Seu Joaci e o tempo – Conteúdo complementar
Conheça Seu Joaci e o tempo:
1. Conhecendo o projeto: como nasceu o livro Seu Joaci e o tempo…
2. A escola e o território: parte essencial do currículo
3. O território e a literatura – e a literatura nesse território
4. Escola produz cultura e comunica seus saberes e assim forma leitores e escritores
5. Para saber mais sobre o Projeto
1. Conhecendo o projeto: como nasceu o livro Seu Joaci e o tempo…
Todos os dias, as crianças que moram na zona costeira de Paraty, RJ, precisam pegar um barquinho para chegar à escola municipal João Apolônio dos Santos Pádua, na praia do Baré. Quem as leva é o seu Joaci, um marinheiro caiçara que também frequentou a mesma comunidade escolar, quando pequeno. Ali, naquela região, cada criança mora em uma ilha, praia ou encosta diferente. E o seu Joaci passa de cais em cais para apanhá-las. Todos os dias são percorridos muitos quilômetros na água para que todas as crianças possam frequentar a escola.
Seu Joaci guia as crianças de cais em cais.
No cais de turismo ou no cais de pesca, estudantes aguardam o marinheiro Joaci.
O percurso do barco Sol da Manhã:
Durante as viagens, Seu Joaci, quase sempre calado, observava com muita atenção o céu… Parecia até que conversava com ele! A professora da turma multisseriada, com alunos do pré ao 5º ano, também ficou curiosa: o que tanto o Seu Joaci via naquele céu? Por que era tão importante olhar e olhar de novo para as nuvens, todos os dias?
Aos poucos, a educadora e as crianças perceberam que ele não era apenas o marinheiro caiçara que os transportava para a escola. Ele era um mestre! E seu saber estava ligado a um modo ancestral de prever o tempo naquela região, conhecido como etnometeorologia, o conhecimento popular sobre a previsão do clima. Ao olhar para as nuvens, o seu formato, a sua localização e a quantidade delas, o Seu Joaci sabia exatamente quando ia chover e que tipo de chuva viria. Se seria dali a três dias ou algumas horas, chuva forte ou persistente. E como estaria o mar… Conhecimentos fundamentais para quem vive de navegar!
Aprender sobre a etnometeorologia com o seu Joaci fez muito sentido para as crianças, já que suas vidas eram diretamente afetadas pelo tempo, ou seja, aquelas crianças sabiam o quanto aquele conhecimento do marinheiro caiçara era importante. E assim, envolveram-muito no assunto, aprendendo a pesquisar sobre o tema a partir de diversas fontes.
Para tanto, estudaram diferentes modos de previsão do tempo, reconhecendo tanto o saber científico, quanto o conhecimento tradicional. Além de realizar muitas leituras, Entrevistaram Seu Joaci durante o ano de 2021, atuando como pesquisadoras do seu próprio território e aprendendo sobre a etnometeorologia e a cultura local, estreitando os laços entre a escola e a comunidade. Confira abaixo as perguntas feitas pelas crianças ao mestre:
Questionário Seu joaci e o tempo
- Seu nome:
- Data do nascimento:
- Localidade em que nasceu:
- Como aprendeu a pescar?
- Como aprendeu a observar os sinais da previsão do tempo?
- Em que momento da sua vida decidiu ser marinheiro?
- Como exerce a profissão de marinheiro?
- Quais são as responsabilidades no transporte escolar?
- A comunidade escolar confia nas suas previsões das condições do tempo?
- O senhor segue a tábua das marés?
- Além da formação de nuvens, ventos, marés e correntes marítimas, há outros sinais que ajudam o caiçara de Paraty a prever o tempo?
Os ensinamentos do marinheiro foram transformados em versos, ilustrados e acompanhados por um glossário de termos que fazem parte do seu universo e algumas informações sobre as nuvens, obtidas por meio de estudos e pesquisas. Tudo isso foi organizado em uma publicação no formato de uma cartilha, feita em conjunto pelos estudantes e a professora Miriam Fátima Espósito. Depois de pronta a publicação a turma convidou Seu Joaci para ver e aprovar o resultado.
