Muitas coisas, poucas palavras - Conteúdo complementar - Editora Peirópolis

Muitas coisas, poucas palavras – Conteúdo complementar

A Editora Peirópolis tem o prazer de apresentar os “Conteúdos Complementares” da nova edição da peça radiofônica Muitas coisas, poucas palavras (A oficina do professor Comênio e a arte de ensinar e aprender).

E foi assim

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

Iniciei a leitura da Didática Magna, de Comênio, como quem vai simplesmente visitar um monumento que marcou a história da educação, mas… Logo ali, na segunda página, a minha leitura sofreu um abalo monumental:

“A proa e a popa da nossa Didática será investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais.”

A partir dessa crítica bem-humorada e desafiante, iniciei um longo mergulho na Didática Magna…

E a minha amizade com o autor chegou a tal ponto que resolvi fazer um convite:

– Professor Comênio, o senhor não gostaria de falar para os pais e os professores de hoje?

Ele respondeu com uma pergunta:

– Mas o que eu vou falar?

Eu respondi usando as suas próprias ideias:

– Você vai falar muitas coisas em poucas palavras. E os pais e os professores não vão apenas ouvir as suas ideias, eles vão ver a sua paixão.

E foi assim que eu comecei a escrever a peça radiofônica Muitas coisas, poucas palavras (A oficina do professor Comênio e a arte de ensinar e aprender).

 

Sugestões para a montagem da peça

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

A peça radiofônica Muitas coisas, poucas palavras é, na verdade verdadeira, uma peça teatral que envolve apenas um ator. Ela pode ser encenada por qualquer pessoa que se sinta encantada com as ideias comenianas…

O próprio Comênio, na cena 5, traz algumas orientações para a caracterização do seu personagem:

“E as palavras do professor são, sempre, palavras simples, sólidas, breves, essenciais.

E a voz do professor é, sempre, uma voz clara e calma. Uma voz que enche de vida cada frase, cada palavra, cada sílaba. Uma voz que convive muito bem com… O silêncio.

E os gestos do professor estão sempre em harmonia com as suas palavras. Os gestos do professor seguem o ritmo de sua voz: gestos claros e calmos.”

E caberá a esse ator o mergulho fascinante no mundo dos ensaios: aquecer o corpo, projetar a voz, memorizar o texto, incorporar o personagem, ocupar os espaços, dominar os objetos de cena e interagir com a plateia imaginária – semente da plateia real.

Nessa peça, Comênio responde várias vezes aos questionamentos de um “ouvinte imaginário” – presente nas cenas 1, 2, 3, 9 e 10. Eu sugiro que esse personagem invisível seja caracterizado de maneira sutil, contrastando levemente com a voz e a gestualidade do protagonista.

Essa peça, entretanto, pode ser montada de outras maneiras. Deixo aqui duas sugestões:

Montagem coletiva: dez atores, um para cada cena. Esse formato agiliza o processo de montagem, mas exige uma grande sintonia do grupo, pois os atores devem ter um traço de personalidade em comum: o professor Comênio.

Leitura dramática: uma leitura em voz alta, expressiva, em que os olhos do leitor buscam frequentemente os olhos da plateia. Esse formato não requer a memorização do texto, mas exige igualmente muitos ensaios. Para ler essa peça na velocidade dos olhos, dedicando-se ao conhecimento superficial do texto, você vai precisar, aproximadamente, de 15 minutos. Mas… Para uma leitura na velocidade da fala dramática, dedicando-se a dar vida ao personagem, você vai precisar, aproximadamente, de 40 minutos.

Esta peça traz muitas marcas de oralidade, como a repetição de palavras, expressões e estruturas de frase. Quando o destinatário do texto é o leitor, não precisamos usar essa técnica, pois você pode, em caso de dúvida ou distração, parar e reler a qualquer momento. Porém, quando o destinatário é o ouvinte, as repetições são essenciais, pois permitem que a plateia tenha tempo e calma para ouvir e elaborar internamente cada reflexão.

Considerando essa característica, sugiro que você leia essa peça teatral em voz alta, falando para as paredes – que são sempre muito atenciosas… No caso de uma leitura silenciosa, procure ler mentalmente em voz alta.

Esta peça, que é um monólogo teatral, pode ser apresentada nos mais diferentes espaços: na sala, no salão, no pátio, no auditório, na praça – e até mesmo no palco, utilizando todos os recursos de som e iluminação.

A ideia central da apresentação está sintetizada no título: Muitas coisas, poucas palavras. Para que os espectadores possam vivenciar as ideias comenianas, proponho que cada cena termine com uma canção e um brinquedo. Você pode usar as dez canções que já fazem parte da peça radiofônica ou escolher outras que estão mais ligadas à sua comunidade – e convide a plateia a cantar. Para os brinquedos, pesquise também o acervo tradicional – e convide algumas pessoas da plateia para brincar.

Ao término de cada cena, o ator pode espalhar os brinquedos de forma que fiquem à vista da plateia. Assim, eles serão incorporados ao próprio conteúdo das reflexões. Por exemplo… No início da cena 5, Comênio anuncia: “O professor prepara o ambiente e coloca à disposição da criança diversos materiais”. Nesse momento, o ator pode estender as mãos na direção dos brinquedos que foram apresentados no final das cenas 1, 2, 3 e 4.

E o mesmo gesto pode ser realizado na última frase da cena 10: “Eu gostaria que a lembrança desta viagem acompanhasse a bandeira das crianças…” E aqui teremos muito mais brinquedos espalhados, o que dará maior concretude à mensagem final: “Muitas coisas, poucas palavras”.

Além de ajudar o público a assimilar melhor as reflexões, que são sempre muito densas, esses intervalos para canções e brinquedos favorecem a interação entre o ator e os espectadores, que são convidados a se colocar no lugar da criança.

A montagem dessa peça, portanto, segue fielmente as orientações do professor Comênio:

“O mundo é a nossa escola. E no grande teatro do mundo, os nossos alunos são, ao mesmo tempo, espectadores e atores.”

Bom espetáculo!

 

O estranho caso da nova edição aumentada

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

Em 2009, quando foi lançada a primeira edição, a peça trazia 4.535 palavras. Em 2013, na nova edição totalmente reescrita e aumentada, a peça traz 3.636 palavras. Resultado: 899 palavras a menos.

– Estranho… Como a edição pode ser considerada “aumentada” se diminuiu o número de palavras?

A resposta é muito simples – sem deixar de ser ainda mais estranha…

A nova edição é bem menor em número de palavras: 20% a menos. Mas… É muito maior em número de ideias: 60% a mais.

Para realizar essa inacreditável proeza, eu apenas segui as orientações do professor Comênio:

– Usar sempre o menor número de palavras possível – e usar sempre palavras simples, sólidas e essenciais.

Como dizia Chesterton: a coisa mais importante do mundo é simplificar.

É o que diz também a sabedoria milenar: É fácil ser difícil, o difícil é ser simples…

A edição de 2009 trazia 40 ideias. A edição de 2023 traz todas as ideias da edição anterior e ainda acrescenta 24 novas ideias.

Por exemplo…

Dei mais dinamismo às falas, reduzindo o número de cenas: de 17 para 10. Assim, cada cena desenvolve uma ideia do início ao fim. Várias reflexões foram deslocadas e reagrupadas, dando mais coesão e clareza às reflexões. É o que aconteceu, por exemplo, com os passos da ensinança, que foram reduzidos de 7 para 5.

A reflexão sobre “o professor que tem paixão por ensinar”, por exemplo, ocupava a cena 5 na versão de 2009. Nesta nova versão, ela ocupa o último capítulo. Esse deslocamento revela a minha mudança de perspectiva, priorizando o aspecto do envolvimento pessoal do professor com o seu ofício. Essa prioridade está presente em Comênio, mas eu não soube compreender naquela época.

 

Ouvir Comênio

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

A peça está dividida em 10 cenas e cada cena termina com uma canção infantil. Sobre a importância dessas canções, vamos recordar o que diz o professor Kulesza:

“Arquitetado como peça radiofônica, o livro combina admiravelmente o convincente discurso de Comênio sobre ensinar e aprender com a magia de canções que evocam nossa infância, ambientando o leitor na genealogia da aprendizagem, em seu espaço e tempo próprios, articulando memória e imaginação.”

(“Comênio: o artesão e o artista”. Wojciech Andrzej Kulesza. Prefácio ao livro “Muitas coisas, poucas palavras”, Editora Peirópolis.)

Em 2009, o áudio da peça tinha a duração de 62 minutos. Em 2023, o áudio tem a duração de 47 minutos. Ou seja: 25% menor.

Seguido as orientações do professor Comênio, as falas reflexivas são sempre breves, brevíssimas: cada fala dura, em média, apenas 3 minutos.

Outras mudanças importantes nesse novo áudio:

  1. As falas do professor Comênio são interpretadas com mais naturalidade e emoção.
  2. Sobre o personagem imaginário… Na versão de 2009, ele chegava a ser irritante e desrespeitoso, o que deixava os ouvintes num papel constrangedor, porque eles se viam representados por uma caricatura. Nessa nova versão, as falas desse personagem imaginário são acolhedoras, realmente empenhadas em querer compreender, mas sem deixar de expor claramente os questionamentos.
  3. A trilha instrumental composta Jonas Tatit.

 

Duas perguntas de adivinhação

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

Comênio afirma logo na introdução do seu livro: Na nossa escola, os alunos vão aprender com alegria – e nós, professores, vamos ensinar com alegria.

Então, imaginei aquele personagem imaginário questionando Comênio:

“- O que significa isso, professor Comênio? O senhor está sonhando?

Por falar em sonho… Isso me fez lembrar de uma pergunta de adivinhação. O que é o que é? Quais as partes do corpo humano que mais trabalham?

As partes do corpo humano que mais trabalham são as nossas… Opiniões. As nossas opiniões…

Vamos fazer um combinado?

Durante alguns minutos, vamos colocar as nossas opiniões para descansar e vamos usar apenas os olhos para ver, os ouvidos para ouvir e a razão para julgar.

Combinado?”

Essa postura é importante para ler qualquer texto. Não se trata de eliminarmos o nosso senso crítico. Trata-se apenas de uma sinceridade intelectual: na primeira leitura, devo me dedicar inteiramente a compreender os fundamentos e as argumentações do autor.

Por exemplo…

Um verdadeiro debate funciona da seguinte maneira:

O debatedor A expõe suas análises – e em seguida, o debatedor B.

Antes de avaliar criticamente as análises do debatedor B, o debatedor A precisa sintetizar as ideias do debatedor B. Quando o debatedor B concordar que suas ideias foral fielmente sintetizadas, aí sim o debatedor A pode iniciar sua avaliação crítica.

E o debatedor B, na sua vez, deve realizar o mesmo percurso.

Em sua “Didática Magna”, Comênio tem como ponto de partida a compreensão sobre a “natureza humana”. Para esclarecer esse conceito, podemos formular outra pergunta de adivinhação:

“- O que é o que é? O que é mais natural para uma pessoa: comer caqui ou compor uma canção que fala sobre o caqui?

Para mim, para você, para todas as pessoas, o mais natural é compor uma canção que fala sobre o caqui. Por quê? Porque comer caqui é o que temos em comum com os animais – os passarinhos, por exemplo, adoram comer caqui. Mas… O que caracteriza a nossa humanidade, o que define a nossa natureza humana, é justamente a infinita criatividade: inventar tecnologias, organizar instituições, escrever livros, compor canções…

E por falar nisso… Vocês conhecem a canção “O tomate e o caqui”, de Estêvão Marques? Então procure no YouTube o Grupo Triii… E você vai aprender a cantar e a brincar com essa canção…”

 

As sementes da Virtude e da Espiritualidade

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

No texto “Didática da Vida”, que serve de apresentação à peça “Muitas coisas, poucas palavras”, falei sobre as três sementes cultivadas pelo professor Comênio: a Inteligência, a Virtude e a Espiritualidade.

Comênio é um crítico da escola que se derrama em palavras vazias e teorias desenraizadas – seja para ensinar ciências ou para semear a Virtude nos corações:

“Quase ninguém ensina a física por meio de demonstrações gráficas e de experiências, mas todos a ensinam lendo o texto de Aristóteles ou de outro autor. Ninguém procura formar os costumes por meio de uma reforma interna das inclinações, mas todos esboçam superficialmente uma reforma moral, por meio de definições e de divisões externas das virtudes.” (“Didática Magna”. Capítulo XVIII, parágrafo 25)

A Virtude e a Fé da pedagogia comeniana podem ser encontradas neste poema em prosa de Gabriela Mistral: “A oração da Mestra”:

“Senhor, tu que ensinaste, perdoa que eu ensine; que leve o nome de Mestra, que pela terra levaste.

Dá-me o amor exclusivo de minha escola; que nem a labareda da beleza seja capaz de roubar-lhe minha ternura de todos os instantes.

Mestre, faze-me duradouro o fervor e passageiro o desencanto. Arranca de mim esse impuro desejo de justiça que ainda me perturba, o protesto que sobe de mim quando me ferem. Não me doa a incompreensão nem me entristeça o olvido dos que ensinei.

Dá-me o ser mais mãe do que as mães, para poder amar e defender como elas o que não é carne de minha carne. Alcance fazer de minhas crianças meu verso perfeito e a deixar nelas gravada minha mais permanente melodia, para quando meus lábios já não cantarem.

Mostra-me possível teu Evangelho em meu tempo, para que não renuncie à batalha de cada hora por ele.

Põe na minha escola democrática o resplendor que pairava sobre a tua assembleia de meninos descalços. (…)

Dá-me simplicidade e profundeza; livra-me de ser complicada e banal em minha lição cotidiana.

Que eu levante os olhos de meu peito ferido ao entrar, cada manhã, na minha escola. Que não leve à minha mesa de trabalho meus pequenos afãs materiais, meus sofrimentos insignificantes. Torna-me leve a mão no castigo e suaviza-a ainda mais na carícia. Repreenda com dor, para saber que corrigi amando.

Permita-me transformar em espírito minha escola de argila. Que a chama do meu entusiasmo envolva seu átrio humilde, sua sala desnuda. Meu coração lhe seja coluna mais forte e minha boa vontade ouro mais puro, do que as colunas e o ouro das escolas ricas.”

(“Poemas escolhidos”. Gabriela Mistral, Traduzidos por Henriqueta Lisboa. São Paulo: Peirópolis, 2022.)

Em seu livro “O segredo da infância”, Montessori escreve este capítulo: “A preparação espiritual do professor”:

“Estaria enganado, no entanto, o professor que imaginasse poder preparar-se para sua missão apenas por meio de alguns conhecimentos e estudos: acima de tudo exigem-se dele determinadas disposições de ordem moral.

O ponto essencial da questão depende de como se deve observar a criança, e do fato de que não podemos nos limitar a um exame exterior, como se tratasse de um conhecimento teórico a respeito do modo de instruir e de educar as crianças.

Insistimos na afirmação de que o professor deve preparar-se interiormente, estudando a si mesmo com metódica constância, para conseguir suprimir os próprios defeitos mais enraizados, que constituem um obstáculo às suas realizações com as crianças. Para descobrir esses defeitos escondidos na consciência, necessitamos de ajuda externa, de uma certa instrução; é indispensável que alguém indique o que devemos ver em nós mesmos.

Nessa ordem de ideias, diremos que o professor deve ser iniciado. Ele se preocupa excessivamente com as “inclinações da criança”, com o modo de “corrigir os erros da criança”, com a “hereditariedade do pecado original”, quando devia começar a estudar os próprios defeitos, as próprias más tendências.” (p. 176)

“Eis uma advertência eficaz: “O pecado mortal que nos domina e nos impede de compreender a criança é a ira”.

E, como um pecado jamais vem sozinho, mas traz outros, à ira se associa um outro pecado, aparentemente nobre, mas na verdade diabólico: o orgulho.” (p. 178).

“A ira é o principal defeito e o orgulho lhe empresta um disfarce sedutor, a toga da dignidade, que chega até mesmo a exigir respeito.” (p. 179)

“O caminho não é difícil, mas fácil e claro: temos diante de nós criaturas como as crianças, incapazes de se defender e de nos compreender, e que aceitam tudo quanto lhes é dito. Não só aceitam as ofensas, mas também se sentem culpadas de tudo quanto as acusamos.” (p. 179)

“Nas suas formas mais simples, a ira é uma reação à resistência da criança, mas diante das obscuras expressões do espírito infantil a ira se funde com o orgulho e juntos constituem um estado complexo, assumindo a forma exata que se designa com o nome de tirania.” (p. 180)

“É necessário que o adulto se convença a manter-se numa posição secundária (…) torna-se necessário que a personalidade prevalente do adulto se faça passiva (…)” (p. 90-91)

Poema de Maria Montessori:

“E ouviu-se na Terra

uma voz trêmula,

que jamais se ouvira; saindo de uma garganta

que jamais havia vibrado.

(…)

E então…, é ele que avança:

e toma sobre si todos os trabalhos:

ferido pela luz e pelo som, afligido até a mais íntima fibra do seu ser,

emitindo o grande grito:

‘Por que me abandonaste?’

E esta é a primeira vez que o homem reflete em si o Cristo que morre, e o Cristo que ascende!” (p. 30-31)

(“O segredo da infância”. Maria Montessori. Campinas: Kírion, 2019. Tradução: Jefferson Bombachim.)

 

Arte da palavra

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

Além da arte de ensinar e aprender, Comênio tem grande habilidade na arte da palavra. A sua arquitetura literária está em harmonia com a sua proposta pedagógica: “o conhecimento deve necessariamente principiar pelos sentidos”. (Capítulo XX: parágrafo 7.I)

Por isso, as ideias se desenvolvem sempre por meio de comparações: semente, planta, flor, árvore, pomar, fruto, jardim, vento, chuva, raios, trovões, sol, relógio, tipografia, navio, canhão, carruagem, penhasco, espelho, martelo, peneira, alavanca, roldana, tesoura, moeda, selo, rede, pescador, jardineiro, arquiteto, pintor, padeiro, cavalo, pássaro, ovo, abelha, aranha, peixe, formiga, corpo humano…

Muitas vezes, as comparações se transformam em pequenas imagens que povoam o tecido literário: “palavras de vento e linguagem de papagaio” (Capítulo XI: parágrafo 10); “sem dúvida que andamos a transportar água com crivo” (Capítulo XVIII: parágrafo 2); “explicado tão claramente, que o tenham presente como os cinco dedos das próprias mãos” (Capítulo XVII: parágrafo 41-II); “seja como um fogo na medula dos vossos ossos” (Capítulo XXXIII: parágrafo 12).

Como diz uma sabedoria antiga: Você consegue desenhar sem falar, mas não consegue falar sem desenhar…

Outras vezes, Comênio assume o papel de um contador de casos: o ovo de Colombo (Capítulo XII: parágrafo 4); Alexandre Magno e seu cavalo (Capítulo XII: parágrafo 21); os preços das aulas do professor Timóteo (Capítulo XXV: parágrafo 23).

Comênio transforma as páginas da Didática Magna num permanente diálogo com um leitor imaginário:

“Se todas estas coisas são verdadeiras, como é que nós ousamos prometer um método de estudos tão universal, tão certo, tão fácil e seguro? Respondo: que estas coisas são absolutamente verdadeiras, mostra-o a experiência; mas que, para estas coisas, há remédios eficacíssimos, mostra-o também a experiência.” (Capítulo XIV: parágrafo 9)

O capítulo XII, por exemplo, é especialmente construído em torno desse jogo de perguntas e respostas.

A didática de Comênio parte da observação da natureza das coisas: o nosso corpo nasce com a vontade de se movimentar, assim como a nossa inteligência nasce com a vontade de aprender. Para expressar essa ideia, ele cria a comparação com os aquedutos:

“Observou-se que a água tende a nivelar-se, mesmo em dois vasos comunicantes tão afastados um do outro lugar quanto se queira. Experimentou-se então fazer aquedutos com canos, e viu-se que a água, seja de que profundidade for, sobe a qualquer altura, desde que desça de um lado tanto como sobe do outro. Este fato é artificial, mas é também natural, pois, que aconteça desta ou daquela maneira, deve-se à arte, mas que aconteça deve-se à natureza.” (Capítulo XIV, parágrafo 5)

Em seguida, cria a comparação com o relógio:

“Observou-se o firmamento e verificou-se que havia um movimento perpétuo e que as várias revoluções dos astros produziam a variedade das estações que convêm ao nosso universo. Em consequência disso, à sua imitação, inventou-se um instrumento capaz de reproduzir exatamente o movimento rotatório diário do firmamento e de medir as horas. E esse instrumento é composto de pequenas rodas, não somente para que uma seja arrastada pela outra, mas também para que o movimento possa continuar indefinidamente. Mas foi necessário compor este instrumento de peças móveis e de peças imóveis, precisamente como o mundo.

