Sonia Junqueira, roteirista de “Um dia, um pássaro”, e a experiência com livros de imagem
Ping-pong com Sonia Junqueira
Peirópolis – Você já escreveu muito para crianças. Basta “dar um google” para encontrar dezenas de títulos com seu nome. Depois de tanta produção, como está sendo pra você lançar Um dia, um pássaro…? O que ele lhe traz?
Sonia Junqueira – É, acho que já estou chegando aos 80 títulos, se contarmos também os livros didáticos e paradidáticos. Mas cada livro é sempre emocionante, sempre dá aquele arrepiozinho de contentamento, de ver uma coisa que estava na sua cabeça ganhar vida independente de você, virar “gente”… No caso específico do Um dia, um pássaro…, tem ainda o prazer de trabalhar em parceria com o Angelo Abu, um ilustrador que eu admiro pra caramba e meio que lancei no mercado – pelo menos, fui uma das primeiras editoras a convidá-lo pra ilustrar livros. Só que eram textos de outros autores. Agora foi diferente – e muito, muito gratificante. E tem mais: adoro gatos, tenho em casa, mas só tinha uma história com eles: “O gato e a menina”, livro de imagens em parceria com a Mariângela Haddad.
Peirópolis – Este é o sétimo livro de imagem que você elabora, seis deles já publicados. O que leva uma escritora com trabalho reconhecido a optar pelo livro de imagens para contar a história que deseja contar?
Sonia Junqueira – Acho que, primeiro, foi a curiosidade, o desafio: “Será que dou conta de escrever um roteiro?” Depois, a vontade de dividir com alguém a criação, de interagir com o ilustrador mais intensamente do que interajo como editora: em geral, eu visualizo minhas histórias, as personagens, os cenários, como se fosse num filme, mas não sei desenhar absolutamente nada; então, achei que seria bom, também por isso, formar parcerias com ilustradores.
Peirópolis – Como foi a experiência? Foi de fato um desafio?
Sonia Junqueira – A experiência foi uma delícia, além de enriquecedora. E bem diferente da de apenas escrever uma história, na qual a gente é meio deus, pode tudo, ou quase. Aqui, não, você tem de levar em conta que o que está narrando vai virar imagem, não vai ter o apoio da palavra, então muda bastante. Legal também foi ver os ilustradores reinventando algumas coisas, cortando outras (“inilustráveis!”), quebrando a cabeça pra concretizar um fato ou uma situação, acrescentando, ampliando… e a história, que era minha, ficar sendo nossa. Tocar piano a quatro mãos deve ser assim, imagino. Interessantíssimo.
Peirópolis – Pensando ainda no livro de imagens e no contexto em que vivemos, quando uma criança precisa tornar-se competente em tantos diferentes códigos: como editora e escritora de literatura infantil, o que você acha desse contexto? Será que as novas gerações, mais afeitas à imagem, não irão mais realizar uma leitura integral de um livro? Só pedaços, “links” de todo lado, indo direto ao ponto? Onde será que isso vai dar?
Sonia Junqueira – Chiii, esse negócio é pra lá de complicado… Não me sinto competente pra analisar a questão, mas acho que o tempo da leitura “na vertical”, em que a gente mergulhava no livro e ia fundo (tanto que os livros costumavam ser bem mais volumosos do que atualmente), em que se fazia uma leitura mais reflexiva, em que se “ruminava” o que se lia, em que se convivia com personagens e situações um bom tempo depois de terminada a leitura, em que o livro era companhia e fonte inesgotável de prazer – bem, esse tempo só existe pra quem é “desse tempo”. Os mais velhos. Os mais jovens – digamos, de 35 anos pra baixo – já pertencem a um outro tempo, o tempo não só da tecnologia da informação como do supermercado, do shopping center, da fast-food, da concentração de inúmeros elementos (“pedaços”), objetos ou conceitos num só e amplo espaço. O tempo da simultaneidade e da instantaneidade; e instantaneidade muito calcada na imagem, não só na palavra. Esse pessoal já nasce equipado pra abarcar – ler – um mundo de coisas ao mesmo tempo, enquanto que nós, os mais velhos, lemos da esquerda pra direita e de cima pra baixo, num espaço limitado e num ritmo bem mais lento, o ritmo de uma coisa depois da outra.
