR Codes que nos levam aos arquivos de mídia. 

Um desdobramento evidente a partir da leitura do livro é a ampliação do repertório de brincadeiras das crianças e jovens, que poderão colocar em ação o que foi aprendido na leitura. Os momentos de recreio, por exemplo, podem se tornar animados “quintais” para que as crianças e estudantes possam brincar e ensinar colegas de outras turmas.

Além da brincadeira em si, é possível propor uma expansão de um dos capítulos do livro, incentivando os estudantes a eleger uma das crianças da turma para ser o “biografado” para descrever um pouco de sua vida, quintal ou local em que brinca e as suas brincadeiras preferidas. Para tanto, a leitura do livro ganha outros contornos: será preciso atentar para os formatos dos textos, as características das imagens, as ilustrações e a composição das páginas, dividindo a turma para a produção do “capítulo extra” e combinando quais seriam os leitores do material e como este poderia ser divulgado. Para os estudantes que ainda não escrevem convencionalmente, pode-se pensar em uma produção coletiva de texto, em que as crianças ditam e o professor escreve. Para os estudantes que já escrevem autonomamente, o professor poderá atuar como um revisor e leitor mais experiente nesse processo de escrita.

Terceira vereda

Álbum de família: aventuranças, memórias e efabulações da trupe familiar Carroça de Mamulengos

As viagens de Gabriela Romeu pelo Brasil renderam, além de um inventário das infâncias, o encontro com uma trupe muito especial, o grupo Carroça de Mamulengos, uma das mais importantes companhias culturais do Brasil, com cerca de quarenta anos de estrada. Trata-se de uma família de multiartistas: palhaços, atores, bonequeiros, artesãos, contorcionistas, músicos e poetas. A brincadeira, em diálogo com a pesquisa e o terreno de exploração de Gabriela Romeu, está no âmago do grupo. Aliás, é dessa maneira que eles batizam seus espetáculos: como brincadeiras que têm a vida na estrada, as feiras e as romarias como matéria-prima. 

Desse modo, exercem o viver em abundância e desejam transmitir essa alegria aos espectadores. Assim como nos livros em que conhecemos o Brasil por meio das infâncias e seus brincares, cantares e saberes, ampliamos mais um pouco a visão que temos sobre nosso país e sua complexidade cultural ao chegar mais perto dessa família brincante.

Com a leitura desse livro, amplia-se também o conhecimento sobre o gênero biografia, uma boa oportunidade para apresentar a diversidade textual aos estudantes. Contudo, indo um pouco além, há, nessa biografia, pitadas poéticas e fabulações da autora que acabam por caracterizar uma nova forma de biografar, a chamada biofantasia. O que se vê ali é a vida mesmo, são os caminhos de gente que existe, mas com um pouquinho de fantasia e licença poética, aproximando o texto do modo oral de narrar histórias, enredando o leitor no universo literário.

Dessa maneira, conhecemos a trupe, mas também podemos nos encantar com toda a poesia, o modo de escrever cheio de metáforas e sonoridades, entremeados com outros gêneros, como listas, versinhos e dizeres típicos dos espetáculos circenses e teatrais. Há também um jogo de realidade e fantasia na forma como a artista Catarina Bessell resolveu ilustrar a trajetória do grupo, ao misturar fotografias com desenhos fantásticos. Uma boa pedida para se conversar sobre as relações entre as narrativas imagéticas e textuais.

A partir da leitura, são muitos os rumos que se podem tomar para se encantar com a história dessa trupe. Um deles? Ampliar as leituras com os autores e os textos citados no Baú dos Gomide, já pertinho do final do livro. Estão presentes ali os poetas Patativa do Assaré e Castro Alves, referências para o grupo; os personagens Lampião e Dom Quixote, que podem ser explorados em outros livros, por exemplo.