Na verdade, no nosso instrumento, no lugar da terra, primeiro corpo fixo do mundo, são postas bases imóveis, colunas, guarnições, e no lugar das esferas móveis, do céu, as várias rodinhas. Mas como não se podia dar a uma roda a tarefa de girar sobre si mesma e de fazer girar, juntamente consigo, as outras (como o Criador deu aos astros a força de se moverem a si mesmos e de fazerem mover outros, juntamente consigo), foi necessário tomar emprestada da natureza a força geradora do movimento, ou seja, o movimento gerado ou pela gravidade ou pela liberdade. Com efeito, ou se prende um peso ao eixo cilíndrico da roda mestra e, enquanto o peso puxa para baixo, o eixo cilíndrico gira e faz girar a sua roda, e esta faz girar, juntamente consigo, outras, e assim sucessivamente; ou se faz uma longa mola de aço que, constrangida a volver em redor de um eixo cilíndrico, enquanto se esforça por regressar à liberdade e por se estender, faz girar o eixo cilíndrico e a sua roda. E para que o movimento do relógio não seja excessivamente rápido, mas lento como o do céu, encaixam-se outras rodinhas de modo que a última, aquela que, movida apenas por dois dentinhos, vai para a frente e para trás e faz tic-tac, tic-tac, representa o revezar-se da luz, que vai e vem, ou seja, o revezar-se dos dias e das noites. Àquela parte, porém, que deve dar o sinal da hora, ou do quarto de hora, ligam-se aparelhos, feitos segundo as regras da arte, que servem para aumentar ou diminuir o movimento, consoante a necessidade, precisamente do mesmo modo que a natureza, mediante o movimento das esferas celestes, faz surgir ou desaparecer o inverno, a primavera, o verão e o outono, cada um deles dividido em meses.” (Capítulo XIV, parágrafo 6)  

Inspirado por essa comparação, criei a seguinte história:

 

O presente

Heitor, o inventor, inventou um drama nada original: o inventor Heitor amava a bela Estela, mas Estela, a bela, não amava Heitor, o inventor.

Melodramático, Heitor contemplava a natureza: o espetáculo de uma noite estrelada.

Observando apaixonadamente o movimento dos astros no firmamento, Heitor imaginou, finalmente, uma invenção original: o relógio, um aparelho dedicado a medir o tempo, o tempo todo. Essa máquina, complexa e delicadíssima, traria em seu coração uma roda dentada, a roda-mestra, que giraria incessantemente sobre o seu próprio eixo e ainda faria girar outras rodas dentadas.

De repente, uma estrela cadente, que ouvia tudo atentamente, riscou no céu uma pergunta surpreendente:

– Ora, ora, senhor Heitor! Aqui, no firmamento, nós, os astros, nos movimentamos, perpetuamente, a partir de uma energia própria. Onde o senhor pretende buscar essa infinita energia capaz de oferecer o mesmo movimento perpétuo à roda-mestra, à grande roda dentada? Onde? Como?

O inventor Heitor, atingido por essa celestial pergunta, desabou em si, silenciosamente… E já estava caindo de sono, quando, de repente… A corda!

O que fez o nosso inventor?

Numa ponta da corda amarrou um peso. Amarrou a outra ponta no eixo da roda-mestra – e enrolou a corda neste eixo.

O que aconteceu?

O peso, naturalmente, pesou. A corda, naturalmente, desenrolou. E a roda-mestra, naturalmente, girou. E fez girar as outras rodas dentadas – naturalmente…

Assim, o relógio, máquina complexa e delicadíssima, funcionou, na verdade verdadeira, a partir de um simples impulso da natureza: a força da gravidade.

Podemos comparar esse relógio com a arte de ensinar…

A educação da criança, arte complexa e delicadíssima, funciona, na verdade verdadeira, a partir de um simples impulso da natureza: o desejo de aprender.

Dizem que Heitor, o inventor, construiu o primeiro relógio e deu de presente para Estela, a bela.

Não! Não me digam que vocês estão pensando isso que eu estou pensando que vocês estão pensando?

Dizem que Heitor e Estela viveram felizes cada hora de suas vidas – só interrompiam a felicidade para dar corda ao relógio…

 

Comênio na biblioteca do castelo

 

“Continuando sua vida de refugiado, sempre a serviço de sua gente, Comenius intensifica seus estudos religiosos, cujo resultado será um manual bíblico para uso da Unidade, o Encheridion biblicus, até que, em 1627, um acontecimento fortuito desperta novamente sua veia pedagógica. Estando abrigado nas terras do barão Sádovský com outros pastores evangélicos, foi consultado por um deles, Jan Stadius, preceptor dos três filhos do barão, sobre a melhor maneira de educá-los. Debruçando-se sobre o problema, numa visita à biblioteca do vizinho castelo de Wilclitz, casualmente se depara com a Didactica de Elias Bodin, publicada em 1621. Sua leitura o estimula a elaborar uma obra semelhante em checo, resolvendo assim o problema de Stadius, ideia imediatamente incentivada pelos outros pastores. Quatro anos depois esta ideia estaria cristalizada na chamada Didática checa, versão preliminar da Didática magna.”

(“Comenius: a persistência da utopia em educação”. Wojciech Andrzej Kulesza. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. Página 34.)

Os autores da antiguidade mais citados na “Didática Magna”: Quintiliano (30 d.C. – 100 d.C.); Sêneca (4 a.C. – 65 d. C.); Platão (428 a.C. – 348 d.C.); Cícero (106 a. C. – 43 a. C.); e Plutarco (46 d.C. – 120 d.C.).

Duas citações de Sêneca que estão em profunda sintonia com as ideias comenianas:

“Costumamos dizer que não estava em nosso poder escolher nossos pais, são nos dados pelo acaso; no entanto, é permitido a nós nascer por nossa própria escolha. Existem famílias dos engenhos mais nobres: escolha em qual delas você deseja ser recebido; receberá não apenas o nome, mas também os próprios bens, que não devem ser vigiados de modo sórdido e mesquinho: se tornarão maiores quanto mais você os compartilhar.”

(“Sobre a brevidade da vida”. Sêneca. XV, 3)

“Não temos pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o suficiente e nos foi dada generosamente para a realização das mais altas empreitadas, se toda ela for bem empregada.”

(“Sobre a brevidade da vida”. Sêneca. Tradução, introdução e notas: Artur Costrino. Edição em latim e português. São Paulo: Edipro, 2020. I, 3.)

Comênio estudou as obras de autores contemporâneos que abordavam a arte de ensinar: Ratke (1571 – 1635), Eilhardus Lubinus (1565 – 1621), Christoph Helwig (1581 – 1617), Stephanus Ritter ( ? ), Elias Bodin ( ? ), Philipp Glaum ( ? ), Ezechiel Vogel ( ? ), Jacob Wolffstrin ( ? ) e Johann Valentin Andreae (1586-1654).

Depois de estudar essas obras, Comênio escreveu para alguns desses autores. Somente Andreae respondeu com entusiasmo, a ponto de prefaciar a obra.

 

A alegria de aprender

 

“A inteligência só pode ser conduzida pelo desejo. Para que haja desejo é preciso que haja prazer e alegria. A inteligência só cresce e carrega frutos quando há alegria. A alegria de aprender é tão indispensável aos estudos quanto a respiração aos atletas. Ali onde ela estiver ausente não haverá estudantes, mas pobres caricaturas de aprendizes que, ao final do seu aprendizado, não terão nem mesmo uma profissão.”

(“Espera de Deus: cartas escritas de 19 de janeiro a 26 de maio de 1942”. Simone Weill (1909 – 1943). Petrópolis, RJ: Vozes, 2019. p. 76)

“Se o humor só servisse para se aproveitar o momento em que ele surge, motivar um sorriso efêmero, provocar uma surpresa ou quebrar a rotina com uma gargalhada, já valeria a pena.”

(Ángel Idígoras. Citado por Xus Martín na apertura do seu artigo “O senso de humor no trabalho com adolescentes com problemas de adaptação”. ”. Humor e alegria na educação. Valéria Amorim Arantes (organizadora). São Paulo: Summus, 2006.)

“Os filósofos que especularam sobre o significado da vida e sobre o destino do homem não enfatizaram suficientemente que a natureza, por si, nos dá essas respostas. Ela nos oferece um sinal preciso de que nosso destino está se realizando. Esse sinal é a alegria. Falo da alegria, não do prazer. O prazer não é mais do que um artifício imaginado pela natureza para obter dos seres vivos a conservação da vida; não indica sua direção. A alegria, porém, anuncia sempre que a vida triunfou, que ganhou terreno, que conseguiu uma vitória: toda grande alegria tem um tom triunfal.”

(Henri Bergson, L’énergie spirituelle. Citado por Valéria Amorim Arantes na apresentação do livro Humor e alegria na educação. Valéria Amorim Arantes (organizadora). São Paulo: Summus, 2006.)

“Em outro lugar da Suma teológica, no tratado sobre as paixões, Tomás – jogando com as palavras – analisa um interessante efeito da alegria e do prazer (delectatio) na atividade humana: o efeito que ele chama metaforicamente de dilatação (dilatatio), que amplia a capacidade de aprender tanto em sua dimensão intelectual quanto na da vontade (o que designaríamos hoje por motivação). Delectatio, dilatatio, a deleitação produz uma dilatação essencial para a aprendizagem. E, reciprocamente, a tristeza e o fastio produzem um estreitamento, um bloqueio, ou, para usar a metáfora de Tomás, um peso (aggravatio animi), também para a aprendizagem (III, 37, 2 ad 2).”

(Jean Lauand. “Deus ludens – O lúdico na pedagogia medieval e no pensamento de Tomás de Aquino”. Humor e alegria na educação. Valéria Amorim Arantes (organizadora). São Paulo: Summus, 2006. P. 49.)

 

Aprender a evitar o erro

 

“A segunda condição é forçar-se rigorosamente a olhar de frente, a contemplar com atenção, durante longo tempo, cada exercício escolar que deu errado, em toda sua feiura e mediocridade, sem buscar nenhuma desculpa, sem negligenciar nenhuma falta nem nenhuma correção do professor, tentando voltar à origem de cada erro. (…)

Sobretudo a virtude da humildade, tesouro infinitamente mais precioso do que todo progresso escolar, pode ser conquistado dessa maneira.”

(“Espera de Deus: cartas escritas de 19 de janeiro a 26 de maio de 1942”. Simone Weill. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019. p. 76)

Errar é humano – tudo bem… Mas não podemos considerar o erro um caminho natural. O erro deve ser evitado, por isso devemos estar vigilantes:

“Preparar-se antes de experimentar, aperfeiçoar-se antes de prosseguir é uma concepção educativa. Prosseguir, corrigindo seus próprios erros, leva à ousadia de prosseguir imperfeitamente as realizações de que ainda é incapaz, e sufoca a sensibilidade face ao próprio erro.”

(Maria Montessori. A descoberta da criança. p. 224.)

E assim, diante do tema que nós estamos estudando, o aluno aprende a fazer fazendo e aprende também uma lição essencial: o aluno aprende a evitar o erro.

Confúcio: “A humildade é a única base sólida de todas as virtudes. Não corrigir nossas falhas é o mesmo que cometer novos erros.”

 

Currículo em espiral

 

Com os Cinco Passos da Ensinança, as ideias de Comênio vão ganhando concretude, como um quebra-cabeça que vai sendo montado. Os cinco passos partem do simples para o complexo, do próximo para o distante e apontam para os temas do currículo – o “tema que nós vamos estudar”.

“Comenius identifica uma ordem na aquisição de conhecimentos, de modo que deve se dispor ‘todos os estudos de tal maneira que os seguintes se baseiem sempre nos precedentes’. (…)

Podemos vislumbrar nestas ideias de Comenius a moderna concepção de currículo em espiral, no qual se atinge sempre um estágio superior de conhecimento, conforme se estudam as mesmas coisas em níveis crescentes de complexidade.”

(“Comenius: a persistência da utopia em educação”. Wojciech Andrzej Kulesza. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. Página 112.)

“Há aqui ecos de Santo Agostinho, notadamente quando ele afirma no De magistro, que ‘o saber não passa do mestre ao discípulo como se este aprendesse o que antes ignorava; a verdade está presente por igual tanto na alma do discípulo como na do mestre’, ou quando diz no De catechizandis rudibus que ‘os que escutam quase que falam em nós, já que de certo modo, nós aprendemos neles o que lhe ensinamos’. Essa concepção da educação como comunicação, anunciada já na “Saudação aos leitores” da Didática Magna – ‘não há para mim diferença alguma entre ensinar e ser ensinado’ – torna Comenius um dos precursores da chamada ‘educação dialógica’ que, embora reconheça a diversidade entre professor e aluno, nivela-os frente à complexidade do objeto de conhecimento.”

(Comenius: a persistência da utopia em educação. Wojciech Andrzej Kulesza. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. P. 112-113.)

Por trás do “tema que nós vamos estudar” está o currículo, que é a segunda roda da bicicleta pedagógica de Comênio… A primeira roda é construída com as respostas a estas duas perguntas: “Como a criança aprende?” e “Como ensinar?”.

Mas…

O currículo deve ser composto com palavras comenianas: simples, sólidas, breves, essenciais. O currículo deve apresentar os temas graduados entre os diversos anos, e dentro de cada ano, uma graduação específica. Ao seguir um currículo, o professor tem pleno domínio de seu conteúdo e de suas aplicabilidades – o que faz com que o professor seja capaz de relacionar “o tema que nós estamos estudando com o cotidiano da criança” – como veremos na Cena 6.

Na “Didática Magna”, a questão do Currículo aparece mais explicitamente no capítulo XVI:

“Torna-se, portanto, evidente que não pode chegar-se a qualquer resultado válido, se os professores, no decurso do seu ensino e no decurso dos estudos dos seus alunos, não distribuem as matérias, não somente de maneira que a uma se suceda sempre outra, mas também de maneira que cada uma seja necessariamente estudada dentro dos limites fixados, pois, se se não estabelecem as metas e os meios para atingir as metas e a ordem para aplicar os meios, facilmente alguma coisa fica para trás, facilmente alguma coisa se inverte, facilmente nasce a confusão e a desordem.” Capítulo XVI: parágrafo 49

“Daqui para o futuro, portanto:

  1. Distribua-se cuidadosamente a totalidade dos estudos em classes, de modo que os primeiros abram e iluminem o caminho aos segundos, e assim sucessivamente.
  2. Distribua-se meticulosamente o tempo, de modo que a cada ano, mês, dia e hora seja atribuída a sua tarefa especial.
  3. Observe-se estritamente esse horário e essa distribuição das matérias escolares, de modo que nada seja deixado para trás e nada seja invertido na sua ordem.” Capítulo XVI: parágrafo 49

 

Como valorizar as perguntas dos alunos

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

O professor deve ser insistentemente criativo na valorização das perguntas dos alunos.

– A sua pergunta me ajuda não só a ajudar você, mas me ajuda a ajudar muitos outros alunos. Por quê? Porque eu vou ensinar cada vez melhor a outros alunos. Portanto, quando você me pergunta, você está sendo solidário com outras pessoas, mesmo sem conhecer essas pessoas.

Diante de determinadas perguntas, o professor pode responder:

– Eu tenho dúvidas sobre isso. Não vou responder para você sem ter certeza. Vou pesquisar e amanhã eu respondo.

Ou:

– Eu preciso pensar sobre isso. Vou refletir e daqui a pouco eu  respondo.

E depois o professor procura o aluno para dar a sua resposta, caso a pergunta tenha sido feita reservadamente. Ou responde para toda a turma, ressaltando o autor da pergunta, caso a pergunta tenha sido feita publicamente.

Caso a pergunta tenha sido feita em particular, o professor pode perguntar para o aluno se ele permite expor essa pergunta para toda a turma. Neste caso, o professor colhe as respostas dos alunos e complementa com a sua resposta.

Para valorizar as perguntas de maneira concreta, o professor não se esquece jamais de fazer referências às perguntas e aos autores das perguntas, mesmo quando está dando aula em outra turma:

– Vocês se lembram quando a Daniela fez a pergunta “por que algumas palavras rimam”? Ela fez essa pergunta, porque observou uma coisa muito importante: o som das palavras. Então, com essa pergunta, a Daniela chamou a nossa atenção para…

Essa valorização da pergunta se revela na própria peça radiofônica. Comênio desenvolve as suas ideias a partir das questões levantadas pelo personagem imaginário…

Valorizar as perguntas de maneira concreta, coerente e permanente – essa é a melhor maneira de combater a conhecida zombaria da turma em relação ao aluno que faz perguntas. Muitas vezes essa zombaria se transforma em violência: no recreio ou no final da aula esse aluno é agredido, porque “fica querendo aparecer” ou “acaba dando ideia para o professor fazer perguntas difíceis na prova”. E o mesmo acontece com o aluno que responde às perguntas do professor…

“Professor Comênio, por que a gente corre com os braços dobrados?” A partir dessa pergunta, o professor pode propor:

– Vamos experimentar correr com os braços estendidos e com os braços dobrados? O que vocês perceberam? O que é melhor? Então, por que corremos com os braços dobrados?

Depois das investigações corporais e das hipóteses dos alunos, o professor pode apresentar a experiência do pêndulo…

 

Disciplina e movimento

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

A “Didática Magna” tem 102.893 palavras. O Capítulo XXVI, intitulado “Da disciplina escolar”, o único dedicado ao tema da “disciplina”, tem 2.042 palavras – ou seja, ocupa 1,98 % da obra.

Esta peça teatral tem 3.636 palavras. A Cena 9, intitulada “O rio”, a única dedicada ao tema da “disciplina”, tem 629 palavras – ou seja, ocupa 17,29% da peça. Portanto, o tema da “disciplina” mereceu quase dez vezes mais atenção do que em 1657, quando Comênio publicou a sua “Didática Magna”.

Por que essa diferença tão gritante?

A resposta está na cena 1:

“E é justamente desse livro que eu escolhi para vocês, pais e professores, algumas palavras simples e breves.”

Comênio está falando para os pais e os professores de hoje.

Na sua época, a concepção de “disciplina” transformou a autoridade em autoritarismo: ausência de diálogo, humilhação, medo e violência corporal. Comênio simplesmente eliminou tudo isso.

Atualmente, o “autoritarismo” se revela na “ausência de autoridade” – que é a sua face mais sutil e sedutora. Por isso, precisamos de mais esforço para “separar o joio do trigo”…

“Autoritarismo” não é uma autoridade exagerada, é o oposto de “autoridade”. A “autoridade” se fundamenta na “autoria” e não na anulação do outro. A verdadeira disciplina está ligada ao movimento, à atividade, e não à passividade.

E é por isso que utilizamos, relativamente, dez vezes mais palavras do que o professor Comênio: desmontar essa armadilha é uma tarefa bem mais complexa…

A ausência de autoridade gera o caos – e o caos é a forma mais perversa de autoritarismo.

No capítulo “O rio”, todas as reflexões de 2009 sobre a Disciplina estão presentes, mas ganharam uma nova perspectiva, e outras reflexões entraram no jogo…

Estudando novamente Comênio, encontrei uma ideia que fui incapaz de perceber em 2009: a principal fonte da Disciplina está nos Cinco Passos da Ensinança. Como eu deixei escapar essa ideia gigantesca? Isso muda tudo! E é por isso que essa ideia abre a Cena 9.

A imagem da Disciplina como um rio não estava presente na versão anterior. E essa imagem é muito esclarecedora: relaciona a Disciplina com movimento e jamais com passividade – e essa é a ideia central de Comênio.

Quanto mais movimento, mais disciplina. Basta olhar ao redor para comprovar essa íntima articulação. Vamos observar, por exemplo, uma partida de futebol… Numa partida, a liberdade de movimento dos jogadores é infinita. Mas para isso acontecer, cada jogador deve obedecer às características de sua posição no time: ataque, defesa, lateral etc. E cada jogador deve obedecer às táticas desenvolvidas nos treinos. Uma vez obedecidos esses limites fundamentais, a criatividade do time não tem limite.

