Os gatos de Eugênio e outras conversas sobre o livro - Editora Peirópolis

Os gatos de Eugênio e outras conversas sobre o livro

Se você chegou até aqui é porque deve ter tido curiosidade de saber um pouco mais sobre os gatos da casa rosa. Além de serem da família do Eugênio e de gostarem muito de brincar com a Olívia, há um segredo a respeito deles que talvez você goste de saber: eles foram inspirados em gatos reais, que vivem no quintal de uma casinha lá em Santa Catarina, numa cidade chamada Balneário Camboriú. Além dos gatos, quem mora nessa casa é o autor da história que você acabou de ler.

São quatro os gatinhos do Everson Bertucci: Tibúrcio, Fífs, Bébs e Kiriku.

Não sei se você já leu outros livros do Everson e do Juão Vaz, o ilustrador. Se você já leu, deve ter reparado que em todos os livros, aparece um gato. No livro A senhora da casa azul, o gatinho tem uma característica especial, ele é cego, como um dos gatos de verdade do Everson, e está sempre muito atento em todas as cenas da história. No livro Mesma Nova História, também há um gatinho que acompanha a relação de Vicente e sua avó, faz algumas estripulias e vive cada passagem do encontro entre os dois personagens. Você reparou nisso? Se não, pega o seu livro para ver!

Se você ainda não leu esses livros, fica o convite.

Ler e conversar: um livro que nos faz refletir sobre a importância das histórias

Será que essa história mexeu com você? Quando um livro nos toca, muitas vezes temos vontade de conversar sobre ele, não é mesmo? O que será que mais te marcou em Eugênio? A coragem de Olívia? A forma como Eugênio levava a sua vida? A amizade entre os dois?

E o que você achou do final? Era o que esperava que fosse acontecer ou te surpreendeu? E as ilustrações? Elas te ajudaram a compreender mais a narrativa? Por que você acha que o ilustrador resolveu desenhar o Eugênio misturado à sua casa? O que essa imagem nos faz pensar ou sentir?

Você reparou que essa é uma história que mistura elementos fantásticos e reais, como por exemplo, a presença da chuva de palavras? É comum construções desse tipo na literatura e elas podem nos fazer pensar muitas coisas, uma delas é que a nossa realidade não é feita apenas do concreto, daquilo que vemos, mas também do que imaginamos, dos nossos sonhos e fantasias, não é mesmo?

Neste livro, também podemos refletir sobre a importância da ficção em nossas vidas. No final da história, isso fica muito evidente quando aquela tristeza toda que foi tomando conta de Olívia acha um caminho por meio da brincadeira (as pipas pelo céu) e depois via literatura, com os causos inventados com as palavras que choveram. Com as histórias, a cidade ficou mais viva, e a presença de Eugênio se manteve nos muitos causos que seguiram sendo criados e contados… Não é bonita essa imagem final?

Uma prosa com os autores

Além de conversar e refletir sobre a história, também achamos que seria interessante se os leitores pudessem conhecer um pouco mais sobre a dupla que fez o livro, como foi o processo de criação de cada um deles, e como se dá a parceria entre o autor e o ilustrador, que já têm juntos 3 livros publicados. Por isso, resolvemos entrevistá-los. Quem sabe o que eles nos contam não traz novos elementos para prosseguir pensando e conversando sobre o livro?

Conheça um pouco mais sobre o Everson, o livro Eugênio e as outras histórias escritas pelo autor.

Peirópolis: Everson, conta um pouco para a gente de onde veio a inspiração para escrever Eugênio.

E: Em 2018, meu pai foi diagnosticado com Mal de Parkinson e por causa disso eu comecei a pesquisar sobre as causas, pois o que eu sabia sobre a doença era a presença do sintoma que é mais senso comum: a tremedeira. Mas meu pai não tinha essa manifestação acentuada. Foi então que eu e minha família descobrimos que há outros sintomas.

Depois de um tempo, fiquei pensando em criar uma história cujo personagem tivesse Parkinson. Eu tinha o personagem, que seria um velhinho com as características da doença. Mais nada. Foi então que em 2021, assistindo ao programa “Amigos, sons e palavras”, no Canal Brasil, a história veio. No episódio em questão, Gilberto Gil entrevista o apresentador Pedro Bial. Num determinado momento da conversa, Bial começa a falar sobre o pai dele: que era um grande leitor, que na casa dele havia muitos livros, que ele passou a infância nesse universo. Até que o Bial solta a seguinte frase “Na minha casa chovia palavras”, se referindo à quantidade de livros e leituras que havia lá. Essa frase me arrebatou, pois eu a interpretei no sentido literal. E na mesma hora eu pausei o vídeo, anotei a ideia num pacote de trigo que estava sobre a mesa. Foi nesse momento que eu descobri a história que faltava para o personagem que eu já tinha!  E no mesmo dia eu escrevi. A casa rosa, a chuva misteriosa, as pipas, o mirante, a Olívia, tudo veio organicamente. Depois fui lapidando o texto.