Peirópolis – Continuando por esse caminho, será que ainda haverá espaço para a fruição literária?
Sonia Junqueira – Bom, por outro lado… Olha, tenho um irmão (do grupo dos “velhos”) que é analista de sistemas e entende bastante disso. Ele me disse uma coisa interessante: que essa instantaneidade vale mais para a informação objetiva, científica, mobilizada pela necessidade de conhecimento – que, por sua vez, pode ser comprado (terceirizado), então você não precisa mais acumular conhecimentos, como antigamente, como os humanistas, por exemplo. Nesse sentido, o livro, tal como o conhecemos hoje, pode até ser dispensado. Já a literatura, como a filosofia, que alimenta nossa necessidade de prazer, de reflexão, de crescimento intelectual, emocional, pessoal, não é tão contaminada por essa instantaneidade.A ser isso mesmo – e a “teoria” faz sentido, creio –, essa resistência à leitura do livro convencional, pelos mais jovens, resulta de outras coisas: a falta de convivência com adultos leitores, a falta de hábito de leitura das famílias e dos professores, o uso equivocado que a escola faz do livro (ler é tarefa, é obrigação, vale nota…). Ou seja, falta a vivência do imenso prazer que é ler; falta, talvez, no caso dos jovens e adolescentes, uma literatura que os “agarre” definitivamente (senão, como se explicaria o fenômeno Harry Potter e, agora, Stephanie Meyer? Está certo que o marketing pesado ajudou, mas, mesmo assim…).
Peirópolis – E a questão do suporte, do livro de papel? O que você acha sobre o destino dele?
Sonia Junqueira – Também por influência da internet, o “formato” atual do livro de papel, salvo exceções, como as citadas acima, parece cada vez menos atraente para os jovens (e não para as crianças, por causa da ilustração, talvez): provavelmente, esse formato terá de ser revisto, incorporar elementos da linguagem da internet (o que escritores mais novos já começam a fazer), incorporar códigos que passaram a fazer parte da vida cotidiana. Creio que, cada vez mais, o livro precisa se adaptar a este novo universo, precisa “dançar conforme a música”. Como os futuros escritores são da geração da simultaneidade e da instantaneidade, é esperar… Tem ainda o fato de que a criança/jovem de hoje tem muito mais solicitações do que antigamente, e o dia continua a ter 24 horas… O tempo reservado à leitura (e a muitas outras coisas) é bem menor do que os “velhos” tínhamos.
Peirópolis – Nesse contexto, o que fazer com uma criança que não quer ler de jeito nenhum? Será que um pouco de pressão funciona com essas crianças?
Sonia Junqueira – Precisamos levar em conta, como propõe Daniel Pennac no livro “Como um romance”, o primeiro dos dez “direitos imprescritíveis do leitor”: “o direito de não ler.” Acredito profundamente nisto: ninguém deve ser obrigado a ler, como ninguém deve ser obrigado a tocar um instrumento, a praticar esportes, e vai por aí afora. Claro que, do meu ponto de vista, quem não lê deixa de ter uma experiência preciosa, definitiva – do mesmo modo que um desportista deve morrer de pena de mim, que detesto esportes e atividades físicas… Bom, essas são apenas reflexões, coisas que a gente pensa a partir da realidade: na verdade, o que vai acontecer com o livro e a leitura depende de tanta coisa que nem consigo imaginar… Mas acredito fortemente que, com o livro num novo formato ou no formato de sempre, a literatura é eterna. Penso que tem coisa que não morre, e a literatura – a arte – é uma delas…
Por Luciana Tonelli
Sonia Junqueira no Museu da Pessoa
Quem quiser saber mais sobre a autora e sua obra pode visitar o site do Museu da Pessoa dedicado ao projeto Memória da Literatura Infantil e Juvenil, onde se encontra a entrevista realizada com a escritora em seu formato integral – tanto a versão transcrita, como a versão gravada em vídeo. Para acessar, clique no link abaixo e busque pelo nome de Sonia na pesquisa:
Museu da Pessoa – Projeto Memórias da Literatura Infantil e Juvenil
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