Ao tratar da relação delicadíssima entre Severidade de Afeto,   Santo Agostinho faz um alerta essencial:

– Não seja tão compreensivo com as más atitudes a ponto de parecer que você está aprovando as más atitudes. Mas não seja tão indiferente a ponto de parecer que aquilo não mereça uma correção. E também não seja tão condenatório a ponto de parecer que a correção é um insulto.

(“No seáis, pues, tan  benévolos con los malos que les deis aprobación; ni tan negligentes que no los corrijais; ni tan soberbios que vuestras corrección sea um insulto.”

Santo Agostinho. Sermão 88. Citado por Gregorio Luri em seu livro “La escuela no es un parque de atracciones – Una defesa del conocimiento poderoso.” Editorial Ariel. Espanha.)]

No livro “A arte de aproveitar as próprias faltas”, de Joseph Tissot, encontramos esta citação de São Francisco de Sales, em que ele aplica a relação entre Severidade e Afeto ao combate espiritual que se dá dentro de cada um de nós:

“Assim como um juiz castiga muito melhor os delinquentes quando profere as suas sentenças desapaixonada e serenamente, porque de outro modo não castiga os crimes pelo que eles são, mas pelo que ele [ o juiz ] é, do mesmo modo nós nos castigamos muito melhor a nós mesmos por meio de um arrependimento tranquilo e constante do que por uma dor amarga, impetuosa e colérica, que não será proporcionada às nossas faltas, mas às nossas inclinações…”

(“A arte de aproveitar as próprias faltas”. Joseph Tissot. Editora Quadrante. São Paulo. 2003. p. 33)

Um lugar bonito e agradável não é um lugar de riqueza material, é um lugar harmonioso – portanto, convida à disciplina.

 

A linha, a mochila, a lagoa e o riacho

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

Lembro-me de um mural no corredor de uma escola… Era o final do ano de 1999. Dezenas de mensagens para o ano 2000. No cantinho, uma frase de criança: “Eu queria que o mundo fosse calmo”.

A criança gosta dos pais e gosta do que os pais gostam. Elas querem crescer – o trabalho da criança é crescer, como diz Montessori. Se os pais gostam de som alto e agitação, a criança vai gostar também. Se os pais vivem no celular, a criança vai gostar disso também. A criança vê nas atitudes e nos comportamentos dos pais a senha para crescer. Mas por baixo dessas camadas adquiridas nesse mundo agitado, é no ambiente calmo que a criança descobre a vida e se revela com suas investigações e talentos, como observa Lubienska.

Filhos de professores gostam de livros. Filhos de músicos gostam de instrumentos musicais. O poder de atração não está no livro ou no instrumento musical – está no educador, no formador.

Comênio inclui na arte de ensinar a questão da relação entre os professores: um aprender com o outro, um ensinar para o outro, trocar as experiências positivas e negativas, um perguntar para o outro. E também a relação entre professores e pais, professores e comunidade.

O professor não pode se sentir envergonhado em perguntar para o outro professor: “Como você está trabalhando esse tema?” E o professor que está recebendo a pergunta não pode se sentir “invadido”.

Da mesma maneira, um professor não deve se sentir envergonhado de contar para outro professor, ou para o grupo de professores, como ele está desenvolvendo aquele tema com grande participação da turma. E o professor, ou o grupo, que está recebendo o relato não deve ver o outro professor como um “exibido”.

Mas… Para que isso aconteça, é preciso que a escola construa esse ambiente acolhedor, solidário, tendo em vista o bem daquele que é o mais importante: o aluno.

A relação entre presente e passado, a relação entre educação e tradição, pode ser comparada com a pipa, o papagaio, a pandorga… A pipa voa no céu com liberdade, criatividade e desenvoltura, porque ela está presa a uma linha que desce até as mãos de uma criança, que está com os pés na terra.

Em algumas culturas, a ideia de futuro é algo que está atrás, como uma mochila que eu carrego nas costas, porque o futuro é algo que está incompleto… E a ideia de passado é algo que está à frente, como uma mochila que carrego junto ao peito, porque o passado pode ser visto por inteiro… Por isso, o passado é um grande Mestre…

O empenho do professor em se aprofundar no conhecimento de suas disciplinas… Esse empenho pode ser comparado com a imagem da pedrinha que cai na lagoa – quanto mais funda for a lagoa, mais distantes caminharão os círculos concêntricos que se formam na superfície…

Os professores que perdem a ligação entre o conhecimento e o cotidiano da criança, da família e da comunidade… Esse desligamento pode ser comparado com a cena de uma pessoa que se perdeu numa região árida, seca, desértica, e depois de horas de caminhada  encontrou um pequenino riacho de águas maravilhosamente límpidas… Um riacho capaz não apenas de aplacar a sua sede, mas de restituir a sua esperança de viver… Mas… Essa pessoa se recusou a beber aquele estranho líquido… Por quê? Porque essa pessoa só compreendia a existência da água quando associada à torneira…  

 

Jardineiros e Jardins

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

O “equilíbrio delicadíssimo entre severidade e afeto” pode ser representado por esta fábula…

 

Jardineiros e Jardins

O jardineiro Jardel observa o seu jardim: algumas plantas sufocando as plantas menores; outras plantas roubando o espaço das plantas mais vagarosas; aquelas plantas desengonçadas, espalhafatosas…

Conclusão: o jardim de Jardel era um verdadeiro matagal.

Numa bela manhã de chuva, o jardineiro Jardel ouviu a seguinte notícia pelo rádio:

— Você sabia que o Jardineiro Jasmim cuida de jardins há oitenta anos? Se você deseja alguma orientação, não se desoriente. Procure o jardineiro Jasmim na Rua da Surpresa, pertinho da Praça da Descoberta.

 Ainda naquela bela manhã, o jardineiro Jardel foi visitar o jardim de Jasmim. Foi chegando e logo se admirando:

— O que significa isto? Então eu ouço falar de um experiente jardineiro e, chego aqui, o senhor está tratando as plantas com uma tesoura?

O jardineiro Jasmim não se admirou com a admiração do visitante:

— Muitas vezes, meu amigo, as plantas lançam tantos galhinhos pra lá e pra cá, tantos raminhos pra cá e pra lá, que acabam perdendo a força para crescer. Quando isso acontece, vou com a minha tesoura e corto, com muito carinho, os galhos e ramos que estão sobrando.

— Ah… Estou entendendo.

— Muitas vezes, meu amigo, as plantas crescem tanto, de maneira tão exagerada, que acabam roubando o sol e a terra das outras plantas. Quando isso acontece, vou com a minha tesoura e corto, com muito carinho, o exagero das plantas.

O jardineiro Jardel agradeceu as orientações, deu um beijo na testa do jardineiro Jasmim e foi embora repleto de sabedoria.

Seis meses depois…

Seis meses depois, o jardim de Jardel, que era um verdadeiro matagal, virou um verdadeiro deserto.

 

Olhos de ouvinte

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

Para Edmir Perroti

 

Certa vez, uma professora revelou o seguinte segredo…

Da minha época de escola? Hum…

A grande lembrança da minha época de escola são os olhos da minha professora quando lia uma história para a turma.

Os seus olhos transitavam das páginas do livro para a turma, da turma para as páginas do livro, num passeio suave, quase um bailado. Do livro para a turma, da turma para o livro, sem que a leitura sofresse qualquer tropeço. Suave bailado: das páginas do livro para a turma, da turma para as páginas do livro.

E eu torcia para que os seus olhos de leitora esbarrassem nos meus olhos de ouvinte – e eles sempre se esbarravam, e até demoravam uns nos outros.

Cheguei a imaginar, na minha imaginação de menina, que a história também estava escrita nos nossos olhos. Era como se a história estivesse sendo lida, alternadamente, no livro e nos ouvintes.

Cheguei a imaginar, na minha imaginação de menina, que as páginas do livro eram os ouvintes da história que a professora lia nos nossos olhos. Isso mesmo: o livro era o ouvinte da história que a professora lia na gente. Nós éramos os livros, obras vivas, vivíssimas!

O tempo, bem… O tempo foi passando, passando…

Aqueles sentimentos provocados pela professora-leitora me ligaram eternamente à palavra escrita, e me fizeram trazer a leitura para esse território íntimo de nossas vidas, onde só circula o que é essencial.

 

Folhas secas

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

A “arte de ensinar e aprender” envolve a “arte de unir os imprevistos aos improvisos”… Pensando nisso, escrevi esta história…

*****

Eu estava dando uma aula de matemática e todos os alunos acompanhavam atentamente.

Todos?

Quase. Carolina equilibrava o apontador na régua. Lucas recolhia as borrachas dos vizinhos e construía um prédio. Renata conferia as canetas e os lápis do seu estojo vermelhíssimo. E Hélder olhava para o pátio.

O pátio? O que acontecia no pátio?

Depois do recreio, Dona Natália varria calmamente as folhas secas e guardava tudo dentro de um enorme saco plástico azul. Terminado o varre-varre, Dona Natália amarrou a boca do saco gigante e estacionou aquele murundum de folhas secas perto do portão.

Hélder observava atentamente. E eu observando a observação de Hélder – e sem descuidar da minha aula de matemática.

De repente, de rompante, nesse instante de puf-puf, Hélder foi arregalando os olhos e franzindo a testa.

Qual o motivo do espanto?

Hélder percebeu, no meio das folhas, alguma coisa se movimentando desesperadamente, com aflição, sufoco, falta de ar. Hélder buscava interpretações para a cena, analisava diversas possibilidades, quando, de repente, o contorno do passarinho se delineou na transparência azul do plástico. Isso! Um filhote de pássaro caiu do ninho e foi confundido com as folhas secas e foi varrido e agora luta pela liberdade.

– Ele está preso!

O grito de Hélder interrompeu a multiplicação de 12 por 153. Todos os alunos olharam para o pátio. E todos nós concordamos, sem palavras: o bico do passarinho tentava romper aquela estranha pele azul.

Hélder saiu da sala e nós fomos atrás. E antes que eu pudesse pronunciar a segunda sílaba da palavra “calma”, o saco plástico simplesmente explodiu, as folhas secas voaram e as crianças pularam de alegria.

Alguns alunos dizem que havia dois passarinhos presos. Outros alunos viram três passarinhos voando felizes e agradecidos. Lucas afirma que era um beija-flor. Renata insiste que era uma cigarra. Eu, sinceramente, só vi folhas secas voando.

E para concluir a aula de matemática, pegamos vassouras, pás e sacos plásticos, e fomos varrer o pátio.

 

O Tucano e o Pavão

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

Para Comênio, o professor deve ajudar a criança a descobrir os seus talentos.” O professor “ajuda”, não “impõe”… Na escola comeniana, a criança aprende a descobrir a própria fonte da inteligência:

“Até aqui, as escolas não se têm proposto realmente como objetivo habituar os espíritos a irem buscar o vigor às próprias raízes, como fazem as árvores, mas têm-lhes ensinado apenas a munirem-se de pequenos ramos arrancados de outro lugar, e, assim, a enfeitarem-se com as penas dos outros, como o corvo de Esopo; e têm-se esforçado, não tanto por cavar a fonte da inteligência neles escondida, como por irrigá-la com águas alheias.” (Didática Magna. Capítulo XVIII: parágrafo 23)

Para expressar essa ideia, Comênio faz referência a uma famosa fábula. Eu recriei essa história e gostaria de contar para você. Quer ouvir? Então, é só clicar aqui.

 

E segue aqui o texto exatamente como foi narrado:

 

O TUCANO E O PAVÃO

 

O Tucano queria participar da festa do Pavão. Estava ali matutando, batucando: “Bico, bico, siribico, quem te deu tamanho bico?” E vocês bem sabem que nessa terra em se batucando tudo dá.

Oba bá oba ô.

Baila que beleza, que baila tambor.

Baila que baila, baila tambor.

Baila que beleza, que baila tambor.

De repente, de rompante, nesse instante de puf-puf, o Tucano encontrou uma pena de Pavão. Una, duna, tena, catena, rabo de pena. Não! Não me digam? que vocês estão pensando isso que eu estou pensando que vocês estão pensando.

Assim, espetadíssimo, o Tucano desabou na polvorosa festa dos pavões. Junto com ele, desabou… O silêncio.

Os pavões, aparvalhados, arrodearam:

– A pena é de Pavão.

– Mas esse bico…

– Aí tem confusão.

– Se isso não é Tucano…

– Também não é Pavão.

O Tucano, claro, claríssimo, do jeito que chegou, saiu, zarpou, zuniu – “rapido como um relampago”.

E o Tucano, finalmente, felizmente, desabou na polvorosa festa dos tucanos. Junto com ele, desabou… O silêncio.

Os tucanos, encasquetados, arrodearam:

– O bico é de Tucano.

– Mas essa pena…

– Deve ser um engano.

– Se isso não é Pavão…

– Também não é Tucano.

O Tucano, claro, claríssimo, do jeito que chegou, saiu, zarpou, zuniu – “rapido como um relampago”.

O Tucano, desapontado, estupefato, não conseguia entender o que estava acontecendo…

Então, para refrescar o entendimento, o Tucano entrou na lagoa do Mundaú e caminhou, cabisbaixo, para as regiões tenebrosas das águas profundas…

De repente, de rompante, nesse instante de puf-puf, o Tucano encontrou, no espelho das águas, a sua imagem ridícula, espetadíssima. Una, duna, tena, catena, rabo de pena. Ah… O Tucano quase morreu de tanto rir – ainda bem que os sapinhos vieram acudir.

Livre da pena de Pavão, o Tucano tornou a desabar na polvorosa festa dos tucanos. Junto com ele, desabou… A música! “Bico, bico, siribico, quem te deu tamanho bico?” E vocês bem sabem que nessa terra em se batucando tudo dá.

Oba bá oba ô.

Baila que beleza, que baila tambor.

Baila que baila, baila tambor.

Baila que beleza, que baila tambor.

 

((( “O Tucano e o Pavão” é uma recriação recreativa de uma fábula de Esopo. Uma história escrita por Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos e narrada por Chico Francisco dos Bonecos Marques. E a canção “Tamborêsé de autoria de Estêvão Marques.)))

Oba bá oba ô….

((( A história “O Tucano e o Pavão” foi gravada e mixada por Jonas Tatit no Estúdio Pratápolis.)))

“Bico, bico, siribico, quem te deu tamanho bico?” E vocês bem sabem que nessa terra em se batucando tudo dá.

Oba bá oba ô….

 

*****

Essa história é inspirada nesta fábula:

 

O gaio e as outras aves

 

Zeus, querendo instituir um rei das aves, determinou uma data em que todos deveriam comparecer à sua presença, a fim de ele escolher a mais bela de todas para reinar sobre elas. Então as aves foram para a beira do rio para aí se banharem. Ora, o gaio, que tinha noção da sua feiura, foi também lá, onde apanhou as penas caídas das aves e, fixando-as em si, enfeitou-se com elas. Disso resultou que ele se tornou a mais bela entre todas as aves. Entretanto, o dia aprazado chegou, e todas as aves se apresentaram perante Zeus. O gaio, com seus enfeites coloridos, também compareceu. E Zeus estava prestes a estender a mão concedendo-lhe o voto que o elegeria rei, graças à sua bela aparência, quando as outras aves, fortemente indignadas, cada uma delas lhes arrancou a pena que lhe pertencera. E assim aconteceu que o gaio, desnudado, tornou-se novamente apenas um gaio.

 

(As fábulas de Esopo: em texto bilíngue grego-português. Tradução direta do grego, prefácio, introdução e notas de Manuel Aveleza de Souza. Rio de Janeiro, Thex Editora, 1999.)

 

Sobre a canção…

O nome dessa canção é “Tambores”, de Estêvão Marques. Procure o Grupo Triii no YouTube.. E você vai aprender a cantar e a brincar com essa canção…

 

“Existe uma música já presente no aprender”

Fernando Barba

 

Muitas coisas, poucas palavras…

Essa frase ecoou em minha cabeça após a primeira audição dessa maravilhosa peça radiofônica. Como um ouvinte curioso me envolvi imediatamente na narrativa e vi como as ideias universais de Comênio puderam atravessar os séculos e permanecer atuais ao serem traduzidas com muito carinho e sensibilidade por Francisco Marques e pela poética direção musical de Estêvão Marques.

Tive uma identificação muito grande com as ideias presentes na Didática Magna e a sensação familiar de que nesse discurso as palavras eram em si tão importantes como a maneira na qual elas eram faladas ou cantadas. Em seguida fiquei muito contente em poder contribuir com esse projeto e ao começar fiquei lembrando do meu próprio processo de aprender…

Na minha infância fui arrebatado por uma curiosidade enorme pela música e pelos sons. Na minha lembrança, estudar música era o mesmo que brincar, dar vazão a uma curiosidade e uma vontade enorme de aprender. Gostava tanto de tocar e vivenciar a música que mesmo quando estava sem instrumentos por perto eu começava a batucar em meu próprio corpo. Esses eram momentos de ócio e prazer e ao mesmo tempo exercícios do intelecto, da motricidade e da imaginação, eram estudo e brincadeira juntos. Essa curiosidade de inventar me levou naturalmente a ensinar esses batuques a outras pessoas e isso acabou se tornando minha profissão.

Mais tarde, na minha atividade como músico e como professor desta “música corporal”, observei inúmeras vezes os benefícios que os educadores colhem ao incluir a música, o corpo, a representação, o movimento, a linguagem não verbal e o brincar como ferramentas no processo de ensinar. Existe uma música já presente no aprender. A melodia da voz do professor, o ritmo de sua fala e de seus gestos são referências constantes ao aluno que aprende com todos os seus sentidos.

Nessa visão esse livro cantado é de grande auxílio e utilidade aos educadores das mais diversas áreas. Ele aponta não só ideias essenciais como traz em si exemplos vivos e claros da utilização da arte na sala de aula. A apresentação se dá de uma forma envolvente onde palavras e sons se fundem despertando a curiosidade, a imaginação e o “filosofar” do ouvinte.  As letras das músicas sugerem múltiplas imagens que ilustram poeticamente o texto e as vozes divertidas e melodiosas nos despertam para uma escuta mais aberta e lúdica.

Toda a riqueza dessa ambientação sonora presente no trabalho foi feita utilizando-se de recursos de grande simplicidade e muita poesia. Violões, vozes, instrumentos feitos a partir de sucata e o uso do próprio corpo como fonte musical são elementos que colorem o discurso de Comênio. Fica muito claro nesse lindo trabalho que todos esses recursos musicais, teatrais e lúdicos podem ser utilizados e adaptados facilmente por qualquer professor em qualquer sala de aula como auxiliadores do aprendizado.

Desejo que esse trabalho atinja em cheio os corações de todos nós, educadores, mantendo vivas as nossas brincadeiras e os nossos batuques que são essenciais em nosso ofício de ensinar e aprender.

(Esse texto, escrito por Fernando Barba (1971-2021), foi publicado na primeira edição da peça radiofônica “Muitas coisas, poucas palavras”.)

 

“Chegará o tempo”

Gottfried Wilhelm Leibniz

 

Ao saber da morte do autor da “Didática Magna”, ocorrida em 15 de Novembro de 1670, o matemático e filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716) escreveu este poema:

“Afortunado ancião, novo morador do cosmo

que com zelo nos apresentastes em imagens:

talvez estejas afastado, liberto das lidas humanas e seus insanos conflitos,

ou talvez ainda nos observe, e te comovas;

ou talvez finalmente tenha acesso ao cume, aos segredos do universo

que antes te eram ocultos, mas agora são entregues à tua Pansofia.

Não te desiludas, pois tuas palavras excedem tua morte,

não foi em vão que espalhastes tuas sementes pela terra.

As próximas gerações não tardarão em colher o que já germina,

uma promessa que o destino há de cumprir,

e assim a natureza das coisas será cada vez mais acessível,

basta que, unidos, nos permitamos tal júbilo.

Chegará o tempo, Comênio, em que os melhores entre os homens,

farão seus os atos e sonhos teus.”

 

(Tradução do Latim: Ivan Quagio.

Tradução realizada especialmente para esses “Conteúdos complementares”.)