Outro caminho pode ser a leitura do encarte “Porta-retratos”, com fotos e relatos biográficos dos componentes do grupo. Além de se aproximar mais de cada participante do Carroça de Mamulengos, pode-se propor uma comparação de linguagens: como a história e o jeito de ser de cada um são retratados nas duas publicações: o Álbum de família e o “Porta-retratos”? Quais são as diferenças entre as duas linguagens? Assim, ampliam-se as competências dos estudantes, oferecendo parâmetros para leituras futuras.

Quarto destino

Irmãs da chuva

A linguagem com jeito de história, permeada de poesia e fabulação, que já se revelava nas páginas do Álbum de família, se estabelece com tudo nesse conto de fadas bem brasileiro que é o Irmãs da chuva. O enredo também é fruto das viagens de Gabriela Romeu e do mergulho etnográfico em outras águas, explorando novos terreiros, ouvindo com delicadeza e atenção as histórias que existem pelo Brasil, aqui e ali, sussurradas nas noites, espalhadas pelos ventos. 

A autora nos conta uma história que, embora autoral, é inspirada nas narrativas tradicionais e nos saberes do povo, encharcados de rezas, versinhos, pelejas, cantigas. Ao comentar sobre as fontes que buscou para escrever esse livro, Gabriela revela que a matéria-prima do conto reside em suas memórias de infância, nas histórias ouvidas das avós e tias, banhadas também de Brasis, e, não à toa, dedica o livro às suas antepassadas. O conto é, portanto, permeado de ancestralidades e memórias.

Ao escrever o material complementar de apoio ao professor, a crítica literária e educadora Cristiane Tavares situa o leitor diante do enredo: “Irmãs da chuva é uma história com duração exata de sete dias de tempestade que se passa em um vilarejo afastado das grandes cidades, de nome Tururu do Sul, onde as mulheres criavam sozinhas seus filhos, na beira do rio, porque os homens, pescadores, partiram dali quando o rio parou de dar peixes. As protagonistas são duas irmãs, Feliciana e Damiana, que nasceram com o dom de fazer chover no sertão. Para surtir efeito, o poder de fazer chover das duas irmãs tinha que seguir algumas regras: elas precisavam cantarolar juntinhas, no alto do cruzeiro de Tururu do Sul. É justamente porque uma delas, Feliciana, descumpre essa regra e canta sozinha, sem prestar muita atenção às palavras que entoa, que a chuva torrencial desaba sobre o vilarejo. A partir daí, tem início uma aventura para fazer parar a chuva. É a bordadeira de Tururu do Sul, Noquinha, que traça com agulha e linha o caminho que Feliciana e Damiana deveriam percorrer para chegar ao alto do cruzeiro e cantarem juntinhas para a chuva parar. Ela risca um “plano bordado”, indicando a cada uma delas o seu caminho. No percurso até o cruzeiro, as duas irmãs percorrem brejos, riachinhos, veredas, pontes, rios, recebem ajuda dos moradores do vilarejo e de algumas personagens fantásticas que encontram: Pesadeira, Nhô Bento, Caboclo d’Água e tantas outras. Enquanto percorrem o trajeto, Feliciana e Damiana carregam seus objetos-amuletos, cantam e rezam.”

Como uma fábula tradicional, a narrativa tem muitos elementos fantásticos, mágicos e misteriosos, como um conto de encantamento. As ilustrações também trazem muitas marcas do mistério e da ancestralidade, dialogando com a narrativa e a atmosfera do sertão, por meio das cores fortes e das referências utilizadas pela Anabella López, ilustradora argentina radicada em Pernambuco. Para compor o livro, ela realizou uma pesquisa profunda dos elementos ancestrais que compõem a cultura nordestina, mesclando africanidades e influências europeias, tais como as antigas runas e o Tarô de Marselha.

Aliás, uma boa pedida para a leitura de Irmãs da chuva, para além de apreciar a boa história, é observar cuidadosamente as ilustrações, notando os tons das cores e alguns símbolos que se repetem nas páginas, bem como as representações das irmãs Feliciana e Damiana. Também merece uma atenção especial a variedade das representações das demais personagens: quais são as cores da pele, como são os cabelos, as vestimentas e acessórios? Tudo isso contribui para forjar um olhar atento dos leitores para aquilo que a ilustração nos conta, ampliando os sentidos da leitura.