Então, “Eugênio” é uma obra ficcional inspirada em três figuras masculinas: meu pai – com as características do Mal de Parkinson (meio corcunda, andar vagaroso arrastando os pés, visão reduzida, mãos trêmulas) – o pai do Bial (a parte intelectual, grande leitor) e do Gilberto Gil (a parte física, um homem negro).

P: Eugênio é seu terceiro livro pela editora Peirópolis. Nos outros dois títulos, você também explora a relação da infância e da velhice, de uma criança com uma pessoa mais velha, envolvendo uma transformação. Por que este universo comum? Há algo em especial que te mobiliza neste encontro intergeracional?

E: A velhice me fascina há muito tempo. Seja pela ancestralidade, pela sabedoria, pela vivência, pela finitude, pela troca que pode acontecer com outras gerações e por algumas doenças enigmáticas como o Alzheimer e o Parkinson, por exemplo. A infância também me interessa muito. E eu descobri isso aos doze anos, quando nasceu meu primeiro sobrinho e minha vida mudou. Eu defino minha existência em antes e depois do nascimento dele, o Pablo. Em seguida, vieram a Danila e o Vinícius. E foi incrível conviver e ajudar a cuidar deles.

Na minha família também tiveram e têm idosos muito especiais: a maioria, mulheres. Então, muito vem daí. Claro que meu olhar observador está sempre atento para outros idosos e crianças, inclusive porque sou professor de crianças desde 2017 e convivo com elas diariamente. Personagens da ficção também me inspiraram e inspiram muito, assim como escritores, escritoras, atrizes, atores, e artistas de outras áreas também.

P: Além de escritor, você também é professor. Como essas duas instâncias de sua vida dialogam? Em que medida se alimentam?

E: Escrever para a infância só aconteceu efetivamente por intermédio da docência. Foi em sala de aula que eu comecei a perceber que minha escrita, que já vinha de antes, poderia dialogar com esse universo. Algumas das minhas histórias, inclusive, surgiram em sala de aula. Hoje, uma se alimenta da outra. Eu trabalho muito com a literatura com meus alunos e já aconteceu de uma fala de uma aluna me dar a ideia de uma história. Num outro momento, o desenho que um aluno me deu foi o mote para outra narrativa. A convivência com as crianças é muito enriquecedora para o meu processo criativo.

P: Seus três livros têm o mesmo ilustrador, Juão Vaz. Como se dá essa parceria? Em que medida as ilustrações mudam seu olhar para seus próprios textos?

E: A parceria com o Juão é um presente que a vida me deu, ou melhor, a Mafuane  me deu (Mafuane Oliveira, contadora de histórias e parceira de Everson e Juão no livro Mesma Nova História), pois foi ela quem nos apresentou. Ele consegue ler minhas histórias de uma maneira que me surpreende. E de uma forma que engrandece e potencializa o texto. Está viva na minha memória a sensação de quando eu vi pela primeira vez a imagem da vó, do nosso livro Mesma Nova História, por exemplo, e do quanto eu achei incrível. E de um jeito que eu jamais imaginaria. Ou da forma como ele conduziu a narrativa do livro A Senhora da Casa Azul, potencializando o machismo estrutural. Assim como quando ele personificou o personagem Eugênio em simbiose com a casa rosa, em nosso novo livro, ou até mesmo a poesia em forma de imagem na cena em que eu falo da cocada de maracujá. O olhar dele para o texto é muito genuíno. Ele vai no cerne da palavra. Sem dúvida, é um grande artista. O trabalho dele me emociona e me impulsiona.

Conheça o autor:

Tem amizade com uma bruxa aqui, um bruxo acolá. É inventador de causos e espalhador de sementes
de girassol. Sabe fazer pães de pôr do sol e bolos de escuridão. É O humaninho de estimação da Bébs, do Fífs, do Kiriku e do Tibúrcio.