(Em maio de 1671, Leibniz escreveu esses versos em carta enviada a Magnus Hesenthaler, conforme consta em: Die Leibniz – Connection. Personen-und Korrespondenz-Datenbank der Leibniz-Edition. Site: leibniz.uni-goettingen.de)

(Die Leibniz – Connection. Personen-und Korrespondenz-Datenbank der Leibniz-Edition. Site: leibniz.uni-goettingen.de. Projetada em 2013 e 2014, essa página torna acessível o banco de dados da Akademie der Wissenschaften zu Göttingen (adw-goe.de) e Berlin-Brandenburgischen Akademie der Wissenchaften (bbaw.de). Site visitado em 19 de Fevereiro de 2022.)

 

“A inteligência e a imaginação”

Monteiro Lobato

 

“Na obra “Mundo da Lua”, um diário juvenil publicado em 1923, o escritor Monteiro Lobato analisa, a partir da sua memória escolar, as fortes relações entre a imaginação e a inteligência:

“Recordando minha vida colegial vejo quão pouco os mestres contribuíram para a formação do meu espírito. No entanto, a Júlio Verne todo um mundo de coisas eu devo! E a Robinson? Falaram-me à imaginação, despertaram-me a curiosidade – e o resto se fez por si.

Júlio Verne levou-me a Humboldt, e depois à Geografia e às demais ciências físicas e sociais. Foi o aperitivo. Entreabriu-me as cortinas do mundo como coisa viva, pitoresca, composta de paisagens e dramas. De posse dessa visão, e esporeada pela imaginativa, a inteligência ‘compreendeu e quis saber’. Que menino, após a leitura de “Keraban, o Cabeçudo”, não corre espontaneamente a abrir um Atlas lugar da Suma

A inteligência só entra a funcionar com prazer, eficientemente, quando a imaginação lhe serve de guia. A bagagem de Júlio Verne, amontoada na memória, faz nascer o desejo do estudo. Suportamos e compreendemos o abstrato só quando já existe material concreto na memória. Mas pegar de uma pobre criança e pô-la a decorar nomes de rios, cidades, golfos, mares, como se faz hoje, sem intermédio da imaginação, chega a ser criminoso. É no entanto o que se faz!… A arte abrindo caminho à ciência: quando compreenderão os professores que o segredo de tudo está aqui?”

(“Mundo da Lua”. Monteiro Lobato (1882-1948). Publicado originalmente em 1923. São Paulo, Editora Globo, 2008).

 

“A lição de leitura”

Augusto Frederico Schmidt

 

“Revejo-o gordo, com uma pequena pêra de barba, a fisionomia pacífica, os olhos sorridentes. Surgiu de repente e sentou-se, mal cabendo na cadeira, para dar-nos uma aula de português: hesitou ligeiramente sobre o que ia fazer, e buscou orientar-se perguntando-nos o que estávamos estudando àquela altura do curso – pois viera apenas substituir o professor efetivo, então impedido por doença. Um dos alunos informou que trabalhávamos com os verbos irregulares.

– “Verbos irregulares… verbos irregulares… – murmurou ele, e logo, aumentando a voz: – Nada disto, vamos hoje é ler um pouco! Quero ver se vocês sabem ler!”

Para iniciar, escolheu um dos elementos mais aplicados da turma, um dos que se sentavam na primeira fila: ouviu-o, mas não ficou contente, e ao cabo de alguns poucos minutos ordenou que outro aluno continuasse a leitura. Mesma impaciência, mesma insatisfação, ordem a outro menino para ler… Ninguém, na sua opinião, entre os vinte e poucos alunos, tinha jeito para aquilo; nenhum era capaz de decifrar um texto com o entendimento e a vivacidade necessários. Se bem me lembro, ele falou precisamente em alma, ler com alma.

Foi a primeira vez que ouvi essa expressão, mas nós alunos não podíamos entender o que fosse ler com alma. E Seu Firmo – que tal era o seu nome – então propôs dar-nos ele próprio o exemplo do tipo de leitura que pedia.

Nunca ouvi ninguém ler assim. Era um capítulo de O Seminarista, de Bernardo Guimarães: o diretor do seminário mandara chamar o personagem para submetê-lo a severa inquirição, e o episódio alongava-se por umas três ou quatro páginas. Mas que vida, que interpretação, que realce não nos soube transmitir a voz do velho professor!

Não sei o que se passou no espírito dos meus colegas – mas a minha vocação, o meu gosto, o meu pendor para a coisa literária, o meu pecado literário revelou-se precisamente naquele dia, naquela aula. De relance compreendi tudo que é possível fazer com as palavras: o que há de vivo, o que há de animado e palpitante nas linhas de um texto. Nunca me esqueci, nem esquecerei jamais do seminarista batendo na porta da sala do reitor, com a sua indecisão, o seu medo… As mesmas páginas de Bernardo Guimarães, muitas vezes depois relidas por mim em voz alta, nunca mais me proporcionaram a primeira emoção, forte e exata.”

Da obra “O galo branco – Páginas de memórias”, de Augusto Frederico Schmidt (1906 – 1965). Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1957.

 

A bandeira das crianças

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

No final do livro, no capítulo “A fonte”, selecionei algumas citações que inspiraram a criação das dez cenas da peça radiofônica. São apenas 17 citações para que você possa “saborear” as palavras próprio professor Comênio.

Aqui, neste arquivo, entretanto, você vai encontrar 302 citações:

159 citações da “Didática Magna”, de Comênio;

23 citações de “A escola da infância”, de Comênio.

Seguem ainda citações de outros livros que estão em profunda sintonia com a abordagem comeniana:

27 citações de “Instituição Oratória”, de Quintiliano

59 citações de “A descoberta da criança: pedagogia científica” e “A formação do homem”, de Montessori; 

34 citações de “A educação do homem consciente” e “Silêncio, gesto e palavra”, de Lubienska.

Este é o desafio: ler, refletir e relacionar as ideias que brotam dessas citações. É no enfrentamento desse desafio que poderemos levantar, com segurança e alegria, a bandeira das crianças:  Muitas coisas, poucas palavras.

 

Cena 1: Abraços

Comênio: Didática Magna

“Didática Magna – Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos ou Processo seguro e excelente de instituir, em todas as comunidades de qualquer Reino cristão, cidades e aldeias, que toda a juventude de um e de outro sexo, sem excetuar ninguém em parte alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, desta maneira, possa ser, nos anos da puberdade, instruída em tudo o que diz respeito à vida presente e futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez.” [Página de abertura]: primeiro parágrafo

“E S. Gregório Nazianzeno pensa da mesma maneira quando diz: (…) a arte das artes está em formar o homem, o qual é o mais versátil e o mais complexo de todos os animais.” Saudação aos leitores: parágrafo 5

“Ensinar a arte das artes é, portanto, um trabalho sério e exige perspicácia de juízo, e não apenas de um só homem, mas de muitos, pois um só homem não pode estar tão atento que lhe não passem desapercebidas muitíssimas coisas.” Saudação aos leitores: parágrafo 6

“Precisamente por esta razão, Deus deu às criancinhas os anjos custódios (Mateus, 18, 10) e constituiu os pais em educadores (…).” A todos aqueles…: parágrafo 24

“Que a Didática se baseia em retos princípios interessa: 1. Aos pais que, até agora, na maioria dos casos, ignoravam o que deveriam esperar de seus filhos. 2. Aos professores, a maior parte dos quais ignorava completamente a arte de ensinar; e por isso, querendo cumprir o seu dever, gastavam-se e, à força de trabalhar diligentemente, esgotavam as forças; ou então mudavam de método, tentando, ora com este ora com aquele, obter um bom sucesso, não sem um enfadonho dispêndio de tempo e de fadiga. 3. Aos estudantes, porque poderão, sem dificuldade, sem tédio, sem gritos e sem pancadas, como que divertindo-se e jogando, ser conduzidos para os altos cumes do saber. 4. Às escolas, porque, corrigido o método, poderão, não só conservar-se sempre prósperas, mas ser aumentadas até ao infinito. Com efeito, serão verdadeiramente um divertimento, casas de delícias e de atrações.” Utilidade da arte da didática: parágrafos 1, 2, 3 e 4

“Que devem ser enviados às escolas não apenas os filhos dos ricos ou dos cidadãos principais, mas todos por igual, nobres e plebeus, ricos e pobres, rapazes e raparigas, em todas as cidades, aldeias (…).” Capítulo IX: parágrafo 1

 

“Portanto, pais prudentes e devotos, tutores e curadores devem agir da seguinte forma. Primeiro, quando se aproximar o tempo de mandar os meninos para a escola, eles devem animá-los como se estivesse chegando a época da feira ou da colheita, quando eles irão para a escola com outros meninos para aprender as letras e brincar juntos. (…) Explique-lhes que aprender não é trabalho, mas a mais doce brincadeira com livros e penas. (…) Além disso, deve-se criar nos meninos amor e confiança para com seus futuros professores.” A Escola da Infância. Capítulo XII: parágrafos 3, 4 e 5

 

Comênio: A escola da infância

“Os pais não cumprem completamente sua obrigação se apenas ensinarem sua prole a comer, beber, andar, falar e vestir roupa. Isso serve simplesmente ao corpo, que não é o homem, apenas sua morada. O hóspede que a habita (a alma racional) reclama maior cuidado que o invólucro externo.” Capítulo II: parágrafo 3

Quando eu era pequeno, único filho de minha mãe, dizia Salomão, o mais sábio dos mortais, meu pai me ensinou que, inicialmente, eu devia compreender as coisas de modo a adquirir sabedoria para sempre (Provérbios 4, 4-5). Assim, os pais sensatos, além de providenciarem os meios materiais necessários para que suas crianças tenham vida afortunada, deveriam cuidar, com maior empenho, para que a sabedoria nelas se instale.” Capítulo VI: parágrafo 1.

 

Comênio: Ventilabrum Spientiai

“[As propostas contidas na Didática Magna] não foram escritas para os doutos, mas para despertar o povo da letargia geral do sono profundo (…). Na verdade, eu não havia começado a escrever a Didática da arte da moenda ou da pintura, ou da gramática, da lógica ou de qualquer outra pequena parte do saber, mas a Didática da vida; por isso, chamei-a Magna.” Ventilabrum Sapientiai, in ODO, II, IV, cols. 45-46. (Trecho citado na “Introdução” à obra Didática Magna, de Comenius. Editora WMF Martins Fontes, 2011, São Paulo, Quarta edição.)

 

Cena 2: Os mensageiros

Comênio: Didática Magna

“Em consequência disso, a mente do homem que entra no mundo compara-se com muita razão a uma semente ou a um caroço, no qual, embora não exista ainda em ato a figura da erva ou da árvore, todavia, nele existe já de fato a erva ou a planta, como se torna evidente quando a semente, metida debaixo da terra, lança para baixo as raízes e para cima os rebentos, os quais, pouco depois, por uma força ingênita, se alongam em ramos e ramagens, se cobrem de folhas e se adornam de flores e frutos.” Capítulo V: parágrafo 5

“Além disso, à alma racional que habita em nós, foram acrescentados órgãos e como que emissários e observadores, com a ajuda dos quais, ou seja, da vista, do ouvido, do olfato, do gosto e do tato, ela procura chegar a tudo aquilo que se encontra fora dela, de tal maneira que, de todas as coisas criadas, nada pode permanecer-lhe escondido.” Capítulo V: parágrafo 6

“Em resumo, eis o que se passa: os olhos, os ouvidos, o tato e também a mente, procurando sempre o seu alimento, lançam-se sempre para fora de si mesmos (…).” Capítulo V: parágrafo 7

“Daqui, a seguinte afirmação de Cícero: ‘as crianças apreendem rapidamente inúmeras coisas’. (…) Se alguém quer vir a ser bom escrivão, pintor, alfaiate, ferreiro, músico, etc., deve aplicar-se ao seu ofício desde os primeiros anos, enquanto a imaginação é ágil e os dedos flexíveis (…) importa abrir-lhe os sentidos para todas as coisas, nos primeiros anos, enquanto o seu ardor é vivo, o engenho rápido e a memória tenaz.” Capítulo VII: parágrafo 5

“Que todos se formem com uma instrução não aparente, mas verdadeira, não superficial, mas sólida; ou seja, que o homem, enquanto animal racional, se habitue a deixar-se guiar, não pela razão dos outros, mas pela sua, e não apenas a ler nos livros e a entender, ou ainda a reter e a recitar de cor as opiniões dos outros, mas a penetrar por si mesmo até ao âmago das próprias coisas e tirar delas conhecimentos genuínos e utilidade.” Capítulo XII: parágrafo 2.V

“Com efeito, se aprendemos sem grandes dificuldades a fazer aquilo que é próprio do corpo, a comer, a beber, a caminhar, a saltar e a exercer profissões manuais, por que não havemos de aprender também as coisas que são próprias da mente, desde que não falte a necessária instrução? (…) E não poderá o homem ser facilmente educado naquelas coisas para as quais a natureza, não apenas o chama e conduz, mas até o atrai e arrasta?” Capítulo XII: parágrafo 14

“Igualmente, a árvore alimentada com o alimento da chuva ou nutrida pela seiva do terreno, não extrai essas substâncias através da casca, mas alimenta-se através dos poros de suas partes internas.” Capítulo XVI: parágrafo 35

“Também a árvore não lança os seus rebentos, senão quando a seiva, subindo pelas raízes, os impele para fora; nem faz desabrochar os botões, a não ser depois que as folhas, formadas juntamente com as flores, a partir da seiva interna, aspiram a abrir-se; nem deixa cair a flor, a não ser quando o fruto está já coberto com a pele; nem deixa cair o fruto, a não ser depois de o haver feito amadurecer.” Capítulo XVII: parágrafo 36

“Será possível encontrar o modo pelo qual alguém pode saber, não só aquelas coisas que aprende, mas ainda mais do que as que aprende, isto é, não somente aquelas coisas que aprende dos professores e dos vários autores, correspondendo bem ao seu ensino, mas também as que ele próprio aprende, refletindo sobre os fundamentos das coisas.”  Capítulo XVIII: parágrafo 3

“Desta regra fundamental, segue-se que instruir bem a juventude não consiste em rechear os espíritos com um amontoado de palavras, de frases, de sentenças e de opiniões tiradas de vários autores, mas abrir-lhes a inteligência à compreensão das coisas, de modo que dela brotem arroios como de uma fonte de água viva, e como, dos ‘olhos’ das árvores, brotam os rebentos, as folhas, as flores e os frutos, e, no ano seguinte, de cada ‘olho’, nasce de novo um outro ramo com as suas folhas, as suas flores e os seus frutos.” Capítulo XVIII: parágrafo 22

“Até aqui, as escolas não se têm proposto realmente como objetivo habituar os espíritos a irem buscar o vigor às próprias raízes, como fazem as árvores (…).”  Capítulo XVIII: parágrafo 23

“Mas a pessoa instruída a partir dos fundamentos é como uma árvore que tem raízes próprias e se alimenta de seiva própria, e, por isso, está sempre vigorosa (mais ainda, torna-se, de dia para dia, cada vez mais robusta) e verdejante e apta para produzir flores e frutos.”  Capítulo XVIII: parágrafo 27

“Ora não se introduzem solidamente no espírito senão as coisas que forem bem entendidas e cuidadosamente confiadas à memória. Quintiliano escreveu acertadamente: ‘Todo o progresso escolar depende da memória e é inútil ir à lição, se cada uma das coisas que ouvimos (ou lemos) desaparece’. E Luís de Vives: ‘Durante a primeira idade, exercite-se a memória, pois ela desenvolve-se, cultivando-a; confie-se-lhe muitas coisas, com cuidado e frequentemente. Com efeito, aquela idade não sente a fadiga, porque nem sequer pensa nela. Assim, sem fadiga e sem tédio, a memória alarga-se e torna-se capacíssima’. (Das Disciplinas, Livro III). E, na Introdução à Sabedoria, escreve: ‘Nunca deixes a memória sem fazer nada. Nada lhe é mais agradável e nada a desenvolve mais que o trabalho. Confia-lhe, todos os dias, qualquer coisa: quanto mais coisas lhe confiares, tanto mais fielmente as guardará; quanto menos coisas lhe confiares, tanto menos fielmente as guardará’.” Capítulo XVIII: parágrafo 33

“Agiremos à imitação do sol, se (…) Todas as coisas forem ensinadas, a partir de seus fundamentos, de modo breve e eficaz, de tal maneira que a inteligência se possa abrir como que com uma chave, e as coisas se lhe possam manifestar espontaneamente.” Capítulo XIX: parágrafo 14. V

 “E porque os sentidos são o mais fiel dispenseiro da memória, essa demonstração sensível de todas as coisas tem por efeito que, tudo o que se sabe através dela, se sabe para sempre.” Capítulo XX: parágrafo 9

“Efetivamente, porque a escola se compara a um jardim, porque é que o livrinho da primeira classe se não há de chamar Canteiro de violetas, o da segunda Roseiral e o da terceira Vergel, etc?” Capítulo XXIX: parágrafo 11

 

Quintiliano: Instituição oratória

“Com efeito, existe sem dúvida algo como eloquência perfeita e a natureza da capacidade humana não impede de se chegar a ela.” Livro I, Prefácio, 20.

“Pois é falsa a queixa de que a capacidade de compreender, segundo se diz, foi concedida a poucos e que muitos de fato perdem o trabalho e o tempo pela vagarosidade da inteligência. Ao contrário, de fato, encontrarás muito ágeis no refletir e dispostos a aprender. O fato é que isso é natural ao homem; do mesmo modo que o voar o é para as aves, o correr para os cavalos e as feras nascem para a selvageria, assim nos são próprias a inquietação e habilidade da mente: por isso se crê na origem divina do espírito.” Livro I, I, 1.

“Portanto, não percamos de imediato a primeira idade; e tanto menos pelo motivo de que os passos iniciais das letras se dão pela memória apenas, que não só está presente nos pequenos, mas então é também muito persistente.” Livro I, I, 19.

“Nos pequenos, o principal sinal de inteligência é a memória: sua dupla capacidade consiste em apreender facilmente e em reter com fidelidade. O segundo sinal é a imitação (…).” Livro I, III, 1.

 

Montessori: A descoberta da criança

“O desenvolvimento dos sentidos precede o das atividades superiores intelectuais, e a criança, dos 3 aos 6 anos de idade, acha-se num período de formação.” (p. 109)

“A inteligência da criança experimenta um “grande interesse” ante o maravilhoso fato de poder representar uma palavra tão-somente com colocar em grupo aqueles sinais simbólicos – as letras do alfabeto.” (p. 216)

 

Montessori: A formação do homem

“O homem que vem ao mundo sob a forma de uma criança se desenvolve rapidamente como uma espécie de milagre criador.” (p. 19)

“Trata-se, portanto, de uma energia, de uma dinâmica interior que tende por si mesma a se manifestar, mas permanece escondida porque é bloqueada pelos preconceitos universais. É uma forma mental própria da criança que jamais foi reconhecida.” (p. 37)

“Uma coisa está clara: é um impulso inconsciente que, na idade do crescimento, da construção do indivíduo, leva-o a se desenvolver. Só ele pode tornar as crianças verdadeiramente felizes e incitá-las aos maiores esforços para atingi-lo. Podemos dizer que a infância é uma idade de ‘vida interior’, que leva os seres humanos a crescerem e a se aperfeiçoarem.” (p. 48)

“As crianças absorvem inconscientemente a língua de seu entorno sob uma forma gramatical e, embora pareçam passivas durante um longo período de tempo, de repente (ou mais exatamente ao final dos dois anos e três meses) elas testemunham um fenômeno quase de uma explosão de uma linguagem já formada. Houve, então, um desenvolvimento interno durante um longo período, no qual o bebê era incapaz de exprimir-se. Ele elaborava, no mistério de seu inconsciente, toda a linguagem, com as regras que colocam as palavras na ordem gramatical adequada à expressão de um pensamento.” (p. 72)

“Existe, portanto, no pequenino, um estado mental inconsciente, criativo, que nós chamamos de ‘espírito absorvente’”. (p. 75)

“O espírito absorvente! Maravilhoso dom da humanidade!