Estudantes montam os painéis, com desenhos e versos sobre a previsão do tempo (Arte em giz de lousa e giz pastel).
Seu Joaci aprova as imagens, textos e suas falas.
Com Seu Joaci, as crianças aprenderam muito mais sobre os céus e puderam enxergar o mundo com os olhos de um mestre tradicional. Também estudaram as nuvens, aprendendo seus nomes e como reconhecê-las.
O resultado desse trabalho ficou tão bonito, que muito mais leitores deveriam conhecê-lo. E, assim, foi transformado em livro.
2. A escola e o território: parte essencial do currículo
O trabalho desenvolvido pela professora Miriam e sua turma é uma expressão de como o lugar onde a escola se insere – as ruas, os bairros, as comunidades, a cidade – e seu o território – como produto da dinâmica social, podem (e devem) se constituir como uma grande oportunidade educativa.
Ao navegarem para a escola, observarem e ouvirem o mestre Joaci, os estudantes da EM Apolônio dos Santos Pádua não só reconheceram um saber tradicional das caiçaras para prever o tempo, como passaram a se relacionar com o território de outra maneira: tornou-se imprescindível olhar o céu para saber se haveria como ir para a escola, ou como seria a viagem… As nuvens ganharam outros contornos: em suas formas passaram a se incluir também o tempo, o vento e o tipo de chuva, o momento em que desabaria, e como. Saber essencial para quem depende do barco e do mar para se locomover.
A partir desse jeito muito próprio de se prever o tempo, os estudantes também ampliaram seus conhecimentos sobre os tipos de nuvens, e o vocabulário, entrando em contato com uma linguagem científica, mas sem deixar de reconhecer os modos de dizer da terra, encarnados na fala do marinheiro Joaci.
Assim, a escola ampliou o diálogo com a comunidade e com o contexto de vida das crianças e das suas famílias, estreitando os laços e promovendo uma aprendizagem com muito sentido para os estudantes, fazendo jus àquilo que a escola deve mesmo ser: porosa à comunidade em que está inserida, olhando para ela, costurando saberes, e assumindo o território como lugar de pesquisa e estudo, como parte essencial do currículo.
3. O território e a literatura – e a literatura nesse território
Cada lugar tem as suas histórias, aquelas contadas de geração a geração, e que são parte do arcabouço da literatura oral nascida em cada região. Conhecer tais narrativas, portanto, é também conhecer melhor o território, pelo viés literário. Muitas vezes, as histórias orais ganham componentes próprios de cada lugar, ingredientes autorais, que também revelam modos de vida, culturas, saberes.
Paraty certamente tem as suas histórias, seus causos, suas lendas. Mas também tem recebido, ao longo dos últimos anos, por conta da FLIP, muitos autores e autoras de literatura. Ainda que a população local nem sempre participe da festa literária propriamente dita, um clima em torno do livro e da literatura se instala por ali e é cada vez mais desejável que a literatura se presentifique de muitas formas em meio às comunidades locais.
Assim, a presença da literatura se expande: para além da oralidade, há também o de fora, os livros que chegam e tomam a cidade, aproximando ainda mais a região da cultura escrita, ampliando o direito à literatura, em suas mais variadas manifestações. E então, dialogando também com esse território que recebe anualmente uma festa literária, surge um livro da própria terra, que celebra o encontro de estudantes da zona costeira com um marinheiro local, valorizando seu saber, compondo um precioso ciclo: a cultura escrita não só alimenta o lugar, como é alimentada por seus conhecimentos e tradições, que fixados em livro, se preservam e são difundidos.
4. Escola produz cultura e comunica seus saberes e assim forma leitores e escritores
Para dar conta de uma de suas principais funções, que é formar cidadãos que participam da cultura escrita, lendo e escrevendo com propriedade, é preciso que a escola funcione como uma verdadeira comunidade de leitores e de escritores, permeada de práticas de leitura e escrita que circulam na sociedade, para além dos muros da instituição.