 

 

 

 

 

 

Entrevista com Juão Vaz, ilustrador:

Peirópolis: Juão, você e Everson têm uma parceria que já vai para o terceiro livro. Os processos de ilustração dos livros se assemelham? Ou, mesmo sendo da mesma autoria, cada trabalho tem um caminho muito diferente do outro?

J: Creio que cada trabalho tem alguma situação que difere no meio da criação. Mas o processo criativo em si, segue uma estrutura e um planejamento de execução. Basicamente, conversamos sobre qual a mensagem central do livro e quais imagens buscamos representar. Depois, geralmente penso em soluções megalomaníacas e mirabolantes para depois ir lapidando de acordo com as limitações técnicas do projeto, como número de páginas, tamanho do livro e de técnica de impressão. Gosto de ir expandindo a criação assim pois há uma abertura de possibilidades inimagináveis e às vezes surge um ramo de uma ideia maluca que não acreditava que daria certo, é nesse raminho que se faz descobrir uma nova visualidade. Acredito que cada trabalho é como um jogo de encaixes até formar algo consistente.

P: Os três livros, Mesma Nova História, A senhora da casa azul e Eugênio podem ser considerados livros ilustrados, cuja relação texto e imagem é muito imbricada. Como é seu processo de construção da narrativa visual nesse tipo de livro?

J: O processo de construção da narrativa procura assimilar os conceitos centrais do texto, associar os arquétipos e através de analogias simbólicas, com o que o texto quer dizer nas entrelinhas, transformá-los em imagens. Dito isso, não costumo ser literal nas imagens, a não ser que haja uma justificativa, imposição ou fator relevante. O que pretendo, é trazer imagens que ampliem o sentido do texto e que tracem um caminho de descoberta de pontos de vista diversos, um novo olhar e a construção de um repertório crítico do leitor.

P: Por favor, nos conte um pouco mais sobre cada livro, destacando elementos e referências que considera importantes para a leitura dos títulos que publicou com o Everson Bertucci.

J: Nosso primeiro livro, Mesma Nova História, foi no tempo da tartaruga. Houve 3 versões de ilustração antes da versão final. E demoramos muito tempo para publicá-lo. No decorrer desse tempo revisitei algumas vezes a história e fui percebendo algumas nuances. Pude assistir algumas vezes à narração oral dela pela Mafuane, que também é autora do livro, e isso me trouxe um outro olhar. Com o tempo, fui experimentando e investigando características dos cenários e personagens que esse livro pedia. Algo vernacular, brasileiro, manual. O livro seguiu por essa toada e se transformou em um ambiente lúdico vernacular, com elementos de nossa cultura.

O texto do livro da senhora da casa azul trouxe um componente de comportamento psicológico. Através dessa identificação busquei referências de artes que estavam atreladas com tramas psicológicas, traumas, travas e amarras nas camadas do inconsciente. O livro fala de cores, manipulação mental e liberdade. A narrativa visual do livro busca demonstrar o caminho da prisão emocional à liberdade.

Já no livro Eugênio houve um processo um pouco inusitado. A ideia visual estava definida com inspirações tipográficas, pois o livro usa como elemento central letras, palavras. Criamos um livro inteiro, depois de pronto, percebemos que não havia muita relação entre texto e imagem. No último instante decidimos mudar a rota e refazer o livro do zero. Foi a melhor escolha que poderíamos ter feito. Como o livro fala de chuva, me inspirei em pintores que usam como tema o céu e a partir disso criei uma estética que unisse carimbos, nuvens e chuvas.

P: Onde você costuma buscar inspirações para seu trabalho? O que considera importante em sua formação de ilustrador?

J: Resumidamente, viagens, leitura e curiosidade de experimentar meios de representações visuais. Em outras palavras, cada trabalho exige um tipo de inspiração diferente. Mas a essência do inspirar é semelhante. Imagino que a amálgama da busca de uma construção de repertório estético de vários povos e culturas associado à leitura e literatura com a vontade de querer representar visualmente as observações que tenho de situações da vida é o grande eixo central das minhas inspirações. Elas não nascem espontaneamente, geralmente o resultado visual é fruto de muita pesquisa e estudo. 

Conheça o ilustrador:

Na maioria das vezes, não tem a menor ideia do que está fazendo. Com frequência, tudo que faz sai conforme não planejado. Mas, faz mesmo assim, só pelo prazer do labor, descoberta, experimentação, inventividade, surpresa e quaisquer outros adjetivos que causem algum efeito na alma.

 

 

 

 

 

 

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