Outro desdobramento da leitura diz respeito ao repertório de cantigas, simpatias e rezas. Anotar as que aparecem no livro e compor um inventário de rituais e ações, a partir de uma pesquisa com as famílias e os funcionários da escola, constituem uma forma poética de valorização da grande diversidade cultural existente no nosso país.

No leito de um rio, o quinto trajeto

Diário das águas

Continuando a viagem pelos Brasis, vamos agora pelas águas, ou melhor, já vínhamos pelas chuvas das irmãs, agora mergulhamos nos rios e nos igarapés, acompanhados pelo olhar sensível da Gabriela, que anota os dias e as impressões, os dizeres e as brincadeiras das crianças que entram nas águas para brincar.

Nas palavras da autora: “Foi mariscando lembranças de andanças por muitos rios que este diário nasceu, quase afluente de um desejo de radiografar a vida nas águas, uma tarefa tão fascinante quanto naufragável. Surgiu depois de algumas incursões por estradas de águas, em diferentes épocas, nas mais variadas missões, em diversas embarcações, de canoas a batelões, por rios como Amazonas, Tapajós, Xingu, São Francisco, Paraguai, Oiapoque, Humaitá, Santo Antônio…” Muito do que foi registrado no diário, a autora conheceu, viu e sentiu nas viagens que fez entre os anos 2012 e 2014, quando percorreu quintais de água pelo Infâncias, projeto que documenta a vida de meninas e meninos do Brasil. Foram viagens feitas ao lado da jornalista Marlene Peret e do fotógrafo Samuel Macedo. Portanto, será interessante observar que são registros irmãos dos livros Terra de cabinha e Lá no meu quintal, frutos diretos da mesma experiência.

Respeitando a configuração de um diário, o livro apresenta muitas características do gênero, a começar pelo próprio projeto gráfico, no formato de um caderno de anotações, com trechos escritos em letras cursivas, às vezes como um rascunho, como um rascunho, com marcas típicas de anotações íntimas. Os desenhos de Kammal João também sugerem traços feitos em cadernos, despretensiosos, mas não sem cuidado. Ao contrário: há uma conversa sempre muito afinada com os escritos, com a atmosfera das águas e das margens, mesclando diferentes materiais: lápis, aquarela, terra. Tudo isso merece a atenção dos leitores: a forma do livro dialogando com o conteúdo e o gênero textual. 

A divisão das páginas acompanha o passar dos dias e engloba acontecimentos ao longo de um ano. A escrita, bem pessoal, traz impressões, digressões, reflexões de uma viajante que convida a mergulhos em outros tempos, alargando as margens e invitando a outros calendários, para além dos dias contados: períodos de cheias, vazantes, fases da lua… Outras vivências, outros saberes.

Entre o começo do diário, no dia 1º de janeiro, com o título “águas grandes”, e a escrita:

Meu batismo nas águas foi num desmedido Amazonas.

Fiquei léguas de dias a procurar a outra margem do rio

… e o dia 31 de dezembro, denominado “epílogo”, com o texto:

Voltei sem saber remar

nem rimar

… o leitor vai conhecer brincadeiras de água, histórias, lendas, receitas para afastar boto, infinidades de nomes de peixes, palavras e novas expressões, muitas delas com os sentidos revelados em um glossário. Um mundo se abre nesse diário, na viagem e navegações que se propõem ao longo das águas no decorrer de um ano.

Há também a possibilidade de explorar as paisagens que circundam os meninos e meninas que brincam nos rios acessando o QR Code ao final do livro, para ampliar os olhares e compartilhar as impressões da autora e o que viram seus olhos nas paragens visitadas.

São muitos os convites que a leitura nos faz. O primeiro deles é esse mergulho poético, chamando para uma de troca de impressões: o que cada um vê quando viaja e conhece novas realidades? Quais podem ser as formas de se registrar viagens? Será que os leitores costumam fazer tais registros ou guardar diários? Conhecem outros diários publicados? Como são? Em que se parecem, em que se distanciam deste?