Para tanto, é fundamental que os estudantes sejam solicitados a participar de práticas com sentido e significado. Práticas que os coloquem como leitores e escritores ativos, e que por meio das quais, eles possam experienciar: o que é ler e escrever na vida? O que lemos? O que escrevemos, no mundo? Para quê e para quem? Com que usos e propósitos?
Quando os alunos e alunas têm a oportunidade de comunicar por escrito aquilo que aprenderam, escrevendo textos reais que serão lidos por outras pessoas, como as famílias, outras turmas, comunidade do entorno e até mesmo para um público mais amplo, os estudantes se inserem como autores e participantes efetivos da cultura escrita e ocupam um lugar simbólico muito importante: o de que tem voz, tem algo a comunicar. E aquilo que comunica, produz efeitos e mudanças ao redor, ou seja, os estudantes colocam-se no lugar de quem produz cultura.
Além disso, outras aprendizagens importantes acontecem, como por exemplo a apropriação dos procedimentos indispensáveis para a tarefa de escrever, que poderão ser levados para todas as situações em que forem instados a escrever. Entre os procedimentos de escrita muito importantes, podemos citar:
- olhar para o conhecimento construído, pensando qual o melhor formato para ser compartilhado;
- conhecer muitos modelos de textos do gênero escolhido, refletindo sobre as suas características e funções;
- organizar o conhecimento, elegendo o que será compartilhado;
- considerar o interlocutor ao escrever, adequando o texto ao seu público;
- revisar o texto e reescrevê-lo.
No caso desse do projeto, os estudantes experimentaram tudo isso ao escreverem a produzirem a cartilha, em uma primeira etapa, e depois, toda essa produção se expandiu quando o texto virou livro.
Se você quiser saber mais sobre o assunto, indicamos a seguinte bibliografia, utilizada pela professora Miriam e seus alunos e alunas:
ESTAÇÃO METEOROLÓGICA DO INSTITUTO DE ASTRONOMIA, GEOFÍSICA E CIÊNCIAS ATMOSFÉRICAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (IAG/USP) – Seção Técnica de Serviços Meteorológicos. (www.estacao.iag.usp.br/site_apoio/index,php)
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA (IFSP) – Congresso de Inovação, Ciência e Tecnologia. Etnometeorologia, 2016.
INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA. Previsão do tempo, 2021.
(portal.inmet.gov.br)
MARINHA DO BRASIL – Capitania dos Portos – RJ – Tábuas de maré, 2021.
ALFARO, Gerardo. Etno-meteorología tica. Revista Ambientico, da Universidade Nacional, Costa Rica, n. 146, novembro de 2005, p. 12-15.
AMOROZO, M. C. M., MING, L. C., DA SILVA, S. M. (eds.) Métodos de coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas. Rio Claro: UNESP/CNPq, 2002.
LIMA, P. A. M., SOUZA, S. P. Etnometeorologia caiçara e nudanças climáticas. Congresso de Inovação, Ciência e Tecnologia do IFSP, 2016.
REVISTA SUPERINTERESSANTE. 10 tipos de nuvens.
Publicado em 28 de fevereiro de 2013 e atualizado em 18 de fevereiro de 2017.
(https://super.abril.com.br/galeria/10-tipos-de-nuvens/)
5. Para saber mais sobre o Projeto
O trabalho escolar realizado pela professora Miriam e os alunos da EM Apolônio dos Santos Pádua ganhou o Prêmio Territórios, por ter desenvolvido um projeto com sentido e significado, favorecendo os processos de aprendizagem das crianças, que assumiram o protagonismo como pesquisadoras. O projeto também ganhou destaque ao reforçar os vínculos dos estudantes, suas famílias, a comunidade e o espaço. A premiação, realizada pelo Instituto Tomie Ohtake, contempla as melhores práticas com base nos princípios da educação integral, desenvolvidas em escolas públicas de todos o país.