Sem esforço, simplesmente ‘vivendo’, o indivíduo absorve do ambiente uma realidade da cultura tão complexa como a linguagem.” (p. 77)

 

Lubienska: A educação do homem consciente

“Por isso, o primeiro dever do educador consiste em respeitar, mais ainda, em favorecer a atividade da criança. Sua preocupação constante deveria ser fornecer-lhe motivos de atividade, e seu esforço contínuo deveria tender a refrear em si mesmo o impulso que o leva a corrigir constantemente os erros da criança. Que importa que esta se engane em pequenos detalhes materiais? O que se deve levar em conta não é o resultado, mas o esforço.” (p. 36)

“A criança gosta do esforço. Não o mede pelo resultado, como faz o adulto parcimonioso, obrigado a economizar suas reservas de energia para cumprir a sua tarefa no mundo. A obra da criança é construir o homem.” (p. 79)

 

Lubienska: Silêncio, gesto e palavra

“O cérebro, do mesmo modo que o estômago, não se alimenta com o que ingurgita passivamente, mas sim com o que laboriosamente assimila, e o papel do educador consiste em saber desencadear esse trabalho de assimilação.” (p. 23)

 

Cena 3: O jardim

“(…) primeiro que tudo ordenemos as escolas e façamo-las florescer, a fim de que sejam verdadeiras e vivas oficinas de homens (…).” A todos aqueles…:  parágrafo 33

“O homem é chamado pelos filósofos, resumo do universo, compreendendo, de modo obscuro, todas as coisas que se veem por toda a parte amplamente espalhadas pelo universo (macrocosmos).”  Capítulo V: parágrafo 5

“E acaso um só e o mesmo jardim não permite que nele se plantem ervas, flores e plantas aromáticas de toda a espécie?” Capítulo V: parágrafo 9

“Imitemos, por isso, o sol celeste, que ilumina, aquece e vivifica toda a terra, para que tudo o que pode viver, verdejar, florir e frutificar, viva, verdeje, floresça e frutifique.” Capítulo IX: parágrafo 3

“Além disso, gostamos de ter nos pomares, não apenas árvores que produzem frutos precoces, mas também árvores que produzem frutos de meia estação, e frutos serôdios, porque cada coisa é boa no seu tempo (como diz algures o Eclesiástico) e, embora tarde, acaba por mostrar, em determinada altura, que não existia em vão. Por que é que, então, no jardim das letras, apenas queremos tolerar as inteligências de uma só espécie, as precoces e ágeis?” Capítulo IX: parágrafo 4

“Efetivamente, disse uma palavra de sábio aquele que afirmou que as escolas são oficinas de humanidade (…).” Capítulo X: parágrafo 3

 “(…) assim também, na escola, deve ensinar-se a todos todas aquelas coisas que dizem respeito ao homem, embora, mais tarde, umas venham a ser mais úteis a uns e outras a outros.” Capítulo X: parágrafo 18

“Chamo escola perfeitamente correspondente ao seu fim aquela que é uma verdadeira oficina de homens (…).” Capítulo XI: parágrafo 1

“E se se demonstrar que a causa do desgosto pelo estudo são os próprios professores? (…) Portanto, em primeiro lugar, é necessário expulsar desses jovens aquele torpor adventício, e reconduzir a natureza ao seu vigor próprio; regressará, então, com certeza, o apetite do saber. Mas quantos daqueles que assumem o encargo de formar a juventude pensam em torná-la primeiro apta para receber essa formação? (…) assim também o professor, antes de se pôr a instruir o aluno à força de regras, deve primeiro torná-lo ávido de cultura, mais ainda, apto para a cultura e, consequentemente, pronto a entregar-se a ela com entusiasmo. Mas quem alguma vez pensou nisso?” Capítulo XII: parágrafo 17

“Quem ignora que, para semear e plantar, se exige uma certa arte e uma certa habilidade? (…) Se, ao contrário, ele é prudente, trabalha com empenho e sabe o que deve fazer e o que deve deixar de fazer, e onde e como e quando, com certeza que não há o perigo de ele fazer qualquer coisa inutilmente. (…) Neste caso, todavia, não falamos nem da prudência nem do acaso, mas da arte de prevenir os acasos com prudência.” Capítulo XVI: parágrafo 3

“A maioria das vezes, têm tentado enxertar os garfos do saber, da moral e da piedade, antes que a planta a enxertar tivesse lançado raízes, isto é, antes de haverem despertado o desejo de aprender naqueles que, por natureza, não estavam dele inflamados.” Capítulo XVI: parágrafos 24.II

“Ora, assim como é certo que o mundo é composto de quatro elementos (apenas variam as formas), assim também é certo que a instrução se concentra toda em pouquíssimos princípios, dos quais (desde que se conheçam as diferenças modais), deriva uma infinita multidão de corolários, do mesmo modo que, de uma árvore de raízes bem sólidas, podem resultar centenas de ramos, e milhares de folhas, de flores e de frutos.” Capítulo XVII: parágrafo 23

Efetivamente, se não se aprende, de quem é a culpa senão do professor, que não sabe ou não se preocupa em tornar o aluno dócil?”  Capítulo XVII: parágrafo 41. I

“São antipáticas as coisas que não são conformes ao engenho deste ou daquele.” Capítulo XIX: parágrafo 53

“A luz do saber é a atenção, graças à qual o aluno, com a inteligência presente e, por assim dizer, aberta, recebe todas as coisas.”  Capítulo XX: parágrafo 12

“(…) com economia de tempo e de fadiga, ensinar-se-á ainda a arte de raciocinar, de investigar as coisas desconhecidas, de esclarecer as obscuras, de distinguir as ambíguas, de determinar as gerais, de defender as verdadeiras com as armas da própria verdade, de rejeitar as falsas e, enfim, de ordenar as coisas confusas com contínuos exemplos, com um método breve e eficaz.” Capítulo XXX: parágrafo 12

 

Comênio: A escola da infância

 “Falo disso somente para mostrar que as raízes de todas as ciências e artes surgem em cada criança (mesmo que não atentemos vulgarmente para isso) na mais tenra idade e que não é nem impossível e nem difícil edificar tudo nesses fundamentos, desde que ajamos racionalmente com criaturas que também são racionais.” Capítulo VIII: parágrafo 6

“Do mesmo modo que transplantamos para o pomar as plantinhas depois que as sementes brotam, para que cresçam melhor e frutifiquem, também as crianças nutridas no seio materno, com a mente e o corpo reforçados, devem ser entregues ao cuidado de professores para que cresçam tranquilamente.” Capítulo XI: parágrafo 1

 

Quintiliano: Instituição oratória

“Tanto mais devo desculpar-me, se vier a não deixar de lado nem mesmo aqueles assuntos menores, que na verdade são necessários à obra que organizamos. De fato, o livro primeiro abrangerá aqueles assuntos que precedem o trabalho do orador.” Livro I, Prefácio, 21.

“Não existe certo tipo de eloquência maior que a imaturidade do menino não a possa obter pela inteligência? De fato eu reconheço: mas será preciso que esse preceptor seja hábil e também prudente e não desconhecedor da arte de ensinar e se sujeite à capacidade do discente; e ainda como um corredor muito rápido, caso percorra o caminho com um pequenino, que lhe dê a mão, diminua o seu passo e não avance além da capacidade do acompanhante.” Livro II, III, 7.

 

Montessori: A descoberta da criança

“A vida infantil não é uma abstração; é a vida de cada criança. A única manifestação biológica verdadeira é a vida do indivíduo. E é a cada um destes indivíduos, observados um a um, que devemos ministrar a educação, isto é, o auxílio ativo ao desenvolvimento normal da vida.” (p. 65)

 

Cena 4: O ponto de partida

 Comênio: Didática Magna

“(…) o curso dos estudos é distribuído por anos, meses, dias e horas; e, enfim, é indicado um caminho fácil e seguro de pôr estas coisas em prática com bom resultado.” [Página de abertura]: segundo parágrafo

“(…) ‘para que as crianças experimentem nos estudos um prazer não menor que quando passam dias inteiros a brincar com pedrinhas, com a bola, e às corridas’.” Capítulo XI: parágrafo 3

“É, portanto, prudente interromper também os trabalhos diurnos para respirar um pouco e entregar-se a conversas, brincadeiras, jogos, música e outras coisas semelhantes, onde os sentidos externos e internos encontram repouso e prazer.” Capítulo XV: parágrafo 12

“Torna-se, portanto, evidente que não pode chegar-se a qualquer resultado válido, se os professores, no decurso do seu ensino e no decurso dos estudos dos seus alunos, não distribuem as matérias, não somente de maneira que a uma se suceda sempre outra, mas também de maneira que cada uma seja necessariamente estudada dentro dos limites fixados, pois, se se não estabelecem as metas e os meios para atingir as metas e a ordem para aplicar os meios, facilmente alguma coisa fica para trás, facilmente alguma coisa se inverte, facilmente nasce a confusão e a desordem.” Capítulo XVI: parágrafo 49

“Daqui para o futuro, portanto:

  1. Distribua-se cuidadosamente a totalidade dos estudos em classes, de modo que os primeiros abram e iluminem o caminho aos segundos, e assim sucessivamente.
  2. Distribua-se meticulosamente o tempo, de modo que a cada ano, mês, dia e hora seja atribuída a sua tarefa especial.
  3. Observe-se estritamente esse horário e essa distribuição das matérias escolares, de modo que nada seja deixado para trás e nada seja invertido na sua ordem.” Capítulo XVI: parágrafo 49

“Examinamos os meios, graças aos quais o educador da juventude pode atingir com segurança o seu objetivo; vejamos agora de que modo aqueles mesmos meios devem ser aplicados às inteligências, para que o seu emprego se faça com facilidade e com prazer.” Capítulo XVII: parágrafo 1

“Em segundo lugar, para que as inteligências sejam aliciadas pelo próprio método, é necessário, com uma certa habilidade, adoçá-lo, de tal maneira que todas as coisas, mesmo as mais sérias, sejam apresentadas num tom familiar e agradável, isto é, sob a forma de conversas ou de charadas, que os alunos, em competição, procurem adivinhar; e, enfim, sob a forma de parábolas e de apólogos.” Capítulo XVII: parágrafo19

“Finalmente, conseguir-se-á uma notável economia de tempo e de fadiga, se as coisas jocosas, que se concedem aos jovens para lhes recrear o espírito, forem tais que lhes representem ao vivo as coisas sérias da vida e criem neles o hábito das coisas sérias. (…) Estas brincadeiras conduzem a coisas sérias.” Capítulo XIX: parágrafo 49

“À criança deve ensinar-se a dar passos, antes de exercitar na dança; a cavalgar um belo e longo pau, antes de montar cavalos ricamente arreados; a construir sílabas, antes que a falar, e a falar, antes que a discursar, pois Cícero afirma que se não pode ensinar a discursar a quem não sabe falar.” Capítulo XXII: parágrafo 7

“Quando o momento e as circunstâncias o exigem, mesmo de gracejos se podem tirar ensinamentos sérios e úteis.” Capítulo XXIII: parágrafo 11

 “Começam o tirocínio das artes mecânicas, se se lhes permite, e até se lhes ensina a fazer qualquer coisa: por exemplo, transportar uma coisa daqui para além, ordenar as coisas desta ou daquela maneira, construir e destruir, unir e desunir, etc., como às crianças, nesta idade, dá prazer. Estas coisas, como não são senão tentativas para produzir coisas segundo o modelo da natureza, não só não devem ser proibidas, mas até devem ser fomentadas e prudentemente dirigidas.” Capítulo XXVIII: parágrafo 12

“A criança adquirirá o gosto pela poesia, se, nesta primeira idade, lhe ensinarem muitos pequenos poemas, sobretudo de sentido moral, quer rítmicos, quer métricos, de que estão bem providas todas as línguas.” Capítulo XXVIII: parágrafo 16

“Cantar melodias das mais correntes; e aos que tiverem mais aptidões para isso, ensinar também os rudimentos da música.” Capítulo XXIX: parágrafo 6.V

“Deve, todavia, haver a preocupação de que, nesses livros, tudo seja adaptado aos espíritos infantis, os quais, por natureza, são inclinados para as coisas agradáveis, jocosas e lúdicas, e aborrecem, em geral, as coisas sérias e severas. Portanto, para que possam aprender as coisas sérias que, ao seu tempo, serão de utilidade ao homem sério, e aprendê-las com facilidade e prazer, importa misturar por toda a parte o útil ao agradável, o qual atraia os espíritos por meio dos seus encantos quase contínuos, e os conduza até onde desejamos.” Capítulo XXIX: parágrafo 10

 

Comênio: A escola da infância

“Finalmente, como afirma o ditado popular, alma alegre é meia saúde e, segundo a Sirácida, a alegria do coração é a vida do homem (Eclesiástico 30, 22), portanto, de nenhum modo os pais devem tolher a alegria dos filhos. Por exemplo: no primeiro ano é preciso excitar sua alma balançando o berço, embalando-os, cantando e tocando pandeiro para eles, levando-os para passear na praça ou no jardim e até mesmo animá-los através de beijos e abraços, fazendo tudo isso com moderação. A partir do segundo ano podem-se organizar jogos para brincar com eles ou para que eles brinquem entre si, bate-papos, esconde-esconde, ouvir músicas ou ver qualquer espetáculo ameno, pinturas etc. Em suma, se percebermos que a criança gosta ou se alegra com algo, de nenhum modo esse algo lhe deve ser recusado; pelo contrário, seu entretenimento em pequenas ocupações convenientes e agradáveis aos olhos, ouvidos e outros sentidos contribuirá para o vigor de seu corpo e de sua alma.” Capítulo V: parágrafo 21

“Fazer com que a criança brinque com objetos, feitos de madeira ou outro material, tais como animais, carros, cadeiras, mesas, ferramentas, recipientes, panelas, será de grande valia não só pela brincadeira, mas também para o conhecimento de tais objetos.” A Escola da Infância. Capítulo VI: parágrafo 9

“A capacidade e o pensamento das crianças são fortemente estimulados por fábulas que envolvem animais como personagens e outras narrativas engenhosas. Elas adoram ouvir essas histórias e facilmente as guardam na memória.” Capítulo VI : parágrafo 11

“Quando não for conveniente lhes dar utensílios verdadeiros, que tenham para seu uso brinquedos feitos especialmente, tais como facas de chumbo, espadas de madeira, arados, carrinhos, trenós, moinhos, casinhas etc., com os quais elas sempre gostam de brincar, exercitando o corpo para serem sãs, a alma para serem perspicazes, os membros do corpo para serem ágeis.” Capítulo VII: parágrafo  2

“Cantando e mesmo brincando com as crianças, os pais e as amas, sem maiores dificuldades, podem inculcar-lhes essas coisas na mente, pois sua memória fica maior e mais rápida por causa do ritmo e da melodia e, assim, elas assimilam muitas coisas de maneira mais fácil e alegre.” Capítulo VII : parágrafo 11

“Por isso, como foi dito, em vez de afastar a criança das coisas que lhe chamam a atenção, deve-se ajudá-la a delas se aproximar, mostrando-lhe como agir, preparando assim seu caminho para futuros trabalhos sérios.” Capítulo VIII: parágrafo  5

“O mesmo se pode dizer da poesia (que liga e arruma as palavras com ritmo e métrica). Seus princípios fluem com as primeiras palavras, pois tão logo a criança começa a entender as palavras, começa também a gostar do ritmo e da melodia. (…) No terceiro e no quarto ano será bom aumentar o número desses ritmos que as amas cantam para as crianças como brincadeira, nem tanto para prevenir o choro, mas para que os guardem na memória, para seu benefício futuro.” Capítulo VIII: parágrafos 7 e 8

 

Quintiliano: Instituição oratória

“É ainda conveniente que, entre as brincadeiras, aprendam de cor as declarações de homens famosos e excertos escolhidos principalmente dos poetas (pois o conhecimento deles é mais do gosto dos pequenos).” Livro I, I, 36.

“Nem as brincadeiras nos meninos me causam estranheza (esse também é um sinal de alegria), nem poderia esperar que aquele menino triste e sempre abatido seria de mente disposta para os estudos, ainda que também se encontre nele o entusiasmo totalmente natural naquela idade.” Livro I, III, 10.

“Existem ainda algumas brincadeiras não inúteis para aguçar as inteligências dos meninos, quando porfiam mutuamente com a colocação de pequenas questões.” Livro I, III, 11.

“(…) que aprenda de cor os trechos selecionados e, estando em pé, os declame com clareza do mesmo modo como o fará em um processo, a fim de que exercite ao mesmo tempo a pronúncia, a voz e a memória.” Livro I, XI, 14.

 

Montessori: A descoberta da criança

“A esta altura, terá nascido no íntimo da criança um vivo interesse por superar mais e mais as dificuldades; com alegria se entregam a essas ginásticas divertidas que as irão tornando cada vez mais senhoras de seus movimentos. Chegam, não raro, a uma ousada confiança em suas próprias forças. Vi crianças caminharem a linha segurando e equilibrando nas mãos vários cubos empilhados; outras, cuidadosamente, fizeram o mesmo exercício levando cestinhos sobre a cabeça.” (p. 100-101)

“O segredo do aperfeiçoamento está na repetição, o que se consegue combinando os exercícios com as funções costumeiras da vida de cada dia.” (p. 103)

“Esses desenhos aperfeiçoam a manipulação dos instrumentos, porque eles obrigam a criança a limitar os sinais a determinados comprimentos; tornam-na assim cada vez mais ágil e segura no manejo dos instrumentos. (…)

Quando nossos alunos tomarem a caneta na mão, pela primeira vez, não terão dificuldades em manejá-la.

Meio algum, penso eu, poderia ser mais eficaz para estabelecer esta conquista em tempo menor, e com tanta alegria.” (p. 209-210)

“Ter aprendido não é para a criança senão um ponto de partida; é somente então que ela começa a fruir da repetição do exercício; e repete, o que aprendeu, uma infinidade de vezes, com visível satisfação.” (p. 307)

“Para repetir, requer-se antes saber; mas é na repetição e não no fato de aprender que consiste o exercício que desenvolve a vida.” (p. 308)

 

Montessori: A formação do homem

“O recém-nascido não tem nenhuma das capacidades do adulto, sequer a de se movimentar; a criança de dois anos fala, corre, compreende e reconhece os objetos de seu ambiente. Depois, a infância se prolonga pela idade dos jogos que lhe permitem organizar suas criações inconscientes e de tomar consciência delas em seu íntimo.” (p. 80)

 

Lubienska: A educação do homem consciente

“E agora um jogo:

Trata-se de passar objetos, tomando sempre aquele que o vizinho da direita acaba de depor, para colocá-lo na frente do vizinho da esquerda. Todas as mãos se erguem e se abaixam ao mesmo tempo, ao ritmo da canção ‘Escravos de Jó’. Uma vez tornadas obedientes, as mãos vão aprender a dançar. Porque não se dança apenas com os pés. Para serem graciosas, as mãos devem ser flexíveis. O termo é difícil, mas vai ser bem compreendido pela ação.” (p. 50)

“O primeiro trabalho da inteligência consiste em distinguir o semelhante do diferente. Essa verificação fundamental serve de base à educação sensorial, tal como foi estabelecida por Séguin.

O mundo apresenta-se à criança como um caos onde a inteligência, gradualmente, assinala objetos distintos, aos quais atribui três caracteres: a cor, a forma e a dimensão.” (p. 71)

“No meu molho de chaves – falo das chaves do conhecimento que abrem ao pensamento domínios ignorados – há uma que provoca sempre na criança uma radiosa admiração. É a chave que lhe revela os três reinos da natureza.

Ainda aqui há a abstração. Para fazer com que a compreendam criancinhas de 3 a 4 anos, é preciso materializá-la em gestos.

Assentamo-nos no chão sobre a linha, de tailleur: ‘Olhem, crianças, tudo o que se acha em torno de vocês: ou é uma coisa que se mexe, como os animais; ou que cresce, como as flores; ou que permanece imóvel, como as pedras. Agora vou dizer o nome de uma coisa: se for algo que se mexe, vocês farão correr os dedinhos no chão; se for uma coisa que cresce, porão as mãos no chão e as levantarão devagarinho; mas se for algo que não cresce nem se mexe, vocês colocarão os dois punhos fechados no chão e não se mexerão. Vamos: O cão! A alface! As pedras!’