Outra conversa interessante pode girar em torno dos diferentes jeitos de conhecer lugares, culturas e realidades. Especialmente se os leitores tiverem feito o percurso proposto até agora, passando pelos livros indicados nesta curadoria. Como foi a experiência vivenciada em cada leitura? Como se apreendem e se compartilham as características dos lugares por meio de gêneros tão diversos?

Sexta jornada: a travessia de Maria

Noite de Brinquedo

Quando Gabriela Romeu visitou o Cariri, conheceu, entre muitas crianças e brincadeiras, uma menina chamada Maria. Menina sim, mas também rainha do reisado, manifestação popular do ciclo natalino. Naquela região, como em tantas outras de nosso Brasil, durante os meses de dezembro e janeiro, muitas cores tomam as ruas e surgem palhaços de chapéus pontudos e espelhados, meninas vestidas de rainha, avôs que viram mestres, e muitos brincadores desafiados na ponta da espada. Uma festa que anuncia o tempo do folguedo. E como manda a tradição desse brinquedo, cada rainha-menina que cresce precisa passar a coroa para outra mais nova, que seja ainda de colo, pequenina. Quando o vestido aperta, o manto encurta e a coroa mal entra na cabeça da menina que cresceu, já se sabe: é o fim de um reinado, travessia que se faz necessária, tempo de crescimento.

Noite de brinquedo traz para seus leitores a jornada de Maria, ao mesmo tempo em que apresenta essa importante manifestação cultural, bem imaterial de tantas infâncias, ancorado em memórias ancestrais. A história ainda pode falar a cada leitor ou leitora, ao abordar a passagem comum que envolve o crescimento e a despedida da infância. Neste sertão, que é dentro de todos nós, está também o sertão de Maria, e a noite que ela atravessa dentro do terreiro de sua avó Yayá, buscando resolver um mistério que envolve a sua coroa. Justo quando vai passá-la para uma menina mais nova! Nesta jornada, Maria relembra sua infância e afetos, e conta com a ajuda de mestres e encantados: com eles, tal como num conto acumulativo, a menina-rainha vai em busca da solução do mistério.

Escrito em parceria com a dramaturga Antonia Mattos, fundadora da trupe Clã do jabuti, Noite de Brinquedo também foi encenada como peça teatral em diversos lugares do sertão e em São Paulo, contribuindo para que esse patrimônio cultural permaneça vivo e reconhecido.

Para além da fruição, a leitura do conto e a aproximação a essa importante manifestação abrem-se muitas possibilidades de pesquisa, ampliação do repertório sobre nossa cultura, bem como sua valorização. Ao final do próprio livro, há textos de caráter informativo sobre o reisado no Cariri e os elementos que o compõe. A partir dessa leitura, pode-se expandir os estudos e conhecimentos sobre o reisado, ampliando também a partir de uma pesquisa e consulta, aos textos e materiais audiovisuais disponíveis na página de conteúdo complementar do livro, no site da Peirópolis.

Chegada

Ao final dessa viagem pelos seis livros de Gabriela Romeu, contamos com um inventário de brincadeiras, cantigas, histórias, saberes de meninos e meninas de muitos Brasis. Outros jeitos de viver a vida, forjando novos olhares para as nossas culturas. Qual será a visão de Brasil que os leitores puderam construir depois dessa jornada feita em companhia de Gabriela Romeu, Sandra Jávera, Kammal João, Catarina Bessell, Marlene Peret, Samuel Macedo, Antonia Mattos e Luci Sacoleira?