Assista ao documentário do Instituto Tomie Ohtake sobre a cartilha que virou livro:
Leia a matéria da Revista Nova Escola, “Crianças como pesquisadoras do seu entorno”
Crianças como pesquisadoras do seu entorno – Matéria da Revista Nova Escola
Leia a publicação “Professora promove letramento a partir da etnometeorologia em Party, RJ”, no site do Centro de Referências em Educação Integral
Professora promove o letramento a partir da etnometeorologia – Centro de Referências em Educação Integral
Para realizar o projeto, a professora Miriam se baseou:
AMOROSO, M.C.M., MING,L.C., DA SILVA, S.M.(Eds.) Métodos de coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas. Rio Claro: UNESP/CNPQ, 2002.
DIEGUES, Antônio C. Ilhas e Mares: simbolismo e imaginário. São Paulo: Hucitec, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1996.
SINGER, Helena (org.) Territórios educativos: experiências em diálogo com o bairro-escola. São Paulo: Editora Moderna, 2015.
Se você quiser saber mais sobre etnometeorologia, indicamos a seguinte bibliografia, utilizada pela professora Miriam e seus alunos e alunas:
Participantes do projeto Seu Joaci e o tempo
Estudantes: Ana Luiza Ventura C. de Souza – Davi Miguel dos Santos – Gelson de Souza Braga – Gusttavo Villela do Nascimento – Iorrana Rosa dos Reis Alves – Isabelli Marques dos S. Magalhães – Isabelly dos Reis de Souza – Júlia da Rocha Meneses – Kerollainy Rodrigues dos Santos – Manoel Bruno dos Santos Neto – Paulo Hermínio dos Reis Alves – Pietro dos Santos Conceição – Poliana Lara do Espírito Santo – Sara Gabriela dos Reis Alves – Samuel Ferreira de Souza – Valentina Correa dos Santos
Autoria do Projeto, Mediação Pedagógica e Ilustrações: Miriam Fátima Esposito
Marinheiro e Barqueiro Coautor de Conteúdo de Etnometeorologia: Joaci Reis
Monitora de Barco e Assistente de Produção em 2021: Joice Reis
Monitora de Barco em 2022: Kelly Eugênio
Edição Artesanal do Projeto: Estudantes e Professora Miriam
Diagramação: Miriam Fátima Esposito e Caio Antonio Esposito
Edição Digital, Fotografia dos Originais e Design: Caio Antonio Esposito
Poesia Épica SEU JOACI E O TEMPO – Criação Coletiva
Um pouco mais sobre a professora…
Miriam Esposito é professora há mais de 50 anos e trabalhou em escolas no Rio de Janeiro, em Nova Friburgo e Paraty, onde mora desde 1985. Cursou História, Letras e Psicologia. Durante a sua vida profissional, exerceu diferentes funções educativas, lecionou em todas as sérias da Educação Básica e atuou em causas coletivas educacionais, culturais, territoriais e socioambientais.
Foi finalista do Prêmio Professores do Brasil com o programa Rádio Escola Parque da Mangueira e do Prêmio Educador Nota 10, com o projeto “Um Pé de Nada, Um Pé de Tudo!”, sobre intergeracionalidade, reflorestamento e cultura viva caiçara, um trabalho desenvolvido em uma escola costeira, que resultou no convite do IPHAN para representar a rede municipal na candidatura de Paraty a Patrimônio Mundial.
Há 15 anos, participa ativamente das oficinas e ações do Educativo Flip.
Em 2021, ainda na zona costeira, desenvolveu o projeto Seu Joaci e o tempo, a Etnometeorologia sob o ponto de vista do caiçara pescador, marinheiro e ilhéu paratiense, que foi vencedor do 6° Prêmio Territórios 2022 do Instituto Tomie Ohtake e agora, chega ao público em livro pela Editora Peirópolis.
…. E sobre Seu Joaci
Joaci dos Reis é caiçara nascido em Paraty, marinheiro e pescador. Cresceu na Ilha do Algodão aprendendo o ofício de pescador, com seu pai e irmãos. Fez o próprio barco e hoje, além do transporte escolar, faz passeios turísticos pela baía de Paraty, entre praias e ilhas da região. Costuma dizer que sua previsão do tempo está escrita no firmamento e nas águas do mar, sendo por ele lida e ensinada. É casado com a também caiçara Dilma, com quem teve três filhas, Joice, Jamily e Vitória.
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