Que maravilhoso exercício de reflexão, e quanta alegria proporciona! Pode-se fazê-lo todos os dias, durante meses seguidos. Dá ocasião a inumeráveis desenvolvimentos. Com o tempo, tudo o que se vê, classifica-se: ‘A mesa, de que reino vem? E as panelas? E os sapatos?’. Mais tarde, instala-se um museu: três caixas, com três imagens (um tigre, um ramalhete, uma cascata), enfim, tudo o que cai na mão, é classificado. Há ali pedrinhas, retalhos e os mais heteróclitos objetos. As três caixas resumem o universo.” (p. 73)

 

Cena 5: A voz e os gestos

Comênio: Didática Magna

“Exercitem-se primeiro os sentidos das crianças (o que é muito fácil), depois a memória, a seguir a inteligência, e por fim o juízo.” Capítulo XVII: parágrafo 28.VII

“Por exemplo: associe-se sempre o ouvido à vista, a língua à mão; ou seja, não apenas se narre aquilo que se quer fazer aprender, para que chegue aos ouvidos, mas represente-se também graficamente, para que se imprima na imaginação por intermédio dos olhos.” Capítulo XVII: parágrafo 42

 “Estes livros, portanto, deverão estar conformes às nossas leis da facilidade, da solidez e da brevidade, e contar, para todas as escolas, tudo o que é necessário, de modo completo, sólido e aprimorado, para que sejam uma imagem verdadeira de todo o universo (o qual deve ser impresso nas mentes juvenis).” Capítulo XIX: parágrafo 33

“Portanto, não se ensinem nem se aprendam as palavras senão juntamente com as coisas, da mesma maneira que se vendem, se compram e se transportam o vinho juntamente com a garrafa, a espada com a bainha, o tronco com a casca e os frutos com a pele.” Capítulo XIX: parágrafo 44

“Por isso, seja para os professores regra de oiro: que cada coisa seja apresentada àquele dos sentidos a que convém, ou seja, as coisas visíveis à vista, as audíveis ao ouvido, as odorosas ao olfato, as saborosas ao gosto, as tangíveis ao tacto; e se algumas podem, ao mesmo tempo, ser percepcionadas por vários sentidos, sejam colocadas, ao mesmo tempo, mediante dos vários sentidos, como se disse no capítulo XVII, fundamento VIII.” Capítulo XX: parágrafo 6

 “O conhecimento deve necessariamente principiar pelos sentidos (uma vez que nada se encontra na inteligência, que primeiro não tenha passado pelos sentidos). Por que é que então o ensino há de principiar por uma exposição verbal das coisas, e não por uma observação real dessas mesmas coisas? Somente depois de esta observação das coisas ter sido feita, virá a palavra, para a explicar melhor.” Capítulo XX: parágrafo 7.I

“Mas importa que essas regras sejam o mais breves e o mais claras possível (…).”Capítulo XXI: parágrafo 13

“Em primeiro lugar, importa ensinar-lhes que o gesto deve corresponder às palavras e que o tom de voz deve corresponder à qualidade da conversa (…).” Capítulo XXVIII: parágrafo 15

“Na Didacografia (agrada-me usar esta palavra), as coisas passam-se precisamente da mesma maneira. (…) A tinta é a viva voz do professor que transfere o significado das coisas, dos livros para as mentes dos alunos.” Capítulo XXXII: parágrafo 7

“(…) mas, quando aos livros se junta a voz do professor (que explica tudo racionalmente, segundo a capacidade dos alunos, e tudo ensina a pôr em prática), tornam-se cheios de vida, imprimem-se profundamente nos seus espíritos, e assim, finalmente, os alunos entendem verdadeiramente aquilo que aprendem. (…) Assim também a voz do professor, mediante um método didático, suave e simples, deve insinuar-se, como óleo finíssimo, no espírito dos alunos, e juntamente consigo, deve insinuar as coisas.” Capítulo XXXII: parágrafo 16

“Também o professor ilustrará sempre com a própria voz a lição que dá em determinada hora, lendo-a, relendo-a e explicando-a, de modo a poder entender-se tudo claramente.” Capítulo XXXII: parágrafo 23

 

Quintiliano: Instituição oratória

“(…) para que se ajuste o gesto à voz e a fisionomia ao gesto.” Livro I, XI, 8.

“(…) adequar a expressividade a cada gesto.” Livro II, XII, 10.

 

Maria Montessori: A descoberta da criança

“Para Séguin, o educador deveria ter um aspecto físico atraente e voz agradável, sedutora. Deveria cuidar minuciosamente de sua pessoa, estudando os gestos e modulação da voz, como se fosse um artista dramático preparando-se para entrar em cena, pois deve conquistar almas frágeis e prepará-las para as grandes vicissitudes da vida.” (p. 40)

“Quando falamos de “ambiente”, referimo-nos ao conjunto total daquelas coisas que a criança pode escolher livremente e manusear à saciedade, de acordo com as suas tendências e impulsos de atividade. A mestra nada mais deverá fazer que ajudá-la, no início, a orientar-se entre tantas coisas diversas e compenetrar-se do seu uso específico: deverá iniciá-la à vida ordenada e ativa no seu próprio ambiente, deixando-a, em seguida, livre na escolha e execução do trabalho.” (p. 67-68)

“Num ambiente em que os estímulos acham-se expostos à livre escolha da criança, a mestra – após ter-lhe inicialmente mostrado os objetos e ensinado seu manuseio – há de procurar afastar-se prudentemente.

A atividade da criança há de ser impulsionada pelo seu próprio eu e não pela vontade da mestra.” (p. 107)

“Uma lição será tanto mais perfeita quanto menos palavras tiver; será mister um cuidado especial em preparar lições, contar e escolher as palavras que se hão de proferir.

Convém ainda que a explanação seja simples e despida de tudo o que não seja estritamente verdadeiro. Que a mestra não se perca em palavrório inútil, eis a primeira qualidade; a segunda, deriva da primeira: cada palavra tem o seu peso e deve exprimir a verdade.” (p. 119)

“O silêncio é, pois, uma conquista positiva, que se obtém graças ao conhecimento e ao exercício.” (p. 180)

“O objeto é vistoso; atrai a atenção da criança que escolherá uma ou várias figuras e tomará simultaneamente a moldura e a peça a ser encaixada.” (p. 208)

“Aos três anos, sua atividade motora se manifesta; as experiências estabelecerão a consciência definitiva de seu espírito. O órgão motor dessas transformações todas é essencialmente a mão, que se serve dos objetos. (…)

Mas a importância da mão como colaboradora da construção do espírito consciente, na criança, não é ainda suficientemente utilizada na educação.” (p. 321)

 

Maria Montessori: A formação do homem

“Seguramente, à medida que a cultura se eleva, o mestre ou o professor representa um papel cada vez mais importante, mas este papel deve consistir mais em estimular o interesse do que em ensinar segundo a concepção tradicional.” (p. 54)

 

Lubienska: A educação do homem consciente

“Para favorecer na criança a conquista do corpo pelo espírito, o adulto não tem muita coisa a fazer: dar-lhe um pouco de espaço, deixá-la mover-se, e fornecer-lhe materiais de experiência. Mas o que deve lhe dar sobretudo é a calma. A agitação dissipa e fatiga: o silêncio favorece o esforço e conduz ao recolhimento.” (p. 36)

“Ao contrário do que se passa com o adulto, o gesto não é para a criança a projeção de uma ideia ou de um sentimento que tende a se exteriorizar; é o meio pelo qual a ideia ou o sentimento lhe penetra na consciência.” (p. 56)

“Dar palavras à criança é dar-lhe corpo ao pensamento virtual. Com que respeito é preciso fazê-lo! E com que silêncio! Quanto menos palavras lhe der, melhor!” (p. 85)

“Desde então, o dever do adulto consiste em secundá-la, favorecendo-lhe a atividade. ‘A criança constrói a sua personalidade movendo-se’, diz ainda a Doutora [Montessori]. Donde a necessidade de lhe fornecer “motivos de atividade” (o material) e limitar a intervenção do adulto: ‘Para que a criança possa crescer, é preciso que o adulto diminua’”. (p. 161)

 

Lubienska: Silêncio, gesto e palavra

“Ao menos concedamos às crianças a liberdade de se instalarem no chão à sua vontade: sentadas ou de joelhos para trabalhar, estendidas para descansar. Isto irá favorecer o seu crescimento e a flexibilidade dos seus membros, deformados pelos bancos e carteiras. Do mesmo modo, contribuirá para o equilíbrio dos nervos; com efeito, a proximidade do solo inspira um sentimento de segurança e estabilidade.” (p. 12)

“Em contrapartida, o silêncio exclui o barulho, mas alia-se de bom grado à palavra. Pronunciada por uma voz doce e respeitadora da tranquilidade dos outros, a palavra não perturba o silêncio, favorece-o e valoriza-o, pois o silêncio é feito de consideração, de benevolência, de amizade e de bondade.”  (p. 15)

“Com efeito, toda a arte deste [do professor] se resume em preparar um campo de ação para os seus alunos.” (p. 34)

“Colocadas num meio educador determinado, as crianças comportam-se de maneira completamente diferente da do meio escolar e familiar habitual. Graves, trabalhadoras e silenciosas, não buscam os elogios de outrem e ainda menos as recompensas.” (p. 69)

“A disposição das nossas aulas é inspirada na da Igreja, no intuito de favorecer o recolhimento. Painéis de madeira fazem desaparecer os ângulos, pois a linha curva, como a da ábside, ajuda a concentrar as ideias dispersas. Cortinados e pinturas nos vidros filtram a luz exterior. Quebra-luzes atenuam a crueza da luz elétrica. Mesas individuais estão colocadas em todos os sentidos. O trabalho é estritamente individual, não havendo competição de espécie alguma nem emulação possível. No ambiente assim preparado, as alunas aprendem a andar na ponta dos pés, a falar em voz baixa, a escolher o seu trabalho e a corrigi-los elas próprias. Habituam-se assim a ‘pensar movendo-se’. Do mesmo modo, quando, abandonando as mesas, ‘se movem pensando’ ao ritmo de uma cantiga popular, é sempre a alma que governa o corpo e o reduz à obediência.” (p. 156)

“A educação do gesto desempenha nas nossas classes um papel primordial; é pelos progressos da sua conduta que se medem os progressos intelectuais e espirituais. Quanto ao professor, o seu papel consiste em transformar cada aula numa celebração.” (p. 157)

 

Cena 6: Ensinar a fazer fazendo

Comênio: Didática Magna

“Cada regra deve ser seguida de numerosos exemplos que façam ver como é grande a variedade dos casos a que se estende a sua aplicação.” Capítulo XVII: parágrafo 24.III

“Aumentar-se-á ao estudante a facilidade da aprendizagem, se se lhe mostrar a utilidade que, na vida quotidiana, terá tudo o que se lhe ensina. (…) Sem este cuidado prévio, acontecerá que tudo o que lhe contarem lhe parecerá um monstro de um mundo desconhecido; e a criança, ainda não muito interessada em saber que essas coisas existem na natureza e como existem, poderá acreditar nelas, mas a sua crença não constituirá ciência. Mas se se lhe mostrar qual é o objetivo de cada coisa, é como meter-lhe na mão, para que saiba que sabe e se habitue a utilizá-la.” Capítulo XVII: parágrafo 44

“Os exemplos da natureza mostram-nos que, ao mesmo tempo e com o mesmo trabalho, se podem fazer diversas coisas. Uma árvore, no mesmo tempo, desenvolve-se para cima, para baixo e para os lados, e, ao mesmo tempo, faz crescer o tronco, a casca, as flores e os frutos.” Capítulo XIX: parágrafo 41

“Também um bom orador e poeta, com a mesma obra, ensina, comove e deleita, embora essas três coisas sejam distintas entre si.” Capítulo XIX: parágrafo 42

“Também os exercícios de leitura e de escrita se farão sempre juntos, com grande economia de tempo e fadiga. Na verdade, é quase impossível excogitar para os alunos do a b c um estímulo atrativo mais forte do que mandar-lhes aprender as letras, escrevendo-as.” Capítulo XIX: parágrafo 46

Que estultícia, exclama Sêneca, aprender coisas supérfluas, quando temos tanta falta de tempo! Nada se aprende, portanto, apenas para a escola, mas para a vida, para que, quando se sair da escola, nada seja levado pelo vento.” Capítulo XIX: parágrafo 52

“Tudo o que se ensina, ensina-se como coisa do mundo de hoje, e de utilidade certa. Isto para que o aluno veja que aquilo que aprende não são coisas vindas do país da utopia ou das ideias de Platão, mas coisas que verdadeiramente estão à nossa volta e cujo conhecimento perfeito é realmente útil para a vida. Assim, a mente lançar-se-á a elas com maior ardor e discerni-las-á com maior exatidão.” Capítulo XX: parágrafo 16

“Nada acontece num instante, pois, tudo o que acontece, acontece graças ao movimento e o movimento implica sucessão. Deve, portanto, demorar-se com o aluno em qualquer parte do saber, até que a tenha apreendido bem e saiba que a sabe.” Capítulo XX: parágrafo 22

“Os mecânicos não detêm os aprendizes de suas artes com especulações teóricas, mas põem-nos imediatamente a trabalhar, para que aprendam a fabricar fabricando, a esculpir esculpindo, a pintar pintando, a dançar dançando, etc. Portanto, também nas escolas, deve aprender-se a escrever escrevendo, a falar falando, a cantar cantando, a raciocinar raciocinando, etc., para que as escolas não sejam senão oficinas onde se trabalha fervidamente. Assim, finalmente, pelos bons resultados da prática, todos experimentarão a verdade do provérbio: fazendo aprendemos a fazer (Fabricando fabricamur).” Capítulo XXI: parágrafo 5

“Já antigamente advertiu Quintiliano que ‘é longo e difícil o caminho por meio de regras, mas breve e eficaz por meio de exemplos’.” Capítulo XXI: parágrafo 7

“Assim, para que a criança compreenda o emprego das regras da dialética, deve ser exercitada com exemplos, tomados, não de Virgílio ou de Cícero ou de assuntos teológicos, políticos e médicos, mas de coisas familiares à criança, como um livro, um vestido, uma árvore, uma casa, uma escola, etc.” Capítulo XXI: parágrafo 9

“Portanto, na medida do possível, também nos outros trabalhos, a imitação (ao menos a primeira) apegue-se estreitamente ao seu modelo, até que as mãos, a mente e a língua se habituem a mover-se mais livremente e com mais segurança, e a formar por si coisas semelhantes. Por exemplo: aqueles que aprendem a escrever tomem um papel fino e de qualquer modo transparente, e coloquem-lhe debaixo um modelo, ou seja, aquela escrita que desejam imitar, pois assim poderão facilmente imitar os traços das letras que transparecem. Ou então imprimam-se, em papel branco, modelos, numa cor atraente, amarela ou escura, para que os alunos, fazendo passar a pena, cheia de tinta preta, através daqueles traços, se habituem a imitar aquelas letras, com aquela mesma forma.” Capítulo XXI: parágrafo 10

“Deve começar-se sempre pelas coisas mais fáceis; ora nós entendemos mais facilmente as nossas coisas que as alheias.” Capítulo XXI: parágrafo 14.1

“Deem-se, depois, ao aluno outros e outros exemplos, os quais ele adapte, um por um, aos modelos, e por imitação faça outros semelhantes.” Capítulo XXI: parágrafo 16

“As horas da manhã devem ser consagradas a cultivar a inteligência e a memória; as da tarde, a exercitar as mãos e a voz.” Capítulo XXIX: parágrafo 17.II

 

Comênio: A escola da infância

“As crianças adoram estar ocupadas com alguma coisa porque seu sangue jovem não pode ficar quieto, portanto, em vez de refreá-los, é preciso providenciar para que sempre estejam fazendo alguma coisa. Que sejam como formigas, sempre em movimento: levando, trazendo, arrumando, transportando. É preciso somente as ajudar a perceber naquilo que estão fazendo como é que as coisas funcionam, até mesmo em suas próprias brincadeiras (pois ainda não podem se ocupar com coisas sérias).” Capítulo VII: 1

“Visto que as crianças tentam imitar tudo que veem os outros fazer, permitam que elas manuseiem tudo, exceto aqueles objetos que possam causar dano (…).” Capítulo VII: 2

“No segundo e no terceiro ano as práticas mecânicas tornam-se mais fecundas. Elas [as crianças] começam a compreender o que é correr, saltar, movimentar-se de diversos modos, jogar, acender e apagar o fogo, despejar água, levar algo de um lugar para outro, depositar, levantar, derrubar, instalar, virar, enrolar, desenrolar, dobrar, endireitar, quebrar, arrancar etc. Tudo isso lhes deve ser concedido, mostrando-lhes antes como se faz, na primeira oportunidade que surgir.” Capítulo VII: parágrafo 4

 

Quintiliano: Instituição oratória

“Não excluo, porém, aquilo que é conhecido como motivo para estimular a infância para aprender: oferecer também, como diversão, as formas das letras em marfim, ou qualquer outra coisa que se puder encontrar, pela qual essa faixa etária se interesse e lhe seja um prazer manusear, examinar e lhe dar um nome.” Livro I, I, 26.

“Entretanto, quando a criança começar a acompanhar os traçados das letras, não será inútil gravá-los em tabelas da melhor maneira possível, para que o estilete seja levado por meio delas como sulcos. Pois não se desviará como na cera apenas (de fato será contido por ambas as margens nem poderá sair do espaço determinado) e, seguindo os traços fixados, mais rápida e frequentemente distinguirá os membros da frase e sua mão não precisará da ajuda pela mão superposta que a dirige.” Livro I, I, 27.

“Mas não veem com clareza quão grande é a natureza da inteligência humana, que é tão ágil e rápida de modo que, para dizê-lo assim, está voltada para todos os lados, assim que não consiga dirigir sua faculdade apenas para uma só coisa, mas para muitas, não só no mesmo dia como também no mesmo instante de tempo.” Livro I, XII, 2.

“Realmente, os tocadores de cítara porventura não atentam para a memória, o som da voz e as múltiplas inflexões simultaneamente, enquanto dedilham com a mão direita umas cordas e com a esquerda tangem, retêm, fazem soar as outras; nem sequer o pé fica ocioso, pois mantém determinada lei dos compassos – e isso tudo ao mesmo tempo?” Livro I, XII, 3.

 “Por quê? Acaso nós, levados por inesperada necessidade de discursar, não dizemos alguma coisa e providenciamos alguma outra, já que se requerem igualmente a busca do assunto, a escolha das palavras, a composição, a gesticulação, a fisionomia e as atitudes? Se assuntos tão diversos forem preparados simultaneamente, como por um só grande esforço, porque não repartimos as horas com ocupações múltiplas, em especial porque a própria diversidade refaz e desperta o espírito e, ao contrário, é um tanto mais difícil continuar num só trabalho?” Livro I, XII, 4.

“O próprio mestre enuncie diariamente, uma ou até muitas vezes, algo que os ouvintes relacionem com a própria vida. Embora as lições forneçam exemplos suficientes para serem imitados, contudo aquela voz viva, como se diz, do preceptor alimenta mais plena e especificamente, a quem os alunos tanto amam como respeitam, se forem instruídos corretamente. Entretanto, dificilmente se pode avaliar com quanto maior prazer imitamos aqueles de quem gostamos.” Livro II, II, 8.

“Que essa idade seja mais ousada, investigue e se entusiasme com as descobertas, ainda que durante esse tempo não sejam elas bastante amadurecidas e exatas.” Livro II, IV, 6.