Certamente, as leituras desses livros não se esgotam em uma primeira aproximação. São títulos que convidam a outros mergulhos, e é sempre bom tê-los por perto, para voltar a lê-los, explorando novos percursos, aprofundando pesquisas, puxando conversa…

E, conversa vai, conversa vem, descobre–se que há pessoas na escola que vieram desses lugares visitados pela autora, que podem acrescentar muitos saberes e conheceres a esse inventário…

Também pode ser interessante conciliar os olhares e impressões apresentados por Gabriela Romeu a outras fontes de conhecimento das mesmas regiões. Como a geografia física e a humana, por exemplo, nos retratam alguns desses lugares visitados pela autora? Quais são as diferenças de uma pesquisa com um viés mais acadêmico em relação a essas impressões e registros dos saberes das pessoas – crianças e adultos, meninos e meninas – que ali vivem? Ao fim das leituras, pode-se também ressignificar nossas ideias sobre onde estão o conhecimento e a cultura – muito além de espaços formais educativos, como as escolas e universidades, por exemplo.

Enfim, são muitos os caminhos e desdobramentos que podem fazer parte da apreciação dessas leituras. Aqui, apresentamos algumas possibilidades, e certamente há outras, que cada professor ou professora poderá traçar com a sua turma de estudantes. E, ainda, para saber mais e conhecer novas abordagens dessas obras, indicamos materiais complementares elaborados por especialistas para cada um dos livros.

Conheça os conteúdos complementares de cada um dos livros abaixo:

 

Referências bibiográficas

Bandeira, Manuel. Estrela da vida inteira – poesias reunidas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora/Instituto Nacional do Livro, 1970.

Romeu, Gabriela. Chão das Infâncias, In: Daher, Farias e Fedatto (orgs). Primeiras leituras: arte e cultura na primeira infância. Belo Horizonte: Ed. das Organizadoras, 2022.

 

Estante de livros

Terra de cabinha – Pequeno inventário da vida de meninos e meninas do sertão

Gabriela Romeu

Ilustrado por Samuel Macedo

17.5 x 27.5 cm • 96 páginas • 4 cores • ISBN 978-85-7596-415-6

Livro digital ISBN 978-85-7596-446-0 (KF8) e 978-85-7596-418-7 (ePUB)

Livro premiado!

Terra de cabinha é um livro que pode ser lido de muitas maneiras: como um diário de viagem pelo sertão do Cariri cearense; como inventário que apresenta bens culturais e artísticos dessa região brasileira; como registro etnográfico em diferentes linguagens (jornalística, poética, fotográfica, audiovisual e plástica); como almanaque contendo diversos gêneros textuais que informam, divertem e surpreendem, simultaneamente. Traz histórias, causos, brincadeiras, receitas, versos e adivinhas. Aqui, você ouve a voz do cabinha, dos mestres e contadores de histórias, e da pesquisadora visitante, que registrou num caderninho as coisas mais interessantes a respeito de como vivem aqueles meninos e meninas.

 

Lá no meu quintal: O brincar de meninas e meninos de Norte a Sul

Marlene Peret, Gabriela Romeu

Ilustrado por Kammal João

19 x 25 cm • 4 cores • ISBN 978-85-7596-646-4

Livro digital ISBN 978-85-7596-647-1 (KF8) e 978-85-7596-648-8 (ePUB)

Livro premiado!

O brincar é uma espécie de língua-mãe da infância. E foi por meio dessa linguagem que Gabriela Romeu, Marlene Peret e Samuel Macedo conheceram o Brasil, conectando-se com as crianças das beiradas de rios, dos grandes centros urbanos, de comunidades quilombolas e povos indígenas – regiões algumas vezes próximas; outras, bem distantes. Os registros dessa longa viagem, que se iniciou em 2011, em textos, vídeos e fotos, estão reunidos neste livro, permeado dos saberes, narrativas e vivências compartilhadas com crianças em seus quintais.

 

Álbum de família: Aventuranças, memórias e efabulações da trupe familiar Carroça de mamulengos

Gabriela Romeu

Ilustrado por Catarina Bessell

17.5 x 27.5 cm • 96 páginas • 4 cores • ISBN 978-85-7596-601-3

Livro digital ISBN 978-65-8602-800-3 (KF8) e 978-85-7596-602-0 (ePUB)

Livro premiado!

