Entrevista com Maristela Colucci: os meninos da Congada de Ilhabela
Ex-moradora da ilha, a fotógrafa Maristela Colucci passou anos registrando a festa de São Benedito. O conjunto de imagens inspirou o escritor José Santos a criar uma narrativa para acompanhá-las, nascendo assim Os meninos da Congada na festa de São Benedito de Ilhabela. O livro foi apresentado à comunidade de Ilhabela em festa no dia 26 de novembro e será lançado em São Paulo em 2012.
Das grandes travessias marítimas à ilha perto de casa
A fotógrafa Maristela Colucci é conhecida pelo seu trabalho com fotografia de natureza, fotografia submarina e fotografia de ousadas expedições por áreas remotas do planeta, duas delas como parte da equipe do velejador Beto Pandiani – Travessia do Pacífico (Do Chile à Austrália) e Rota Boreal (de NY à Groenlândia). Sua produção gerou seis livros, todos eles relacionados aos temas ambientais.
Os meninos da Congada traz uma faceta menos conhecida da produção dessa paulistana inquieta, que também se dedica ao design gráfico e às atividades editoriais (com sua amiga de infância Renata Borges, diretora editorial da Peirópolis, ela fundou a Grão Editora, pela qual publicou Sub – viagem ao Brasil submarino e O mar é minha terra, livro de memórias de Pandiani). Agora ela apresenta o registro de manifestações folclóricas de um lugar que lhe é caro: a Ilhabela, onde viveu alguns anos.
Leia em seguida a entrevista com Maristela Colucci. Para conhecer mais sobre a autora, visite o seu site: http://www.maristelacolucci.com.br/
Entrevista com Maristela Colucci
Você é conhecida pelo seu trabalho como fotógrafa de natureza, com fotos submarinas e grandes expedições no currículo. O que a fez mirar suas lentes sobre uma manifestação folclórica?
Nas grandes expedições, além da natureza em si, muito me atrai o povo de cada lugar. Seja em sua vida cotidiana, seja em manifestações culturais, que nem sempre conseguimos presenciar. Conheci a Congada de Ilhabela quando fui morar na ilha, em 2000. Residente, vi a oportunidade de fotografar a festa mais de uma vez, já pensando em ter vasto material para um livro.
E quais foram os desafios enfrentados, do ponto de vista da realização das fotos em si?
Apesar de ser vista e admirada por vários turistas, a Congada não é nada turística. Os congueiros tem muita fé em São Benedito e é esta fé que os faz participar da festa a cada ano. Acho que o maior desafio foi tentar ser meio “invisível” na documentação, para não ferir este aspecto religioso, de devoção. Tive a sorte de ter sido apresentada aos congueiros pela Dona Dedé e, imagino, ter sido logo “aceita” por eles muito por causa dessa minha “madrinha”.
Quantos anos acompanhando a congada de Ilhabela? As imagens publicadas no livro são de anos diferentes? Você notou muita diferença entre um ano e outro, ou há sempre o esforço para reproduzir a festa o mais fiel possível a uma referência inicial?
Fotografei as festas de 2000, 2001, 2003, 2004, 2010 e 2011. Sim, há sempre este esforço de todos para ser fiel à tradição. E eles conseguem. O que pude notar desde 2010 é que alguns congueiros mais velhos já não estavam mais (ou por problemas de saúde ou por já terem morrido). E também, no que tange o meu trabalho, notei que há muito mais profissionais de fotografia e de vídeo documentando a festa, o que dificulta bastante o trabalho de cada um, todos sempre tentando buscar enquadramentos onde outro fotógrafo/cinegrafista não apareça….
O livro que vocês lançam agora tem um foco especial na participação das crianças na festa, formando o grupo de congueiros-mirins. Como essa participação se dá? Existe uma “presença” da congada durante todo o ano, alimentando essa referência na comunidade?
Essa ideia surgiu em 2000, quando um professor da ilha, o professor Adriano Leite, preocupado com a continuidade da festa, resolveu formar o grupo da Congada Mirim e ensinar a tradição, as falas e os jogos às crianças locais. E o fez com tanta garra e paixão que formou um grupo forte e animado, que hoje em dia já levou personagens à Congada dos adultos: muitos meninos que começaram em 2000 com 10, 12 anos hoje estão na Congada. Eu acho que a Congada se faz presente o ano todo no âmbito familiar, pois as famílias na Ilhabela são realmente muito devotas de São Benedito. Nas escolas o assunto surge no início do ano, já focando os ensaios da Congada Mirim, que começam em março.
Como foi o trabalho com o José Santos, autor do texto?
Descobri no José Santos um excelente entrevistador. Ele não conhecia a festa e sequer conhecia a Ilhabela. Chegou e, com seu jeitinho mineiro, gravou horas de conversas muito soltas e espontâneas com as crianças e os adultos. Eu sinto no texto um conhecimento de quem já viu várias vezes a festa.
Para realizar o trabalho vocês pesquisaram a obra da folclorista Iracema França Lopes Correa (Dona Dedé, autora do livro A Congada de Ilhabela na festa de São Benedito). O que Dona Dedé trouxe de mais significativo para o seu trabalho?
Dona Dedé foi a grande incentivadora do meu trabalho. E, como disse no início, me abriu as portas da comunidade caiçara de uma forma extremamente generosa.
Haverá algum trabalho com a comunidade em torno do livro?
Cem exemplares serão doados à Associação Cultural dos Congueiros de Ilhabela. A meta é que cada congueiro tenha o seu exemplar, afinal, a maioria deles está nas páginas do livro. E parte dos direitos autorais da obra será também doada à Associação, com o intuito de colaborar com a produção anual da festa.
Por Luciana Tonelli
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