 

Montessori: A descoberta da criança

“Para ser eficaz, uma atividade pedagógica deve consistir em ajudar as crianças a avançar no caminho da independência; assim compreendida, esta ação consiste em iniciá-las nas primeiras formas de atividade, ensinando-as a serem autossuficientes e a não incomodar os outros.” (p. 61)

“Todavia, os exercícios da vida prática não devem ser considerados apenas uma simples ginástica muscular: eles constituem um “trabalho”. É o trabalho dos músculos que se ativam sem cansar-se, porque o interesse e a variedade reanimam-nos a cada movimento.” (p. 92)

“As crianças preocupam-se pouco com a importância da tarefa. Sentem-se satisfeitas quando dão o máximo de que são capazes e não se veem excluídas das possibilidades de exercitarem-se no que o ambiente lhes oferece. A tarefa mais admirada será aquela que tiver exigido de cada uma o máximo possível.” (p. 94)

“Pensei, pois, em dar uma garantia à exatidão do trabalho, ou, pelo menos, orientá-lo, preparando letras em baixo-relevo; nessas espécies de sulcos, poder-se-ia deslizar o bastonete de madeira. Fiz um projeto, mas sua construção era demasiado custosa.” (p. 198)

“Para fazer com que as crianças tocassem as letras, recortei-as também em lixa, colocando-as depois sobre os cartões lisos; assim, fabriquei objetos muito semelhantes aos dos primeiros exercícios do sentido do tato.” (p. 202)

“Com o alfabeto de lixa encontrara, pois, o tão desejado guia para os dedinhos que devem tocar a letra; não sendo a vista a única a reconhecê-la, o tocá-la ensinava diretamente o movimento da escrita, com um controle exato.” (p. 202)

“Não é a imagem visual que traz o máximo de interesse à criança; para ela, é a sensação tátil que conduz sua mão a executar o gesto que, em seguida, será conservado pela memória muscular. (…)

Revela-se ainda que a memória muscular é mais tenaz, na criança, e também a mais pronta, porque se ela não reconhece a letra ao olhá-la, reconhecê-la-á tocando-a.” (p. 212)

“Preparar-se antes de experimentar, aperfeiçoar-se antes de prosseguir é uma concepção educativa. Prosseguir, corrigindo seus próprios erros, leva à ousadia de prosseguir imperfeitamente as realizações de que ainda é incapaz, e sufoca a sensibilidade face ao próprio erro. Este ensinamento da escrita contém uma concepção educativa nova, ensinando à criança a prudência que permite evitar o erro, a dignidade que a torna previdente e guia em direção a um aperfeiçoamento, como também a humildade que a mantém em contato constante com as fontes do Bem, as únicas de onde emanam, e se conservam, as conquistas interiores.” (p. 224)

“(…) aquele período fisiológico em que a memória muscular é particularmente receptiva (…)”. (p. 226)

“A linguagem articulada se desenvolve no período que vai dos dois aos cinco anos: é a idade das percepções, em que a atenção da criança volta-se espontaneamente para os objetos exteriores, e durante a qual a memória é particularmente tenaz. É também a idade da motricidade em que, com a permeabilidade das vias psicomotoras, os mecanismos musculares se estabelecem. É o período da vida em que parece que as percepções auditivas e a possibilidade de provocar os movimentos complicados da linguagem articulada se desenvolvem instintivamente ao influxo de estímulos, como que despertando de um sono hereditário, graças aos laços misteriosos que unem as vias auditivas às vias motoras.” (p. 244)

 

Montessori: A formação do homem

“Esses pequeninos, que escreviam sem se cansarem, constituíam uma realidade que centenas de milhares de pessoas podiam constatar. Algumas pessoas se convenceram de que as letras do alfabeto eram simplesmente dispostas uma ao lado das outras e que nenhum mestre se propunha a ensinar as crianças a escrever. Pela evidência, estas progrediam por si mesmas. Era então fácil de compreender que todo o segredo consistia em ter transformado cada letra do alfabeto num objeto distinto e manipulável. Muitos lamentavam: ‘Como essa descoberta genial é simples! Como eu nunca pensei nisso?’ Outros, pelo contrário, diziam que de fato não se tratava de uma descoberta. Quintiliano já não havia, na Antiguidade, utilizado o alfabeto móvel desta forma? Se minha intenção fora passar por um inventor de gênio, eu teria sido desmascarada.” (p. 32-33)

“A mágica não está nas letras, mas no psiquismo da criança.” (p. 33)

“Uma verdadeira descoberta contém, forçosamente, uma novidade. E toda novidade constitui uma porta que dá, a quem ousa transpô-la, acesso a domínios ainda inexplorados. É, então, uma porta fantástica, maravilhosa, que deveria tocar a imaginação. E, logicamente, não seria o papel dos homens cultos serem os exploradores desses novos domínios? Mas as pessoas sérias, que perderam o senso dos “contos de fadas” da natureza, ficam impedidas por uma barreira mental formidável, afetiva, e é raro encontrar uma exceção a essa regra. A famosa parábola evangélica dos convidados ao banquete exprime simbolicamente este fato eterno: é preciso um certo grau de “simplicidade”, de “pobreza” para entrar nos novos reinos.” (p. 33-34)

“(…) a criança aprende através de sua própria atividade, apoderando-se da cultura em seu ambiente, e não a recebendo do mestre, e, como podemos demonstrá-lo, colocando em funcionamento as capacidades de seu subconsciente, deixando livre para absorvê-lo e exprimir-se segundo processos naturais do espírito absorvente” (p. 52)

“Efetivamente, quando a criança se educa por si mesma, e o controle e a correção do erro acham-se implícitos no próprio material, nada mais resta à mestra que observar.

Ela ensina pouco, mas observa muito.” (p. 168)

“A escrita progride porque parece interessante. A linguagem que possuímos torna-se assim dupla e se fixa de uma forma estável. Os olhos e as mãos agem juntos sobre o tesouro que o ouvido e os órgãos vocais acumularam espontaneamente.” (p. 97)

“Essas pequenas lições de gramática são curtas, fáceis, claras e imediatamente interessantes. Sobretudo são acompanhadas de atividades motoras, não unicamente da mão, mas do corpo inteiro.” (p. 109)

 

Lubienska: A educação do homem consciente

“A dança exige mais esforços, fixa melhor a atenção. E como é uma espécie de arte (mesmo nos exercícios do começo), abre perspectivas infinitas.” (p. 45)

“É pelo movimento que a criança organiza e constrói a sua personalidade. Sem a possibilidade de se mover, ela não chegará ao domínio de si; sem a ocasião de escolher, não conseguirá a decisão. Logo, para se tornar consciente e responsável, a criança precisa de liberdade.” (p. 165)

“Tais são os ensinamentos da Doutora [Montessori] aos educadores, e ela os resume nesta fórmula lapidar: ‘Toda intervenção inútil produz uma suspensão de desenvolvimento’.” (p. 167)

“Nas classes Montessori, toda a atividade mental é obrigatoriamente acompanhada de atividade muscular, e a atividade muscular conduz a um progresso mental.” (p. 238)

 

Lubienska: Silêncio, gesto e palavra

“A palavra, instrumento adequado do pensamento racional, não atinge a criança pelo fato de o pensamento desta não ser racional, mas intuitivo. Ora, a maneira de exprimir o pensamento intuitivo não é a palavra; é o gesto. O que a criança aprende na escola é devido à mímica e aos gestos do professor e àquele mínimo de atividade que lhe é facultado. A criança compreende mexendo-se; para ela o pensamento é ação.” (p. 39)

 

Cena 7: Ensinar a perguntar

Comênio: Didática Magna

“Mas que força oculta anima o relógio? Nenhuma outra senão a força da ordem que manifestamente reina em todas as suas partes, ou seja, a força proveniente da disposição de todas as suas peças, que concorrem com o seu número, as suas dimensões e a sua ordem para tornar aquela disposição tal que cada peça tem um papel determinado e meios para o desempenhar, ou seja, a proporção exata de cada peça com as outras, a harmonia de cada uma com as que lhe estão em relação e leis mútuas para comunicar reciprocamente a força umas às outras. Assim, tudo se passa exatamente como num corpo vivo, posto em movimento pelo próprio espírito. Se, todavia, qualquer peça se estilhaça, ou se parte, ou anda mal, ou começa a estar bamba, ou se torce, ainda que seja a rodinha mais pequena, o eixo mais pequeno, o parafuso mais pequeno, imediatamente todo o relógio para ou anda mal. Deste modo se torna evidente que tudo depende apenas da ordem.” Capítulo XIII, parágrafo 14

“É uma prova evidente disso o modo como crescem as árvores, as quais, nem mesmo com a vista mais perspicaz, podemos aperceber-nos que crescem (…). O nosso corpo, ao crescer em estatura, segue a mesma regra: não o vemos crescer, mas vemos que cresceu. E que não é diversa a regra seguida pela mente que procura adquirir conhecimento das coisas, provam-no estes versos conhecidos:

Acrescenta a uma pequena quantidade mais um pouco e ainda um pouquito,

e, em pouco tempo, tens construída uma montanha.” Capítulo XV: parágrafo 14

“Por isso, não pode terminar-se uma construção grandiosa em um ano, mas tem de demorar-se o tempo necessário.” Capítulo XVII: parágrafo 32

“Se se deixa de aprender alguma dessas coisas, haverá um hiato, que não só tornará a instrução defeituosa, mas abalará até a solidez, pois nenhuma coisa pode ser sólida se não tem todas as partes bem ligadas.” Capítulo XVIII: parágrafo 12

“Porque, neste método natural, tudo o que precede deve servir de fundamento a tudo o que se segue, não pode proceder-se de outro modo senão assentando todas as coisas em bases sólidas.” Capítulo XVIII: parágrafo 33

“Todas as coisas que se ensinam devem de tal modo basear-se em razões sólidas que não deixem facilmente lugar nem à dúvida nem ao esquecimento.” Capítulo XVIII: parágrafo 35.II

“Consolidar todas as coisas com razões, significa ensinar todas as coisas pelas suas causas, isto é, mostrar não só como é que alguma coisa é, mas também por que não pode ser de outra maneira. Com efeito, saber significa conhecer as coisas por meio de suas causas.” Capítulo XVIII: parágrafo 36

“Finalmente, terminada a lição, dê-se aos alunos a oportunidade de perguntarem ao professor tudo o que quiserem, quer acerca de alguma dificuldade surgida nessa lição, quer em lições anteriores.” Capítulo XIX: parágrafo 20.8

“Gostaria que esses livros fossem compostos em forma de diálogo, pelas seguintes razões: I. porque, dessa maneira, mais facilmente se pode adaptar a matéria e o estilo aos espíritos juvenis, para que não imaginem que as coisas são, para eles, ou impossíveis ou árduas ou demasiado difíceis, pois nada há de mais familiar nem de mais natural que a conversação, pela qual, pouco a pouco, o homem pode ser conduzido onde se quer e sem que ele se aperceba disso. (…) Os diálogos excitam, animam e reavivam a atenção, precisamente pela variedade das perguntas e das respostas, e pelos diferentes motivos e formas destas, sobretudo se nelas se misturam coisas agradáveis; mais ainda, pela variedade e troca de interlocutores, não só o espírito se liberta do tédio, como estendendo mais o campo da sua atividade, se torna sempre mais desejoso de estar a ouvir. O diálogo torna a instrução mais sólida.” Capítulo XIX: parágrafo 34

“Poderá, a seguir, em qualquer gênero de estudos, aplicar-se este utilíssimo método de economia de tempo e de fadiga, de tal maneira que todos os frutos que se recolhem da leitura, a pena os transforme num corpo, como diz Sêneca; ou, como escreve Santo Agostinho de si mesmo, para que progredindo escrevamos, e escrevendo progridamos.” Capítulo XIX: parágrafo 46

“Ora toda a coisa é feita pelas suas causas. Logo, explicar as causas da coisa é ensinar a verdadeira ciência da coisa, segundo a máxima que diz: saber é conhecer uma coisa pelas suas causas. Além disso, a causa é o guia da mente.” Capítulo XX: parágrafo 18

“Oferecer uma coisa para ser conhecida de modo geral, consiste em explicar a essência e os acidentes de toda essa coisa. A essência explica-se por meio destas pergunta: Que é? Qual é? Porquê?” Capítulo XX: parágrafo 19

“Conheçam-se todas as partes da coisa, mesmo as mais pequeninas, sem omitir nenhuma, respeitando a ordem, a posição e as relações que umas têm com as outras. Com efeito, nada é inútil, e, por vezes, é precisamente na parte mais pequenina que reside a força das partes maiores. É sabido que, no relógio, uma só rodinha partida, torcida ou deslocada pode fazer parar toda a máquina; e, se a um corpo vivo se tirar um só membro, pode tirar-se-lhe a vida; e, muitas vezes, no contexto de um discurso, a mais pequena palavra (como uma preposição ou uma conjunção) modifica e até inverte todo o sentido. E assim acontece em todas as coisas. O conhecimento perfeito de uma coisa obtém-se, portanto, conhecendo todas as suas partes, e sabendo o que é e para que serve cada uma delas.” Capítulo XX, parágrafo 20

“Importa, por isso, abster-se de toda a precipitação, para que nunca se passe às coisas que vêm a seguir, antes de se haver consolidado com o necessário cuidado as coisas que estão primeiro. Caminha suficientemente depressa quem nunca se afasta do caminho. E o tempo que se gasta para consolidar bem os rudimentos não é tempo perdido, mas representa uma grande economia de tempo e de fadiga, porque permitirá dominar facilmente, rapidamente e seguramente as coisas que vêm a seguir.” Capítulo XXI: parágrafo 12

“A arte dialética da razão desponta já aqui e lança os seus gérmens: observando que as conversas se fazem por meio de perguntas e de respostas, as crianças habituam-se também a perguntar qualquer coisa e a responder às perguntas que lhes são feitas.” Capítulo XXVIII: parágrafo 13

 

Comênio: A escola da infância

“No quarto, no quinto e no sexto ano, sua linguagem se enriquece pelo conhecimento das coisas, por isso não se pode deixar de exercitá-las fazendo-as nomear qualquer coisa que veem em casa e com a qual se ocupam. Por isso deve-se sempre perguntar: O que é isto? O que fazes? Como se chama? – sempre cuidando para que elas respondam claramente.” Capítulo VIII: parágrafo 4

 

Quintiliano: Instituição oratória

“(…) ninguém sobressai assim nos assuntos maiores, se lhe faltarem os menos importantes.” Livro II, III, 6.

“Vemos as aves fazerem algo semelhante a isso, as quais repartem os alimentos juntados em seu bico com os tenros filhotes indefesos; ao contrário, quando são considerados adultos, elas mesmas, precedendo-os, os ensinam a sair aos poucos do ninho e a circunvoar aquele refúgio; depois, comprovadas as forças, lhes permitem partir para o céu aberto e sua autoconfiança.” Livro II, VI, 7.

 

 Lubienska: A educação do homem consciente

“Em lugar de exigir que respondam à queima-roupa, adotemos a seguinte maneira:

– Escuta, vou fazer-te uma pergunta. Quando tiveres refletido bem, responderás.

Regra geral, a criança volta daí a alguns minutos; outras vezes parece esquecer. Mas depois de três dias, eis que ela chega inopinadamente: ‘Refleti bem…’ E podemos orgulhar-nos dela.

Para habituar a criança à reflexão, é preciso dar-lhe o exemplo. Não convém responder sempre no mesmo instante. A resposta então não produz efeito. Quando a pergunta for séria, é melhor responder: ‘Deixe-me refletir’.” (p. 86)

 

Cena 8: Ensinar a ensinar

Comênio: Didática Magna

“Portanto, este mundo nada mais é que a nossa sementeira, o nosso alimentador e a nossa escola.” Capítulo III: parágrafo 3

“Pretendemos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas principais, das que existem na natureza como das que se fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de espectadores, mas também de atores.” Capítulo X: parágrafo 1

“Efetivamente, quem aprende uma coisa a partir dos seus fundamentos, já não tem necessidade de comentários, pois poderá, pouco depois, comentá-la por si mesmo.” Capítulo XVI: parágrafo 45

“Os estudantes, por sua vez, devem aprender, ao mesmo tempo, a expor as ideias com a língua e a exprimi-las por meio de gestos, de modo que não se dê por terminado o estudo de nenhuma matéria, senão depois de ela estar suficientemente impressa nos ouvidos, nos olhos, na inteligência e na memória.” Capítulo XVII: parágrafo 42

“(…) é necessário que, ao mesmo tempo que se ensina a entender as coisas, se ensine também a dizê-las e a fazê-las, ou seja, a pô-las em prática; e vice-versa.” Capítulo XVIII: parágrafo 39

“Estas três coisas são expressas nos seguintes versos: ‘Três coisas oferecem ao aluno a oportunidade de superar o professor: perguntar muitas coisas, reter o que perguntou e ensinar o que reteve’. (…) Com efeito, é absolutamente verdadeira esta máxima: ‘quem ensina os outros, instrui-se a si mesmo’, não só porque, repetindo os próprios conhecimentos, os reforça em si mesmo, mas ainda porque encontra uma boa ocasião para penetrar mais a fundo nas coisas.” Capítulo XVIII: parágrafo 44

“Além disso, os alunos podem, mesmo fora da escola, sentados ou a passear, discutir entre si, quer acerca de coisas aprendidas há pouco ou há muito tempo, quer acerca de qualquer matéria nova que acaso se lhes apresente.” Capítulo XVIII: parágrafo 47

“Terceira: as disciplinas, que por natureza são conexas, eram ensinadas sem atender às suas relações mútuas, mas mantendo-as separadas. (…) De igual maneira, obrigava-se apenas a aprender, e nunca a ensinar. Embora todas essas coisas (ler e escrever, palavras e coisas, aprender e ensinar) devam ser feitas tão simultaneamente como, quando se anda, se levantam e se abaixam os pés, quando se conversa, se ouve e se responde, quando se joga bola, se atira e se recebe, como vimos já atrás, nos seus devidos lugares.” Capítulo XIX: parágrafo 5

“Também Deus encheu, por toda a parte, este grande teatro do mundo de pinturas, estátuas e imagens, como vivos representantes de sua sabedoria, e quer instruir-nos por meio deles.” Capítulo XIX: parágrafo 36

“Regule-se, portanto, segundo este modelo, a formação da juventude, para que cada trabalho produza mais que um fruto. (…) Por exemplo: juntar as palavras e as coisas, ler e escrever, exercitar o estilo e o engenho, aprender e ensinar, coisas jocosas e coisas sérias, e, além disso, todas as coisas semelhantes que possam excogitar-se.” Capítulo XIX: parágrafo 44

“Na verdade, segundo a máxima socrática ‘fala para que saiba quem és’, queremos formar a língua para uma sábia eloquência àqueles de que até agora formamos principalmente a mente para a sabedoria.” Capítulo XXX: parágrafo 13

 

Comênio: A escola da infância

“Apenas algo mais: embora os adultos que cuidam da criança possam dar conta facilmente de quase tudo isso, mais ainda poderão fazer suas coetâneas, também crianças, seja quando uma conta alguma coisa a outra, seja brincando juntas, pois crianças da mesma idade progridem de forma semelhante nos modos e costumes e estão mais bem sintonizadas umas com as outras, pois não há muita diferença entre sua capacidade de pensar.” Capítulo VI: parágrafo 12

 

Quintiliano: Instituição oratória

“E se alguém tiver aprendido bastante e (o que, nesse meio-tempo, menos costuma faltar) quiser ensinar o que aprendeu (…).”Livro I, IV, 23.