Álbum de família é uma biografia poética, a biofantasia da trupe familiar Carroça de Mamulengos, uma das mais importantes companhias culturais do país. O grupo mambembe foi criado há mais de 40 anos, na década de 1970, por Carlos Gomide, o Babau, menino de muitos sonhos, discípulo de mestres bonequeiros do nordeste tradicional, que se enamorou de uma moça de grandes saias rodadas e com ela se aventurou pela arte, trilhando juntos muitos caminhos. No espetáculo da vida, nasceram os oito filhos, todos crescidos na estrada, cada um deles com um talento diferente para desvendar o mundo, inaugurando uma cena nova.

 

Irmãs da chuva

Gabriela Romeu

Ilustrado por Anabella López

24 x 30 cm • 80 páginas • 4 cores • ISBN 978-65-5931-031-9

Livro digital ISBN 978-65-5931-033-3 (KF8) e 978-65-5931-032-6 (ePUB)

Livro premiado!

No desenrolar dessa narrativa fantástica, que brinca com o sincretismo dos saberes do homem e as forças da natureza, o leitor vai reconhecer o encanto e a graça da cultura do Brasil mais profundo, ouvir os ecos de crenças e invenciones dos muitos sertões brasileiros, que resistem na voz e coração de cantadores e contadores, de violas e pelejas, benzedeiras e suas proezas. Um verdadeiro conto de fadas brasileiro, ambientado entre o real e o imaginário, a poesia bordando a paisagem. As gravuras criadas pela artista Anabella López, argentina que adotou o nordeste brasileiro como residência e fonte criadora, recriam o imaginário sertanejo por meio da linguagem simbólica da narrativa do herói, das cartas do tarô, das runas e outras formas divinatórias.

 

Diário das águas

Gabriela Romeu

Ilustrado por Kammal João

16 x 21.7 cm • 4 cores • ISBN 978-65-5931-221-4

Livro digital ISBN 978-65-5931-214-6 (KF8) e 978-65-5931-222-1 (ePUB)

Neste diário ilustrado, o tempo é o da escuta e o ritmo, o do rio. Os encontros são pelas funduras das águas e pelas suas margens, nas brincadeiras das crianças, nas memórias dos mais velhos e nos lampejos da imaginação de uma poeta viajante. Aqui, o leitor é convidado a olhar ao mesmo tempo para as miudezas e para a imensidão, como se a vista pudesse ultrapassar a bruma da natureza e investigar a origem e a beleza de todas as coisas. No vai e vem das páginas, surgem versos-piracemas, listas, nomes, receitas, poemas e dizeres compostos com os registros em desenho do artista Kammal. Suas ilustrações investigam os silêncios das entrelinhas, as brechas das palavras, os não ditos do texto.

 

Noite de brinquedo

Antonia Mattos, Gabriela Romeu

Ilustrado por Luci Sacoleira

18,.5 x 23 cm • 128 páginas • 4 cores • ISBN 978-65-5931-236-8

Livro digital ISBN 978-65-5931-235-1 (KF8) e 978-65-5931-239-9 (ePUB)

Maria, menina rainha, cresceu brincando reisado. Até que um dia, assim como manda a tradição desse folguedo, ela precisa passar a coroa para uma menina mais nova. Não bastasse o desafio de viver esse rito de passagem e crescer, coisas estranhas acontecem nesse momento, e Maria é convocada a atravessar o sertão numa noite escura sem fim. Apoiada em suas lembranças e nos antepassados, ela conta com a ajuda de seres encantados e personagens lendários para, aos poucos, desvendar os mistérios que se colocaram em seu caminho.

Permeada dos saberes da cultura brasileira, a narrativa tem uma estrutura que lembra um conto acumulativo, e não nos deixa esquecer do dom de sonhar junto, da perseverança e do entusiasmo necessários para trilhar a jornada.

Como diz a corajosa Bel Santos Mayer no prefácio deste livro: para aproveitar esta travessia, “é preciso colocar as certezas de gente grande em descanso, correr a passos miúdos para o longe da infância e entregar-se a encantos e encantadas”.

Um irrecusável convite!

 

 

 

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