 

Montessori: A descoberta da criança

“O movimento das crianças disciplinadas torna-se sempre mais coordenado e perfeito à medida em que os dias vão passando. Efetivamente, elas aprendem a disciplinar seus próprios gestos, e, por sua vez, a mestra tirará suas conclusões observando como as crianças  substituem seus primeiros movimentos desordenados por movimentos espontaneamente disciplinados. Eis o livro que deverá orientar as suas iniciativas, o único que há de ler e estudar para se tornar uma boa educadora.” (59)

 

Cena 9: O rio

Comênio: Didática Magna

“Que é verdadeiro que certos gérmens de virtude nascem juntamente com o homem, infere-se destes dois argumentos: primeiro, todo homem sente prazer com a harmonia; segundo, ele próprio não é senão harmonia, interior e exteriormente.” Capítulo V: parágrafos 13 

“Além disso, a idade infantil conduz-se e governa-se muito melhor com exemplos que com regras.” Capítulo VIII : parágrafo 7

“Por isso, alguém disse, com elegância e verdade, que a ordem é a alma das coisas. Com efeito, tudo aquilo que é ordenado, durante todo o tempo em que conserva a ordem, conserva o seu estado e a sua integridade; se se afasta da ordem, debilita-se, vacila, cambaleia e cai.” Capítulo XIII: parágrafo 1

“Portanto, cuidam mal dos interesses das crianças aqueles que as obrigam aos estudos pela força. Efetivamente, que podem eles esperar? Se o teu estômago não recebe os alimentos com apetite e tu o queres atulhar, não podem vir-te senão náuseas e vômitos, ou, pelo menos, uma má digestão e dano para a saúde. (…) E Quintiliano escreveu: ‘A paixão de aprender depende da vontade, que não pode ser forçada’.” Capítulo XVII: parágrafo 12

“A virtude cultiva-se com atos, e não com palavras.” Capítulo XXIII: parágrafo 9

“Finalmente, os professores deverão estar atentos, e, se notarem em algum aluno um pouco de preguiça ou de temeridade, de grosseria ou de teimosia, etc., deverão chamá-lo ao bom caminho.” Capítulo XXIII: parágrafo 10

“Portanto, assim como as crianças aprendem facilmente a caminhar caminhando, a falar falando, a escrever escrevendo, etc., assim também aprenderão a obediência obedecendo, a abstinência abstendo-se, a veracidade dizendo a verdade, a constância sendo constantes, etc., desde que não falte quem lhes abra o caminho, com palavras e com exemplos.” Capítulo XXIII: parágrafo 14

“É evidente porém que devem ser postos diante das crianças tanto exemplos vivos, como exemplos históricos, mas principalmente exemplos vivos, pois deixam impressões mais fortes e duradouras.” Capítulo XXIII: parágrafo 15

“É verdadeiro o seguinte provérbio usado na língua popular boema: uma escola sem disciplina é um moinho sem água. (…) Com efeito, que é a disciplina senão um processo adequado de tornar os discípulos verdadeiramente discípulos?” Capítulo XXVI: parágrafo 1

“Antes de tudo, creio que é doutrina aceite por todos que a disciplina se deve exercer contra quem exorbita, mas não porque exorbitou (efetivamente, o fato não pode desfazer-se), mas para que não exorbite mais. Deve, por isso, aplicar-se a disciplina sem paixão, sem ira e sem ódio, com tal candura e tal sinceridade, que aquele mesmo a quem a aplicamos se aperceba de que a pena disciplinar se lhe aplica para seu bem e que é ditada pelo afeto paterno que lhe dedicam aqueles que o dirigem, e por isso deve receber com o mesmo ânimo com que costuma tomar os remédios receitados pelo médico.” Capítulo XXVI: parágrafo 3

“Não deve empregar-se uma disciplina severa no que se refere aos estudos e às letras, mas apenas nos aspectos ligados aos costumes. Com efeito, se os estudos são adequadamente regulados (como ensinamos já), são, por si mesmos, atrativos para os espíritos, e, pela sua doçura, atraem e encantam a todos (…). Se acontece diversamente, a culpa não é dos alunos, mas dos professores. Mas, se se ignoram os métodos de atrair com arte os espíritos, é sem dúvida, em vão que se emprega a força. (…) Desta prudência dá-nos mostras o próprio sol que, no princípio da primavera, não incide logo sobre as plantas novinhas e tenras, nem, logo desde o princípio, as estreita e queima com o seu calor, mas aquecendo-as pouco a pouco, insensivelmente, fá-las crescer e ganhar vigor; e, finalmente, quando já são adultas e amadurecem os seus frutos e as suas sementes, lança-se sobre elas com toda sua força.” Capítulo XXVI: parágrafo 4

“Um ótimo método de regular a disciplina é-nos ensinado pelo Sol, o qual ministra às coisas que crescem: 1. Sempre luz e calor; 2. Frequentemente, chuva e vento; 3. Raras vezes, raios e trovões, embora estas coisas tenham também a sua utilidade.” Capítulo XXVI: parágrafo 8

“À imitação do sol, o diretor da escola esforçar-se-á por levar a juventude a cumprir o seu dever: I. Com exemplos constantes, mostrando que é um modelo vivo de todas aquelas coisas para as quais os alunos devem preparar-se. Se falta isto, tudo o resto é vão. II. Com palavras de formação, de exortação e de censura, com a condição de que, quer ensine, quer admoeste, quer mande, quer repreenda, mostre sempre bem claramente que faz tudo com amor paternal, com intenção de edificar a todos e não de arruinar seja quem for. Se o discípulo não vê bem claramente este amor e não está dele convencido, facilmente, não só despreza a disciplina, como até se obstina contra ela.” Capítulo XXVI: parágrafo 9

“Esta têmpera das inclinações não pode obter-se com meios diversos daqueles que apontamos já: bons exemplos, palavras carinhosas, amor constantemente sincero e manifesto; somente em casos muito extraordinários, fulminando e trovejando abertamente, mas, mesmo então, sempre com a intenção de que a severidade termine sempre no amor, se é isso possível.” Capítulo XXVI: parágrafo 10

“De modo semelhante, quem resolveu fazer uma pesca de virtudes com a juventude, por um lado, deverá dominá-la pela severidade para a tornar temente, humilde e obediente, e, por outro lado, pela afabilidade, deverá conduzi-la ao amor e ao zelo alegre. Felizes os artífices desta têmpera! Feliz a juventude que tem tais mestres!” Capítulo XXVI: parágrafo 12

 

Comênio: A escola da infância

“É preciso que os meninos tenham perante si exemplos bons e constantes (…). Se formos assim diligentes, com certeza não serão necessárias muitas palavras para instruí-las e nem repreensões para trazê-las à ordem.” Capítulo IX: parágrafo 2

“Uma ocasião adequada para ensinar-lhes com palavras ocorre quando observamos que os exemplos não dão resultados suficientes ou que os meninos não conseguem imitar o exemplo dos outros. (…) O emprego de admoestações prolixas ou discurso extensos acerca de qualquer tema não faz nenhum efeito e as crianças não ganham nada com isso.” Capítulo IX: parágrafo 3

“Porém, logo que se perceber melhoras, será bom, prontamente ou um pouco depois, elogiá-lo pela mudança. Elogios e advertências bem aplicados trazem muitos benefícios não só para os pequenos, mas também para os grandes.” Capítulo IX: parágrafo 4

“Finalmente, para que a afabilidade e a meiguice não sejam irracionais, precisam ser temperadas com a modéstia e a seriedade. É o caso do burro, a quem se refere a fábula que, ao ver um pequeno cão acariciar o dono com o rabo e pular no seu colo quis fazer o mesmo (pois o carinho do burro é burro) e recebeu gratuitamente umas bastonadas. Pode-se contar essa historieta para que as crianças memorizem o que convém a cada um.” Capítulo IX, parágrafo 20

“Com essa preparação, facilmente se consegue que o menino faça uma apreciação alegre e favorável da escola e dos professores, particularmente quando houver uma predisposição natural. E quem começar tão bem já estará na metade do caminho, pois a escola lhe parecerá uma brincadeira e nela fará progressos com prazer.” Capítulo XII: parágrafo 5

 

Quintiliano: Instituição oratória

“Ainda mais, gostaria que houvesse essa preocupação também nos próprios doutores, de modo que alimentem com mais suavidade essas mentes ainda tenras, como fazem as nutrizes, e se disponham a saciá-las com o leite certo de um ensino mais agradável.” Livro II, IV, 5.

“Em vista disso, é preciso evitar particularmente o mestre muito seco para com os meninos, não menos que um solo ressequido e sem qualquer umidade para as plantas ainda tenras.” Livro II, IV, 8.

“Mesmo naquilo que corrijamos como sendo indigno, o uso de demasiada severidade arrefece por vezes a disposição dos meninos; de fato, se desesperam, sofrem e por fim sentem aversão; e o que é mais prejudicial, enquanto tiverem receio de tudo, nada empreendem.” Livro II, IV, 10.

“Portanto, o preceptor deve ser extremamente tão agradável, que os remédios, de outra forma desagradáveis por natureza, sejam suavizados por mão carinhosa.” Livro II, IV, 12.

 

Montessori: A descoberta da criança

“No entanto, deveria o adulto constituir-se, junto à criança, em guia carinhoso e esclarecido, orientando a alma infantil pelo caminho reto e seguro que leva ao Reino dos Céus.” (p. 28)

“Eis outra objeção, muito frequente entre os partidários da escola comum: como manter a disciplina numa classe de crianças completamente livres em seus movimentos?

Inicialmente, convém dizer que é bem outra a nossa concepção de disciplina. A disciplina deve, também ela, ser ativa.” (p. 54)

“Sua liberdade deve ter como limite o interesse coletivo, e como forma aquilo que denominamos educação das maneiras e dos gestos. Devemos, portanto, interditar à criança tudo o que pode ofender ou prejudicar o próximo, bem como todo gesto grosseiro ou menos decoroso. Tudo o mais – qualquer iniciativa, útil em si mesma ou de algum modo justificável – deverá ser-lhe permitido. Mas deverá igualmente ser observada pelo mestre, eis o ponto essencial.” (p. 54-55)

“Eis o ponto de partida indispensável a toda disciplina, e também o período mais cansativo para a mestra. A primeira noção que as crianças devem adquirir em vista a uma disciplina ativa, é a noção do bem e do mal. E é dever da educadora impedir que a criança confunda bondade com imobilidade, maldade com atividade; isto seria retroceder aos antigos métodos de disciplina.

Nosso objetivo é disciplinar a atividade, e não imobilizar a criança ou torná-la passiva.”  (p. 58-59)

“O que importa [à mestra] é um atento espírito de observação, sua visão ao servir, interferir, retirar-se, calar-se, segundo os casos e as necessidades. Deverá adquirir uma habilidade moral que nenhum método, anteriormente, exigiria; habilidade feita de calma, de paciência, caridade e humildade. São as virtudes, e não as palavras, a sua máxima preparação.” (p. 156)

“Será difícil uma preparação ‘teórica’ da mestra. Precisará ‘autoformar-se’, aprender a observar, ser calma, paciente e humilde, conter seus próprios ímpetos. Sua tarefa é eminentemente prática; delicada é sua missão. E tem mais necessidade de um trampolim para sua alma que de um livro para sua inteligência.” (p. 157)

“Efetivamente, em tais casos, a autoridade torna-se como que um ‘sustentáculo’ necessário à criança que, imergindo momentaneamente na desordem, tem necessidade de uma força exterior para equilibrar-se novamente; a criança seria, neste caso, comparável a uma pessoa que certamente cairia, se não houvesse alguém para ajudá-la a manter em equilíbrio. A ajuda consiste, nesse momento, em estender a mão amiga e firme.” (p. 160)

 

Maria Montessori: A formação do homem

“Lembro-me das perguntas concernentes à autodisciplina, do fenômeno surpreendente desses pequeninos que, deixados livres para escolherem suas atividades, de seguirem seus exercícios sem serem perturbados, tornavam-se sábios e silenciosos. (…)

Eles amam o silêncio e o buscam com um verdadeiro prazer.” (p.41)

“Podemos dizê-lo com segurança, graças a quarenta anos de experiência que não cessaram de nos oferecer provas em todos os povos e países do mundo: a autodisciplina é a base fundamental de todos os resultados que obtivemos, como a explosão da escrita e tantos outros que se manifestam seguidamente. O que é necessário é antes obter o funcionamento normal da criança, sua boa ‘saúde’ mental, e depois mantê-la nesse estado a que chamamos de ‘normalização’.” (p. 47)

“Porém, mesmo nesse estágio, enganamo-nos se desejamos corrigir a criança suprimindo diretamente seus defeitos. Só podemos corrigi-la com a ampliação, oferecendo-lhe espaço, dando-lhe meios para dilatar sua personalidade, suscitando nela centros de interesse além do que fazem os demais; caso contrário a empobrecemos mantendo-a próxima a nós.” (p. 49)

 

Lubienska: A educação do homem consciente

“Permitir às crianças falar e mexer-se na classe, sob a condição de não perturbar as demais, como se faz nas classes Montessori; ensinar-lhes a falar com voz átona, eis o melhor meio para evitar as reações violentas, o desregramento e os estouros da gritaria. É preciso para isso bastante espaço, carteiras individuais, e que se fale às crianças naquele tom de voz que se deseja que elas adotem. Numa classe Montessori, não se ouve a voz da professora. Para isso, a Doutora fizera construir em Roma uma escola em que as classes não eram separadas por tabiques, mas unicamente por algumas plantas em vasos, formando uma espécie de cortina de verdura. Se uma professora elevasse a voz perturbaria a vizinha. Isto nunca acontece.” (p.44)

“A experiência me tem provado que a obediência pode tornar-se uma alegria, um repouso, um triunfo, uma libertação.” (p. 46)

“Tenho visto caracteres recalcitrantes abrandarem-se pela dança. Através de uma sensação estética, a dança fizera as crianças compreenderem a beleza da obediência.

Porque obediência não é o mesmo que submissão forçada a uma autoridade arbitrária, mas uma participação consentida às leis da harmonia universal: e eis porque ela satisfaz em nós uma necessidade inata de ordem e beleza.” (p. 48)

“A atividade manual sincronizada com um esforço mental é o remédio soberano contra o desequilíbrio e a agitação.” (p. 93)

“A disciplina não é oposta à liberdade, mas solidária com ela.

O homem só é livre na medida que é disciplinado. Considerai o dançarino, como salta no espaço; o pianista, como os seus dedos voam sobre o teclado; o nadador, como desafia as profundezas do mar.” (p. 97)

“Quem quiser levar as crianças ao recolhimento, deve preocupar-se antes de tudo em pôr em jogo a sua atividade muscular, procurando-lhes ocasião de agir, deslocar-se, adotar atitudes corporais.” (p. 101)

“A liberdade montessoriana não é, pois, licença; ela significa independência. Todo aperfeiçoamento implica uma conquista de independência e consequentemente um desapego dos apoios aos quais se tem recorrido até então.” (p. 151)

 

Lubienska: Silêncio, gesto e palavra

“Entre os estudantes, a loquacidade é devida ao tédio, pois, desde que o trabalho lhes prenda a atenção, por se ter transformado numa investigação pessoal, deixam de tagarelar. Outra causa deste fenômeno é a proibição de falar, pois, logo que lhes é permitido fazê-lo sempre e em qualquer parte, com a única condição de se exprimirem em voz baixa para não incomodar os outros, a tagarelice diminui a olhos vistos.” (p. 20)

“O terceiro elemento é a livre escolha. É o mais difícil de aplicar, o mais contrário à rotina escolar e também o mais importante, pois, sem o livre consentimento individual, o silêncio transformar-se-á em mutismo, a compostura em disciplina militar e o trabalho em escravatura. É preciso levar a criança a amar o silêncio, a disciplina e o trabalho, e isto consegue-se quando ela adquirir o hábito de associar o silêncio com a alegria do repouso, a disciplina com a alegria do movimento harmonioso e o trabalho com a alegria da descoberta. A escolha consiste na possibilidade de se juntar à atividade ordenada da classe ou de se manter à parte, sem nada fazer. Uma única coisa é proibida: perturbar os outros.” (p. 27)

“Nas nossas escolas, o trabalho é individual. As lições teóricas ou os exercícios de destreza são sempre precedidos por um invitatório quase litúrgico: ‘Aqueles que quiserem prestar atenção venham cá… os outros podem ficar onde quiserem, contanto que não incomodem ninguém’. Na realidade, é raro que alguém não aceda a este convite, pois as lições são interessantes e os exercícios atraentes.

Nestas condições, a disciplina não se opõe à liberdade, mas dá-lhe uma forma ordenada.” (p. 28)

 

Cena 10: A bandeira

Comênio: Didática Magna

“(…) nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais atrativo e mais sólido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confusão, menos dissídios, e mais luz, mais ordem, mais paz e mais tranquilidade.” [Página de abertura]: segundo parágrafo

“Nós ousamos prometer uma Didática Magna, isto é, um método universal de ensinar tudo a todos. (…) E de ensinar rapidamente, ou seja, sem nenhum enfado e sem nenhum aborrecimento para os alunos e para os professores, mas antes com sumo prazer para uns e para outros.” Saudações aos leitores, 3

“É por isso que, com razão, peço aos meus leitores, mais ainda, em nome da salvação do gênero humano, suplico a todos aqueles que tiverem ocasião de lançar um olhar sobre a minha obra: primeiro, que não imputem à presunção o fato de ter havido alguém que, não apenas tenha tentado, mas ousado prometer levar a bom termo tão grande empresa, pois esta foi empreendida com um objetivo salutar. Segundo, que não desesperem se a experiência não resultar logo ao primeiro ensaio, e não der completamente os resultados desejados. É necessário, com efeito, que primeiro germinem as sementes das coisas; estas virão a seguir, gradualmente, segundo sua natureza.” Saudações aos leitores: parágrafo 7

“O meu Cristo sabe que tenho um coração tão simples que não há para mim diferença alguma entre ensinar e ser ensinado, advertir e ser advertido, entre ser mestre dos mestres (se me é lícito falar assim) e discípulo dos discípulos (se acaso posso esperar algum progresso).” Didática Magna. Saudação aos leitores, parágrafo 21

“Se, depois, nessa luz, notares qualquer falta de luz, ainda que mínima, completa-a tu, ou esclarece-a, ou adverte para que possa ser esclarecida: muitos olhos veem mais que um.” A todos aqueles: parágrafo 35

“A natureza não dá saltos, mas procede gradualmente.” Capítulo XVI: parágrafo 46

“A escola deve estar num local tranquilo, afastado dos ruídos e das distrações.” Capítulo XVI: parágrafo 56.II

“Se observarmos as pegadas da natureza, torna-se-nos evidente que a educação da juventude se processará facilmente, se: (…) VI. Se em tudo se proceder lentamente.” Capítulo XVII: parágrafo 2.VI

“Deve inflamar-se, de qualquer modo, nas crianças, o desejo ardente de saber e de aprender.” Capítulo XVII: parágrafo 13.I

 “O desejo ardente acende-se e favorece-se nas crianças, pelos pais, pelos professores, pela escola, pelas próprias coisas, pelo método e pelas autoridades civis.” Capítulo XVII: parágrafo 14

“A própria escola deve ser num local agradável, apresentando, no exterior como no interior, um aspecto atraente. No interior, deve ser um edifício fechado, bem iluminado, limpo, todo ornado de pinturas, quer sejam retratos de homens ilustres, quer sejam cartas geográficas, ou recordações históricas, ou quaisquer baixos-relevos. No exterior, adjacentes à escola, deve haver, não só um pedaço de terreno destinado a passeios e a jogos (que, de quando em quando, não devem negar-se às crianças, como veremos dentro em breve), mas também um jardim aonde, em certos momentos, os alunos deverão ser conduzidos para recrearem os olhos com a vista das árvores, das flores e das plantas. Se se tiver isto em consideração na construção das escolas, é provável que as crianças vão à escola não menos gostosamente que quando vão a qualquer feira ou espetáculo, onde esperam ver e ouvir sempre qualquer coisa de novo.” Capítulo XVII: parágrafo 17

“Daqui para o futuro, portanto: I. Ao começar-se seja que estudo for, desperte-se um amor sério por ele nos alunos, por meio de argumentos tirados da excelência, da utilidade, do encanto e de qualquer outro aspecto da matéria a estudar.” Capítulo XVIII: parágrafo 16.1

“Portanto, para ensinar as artes e as línguas, como livros fundamentais devem escolher-se ou fazer-se de novo volumes de pequeno tamanho e de notável utilidade, que exponham as coisas sumariamente, ou seja, muitas coisas em poucas palavras (como adverte o Eclesiástico, 32, 8) (…).” Capítulo XIX: parágrafo 40

“Efetivamente, sendo vós chamados ‘a plantar os céus e a fundar a terra’ (Isaías, 51, 16), poderá acontecer-vos coisa mais agradável que ver o fruto abundantíssimo das vossas vigílias? Que esta vossa celeste vocação, assim como a confiança em vós depositada pelos pais, entregando-vos os seus filhos, seja como que um fogo na medula dos vossos ossos que vos não dê a paz e, por meio de vós, também aos outros, até que o fogo desta luz, inflame e ilumine brilhantemente toda a nossa pátria.” Capítulo XXXIII: parágrafo 12

  

Quintiliano: Instituição oratória

            “Se o conhecimento delas [dessas orientações] não for de grande utilidade aos jovens estudiosos, pelo menos desperte com certeza a disposição de praticá-las, que é o que mais almejamos.” Livro XII, XI, 31.

 

Montessori: A descoberta da criança

“Toda vitória e todo progresso humano repousam na força interior.” (p. 30)

 “Basta aplicar estes princípios para ver nascer na criança uma calma bem característica.” (p. 63)

“Se a escola possuir um jardim anexo, serão também programadas, entre as ocupações da vida prática, o cuidado dos canteiros, o cultivo das plantas ou a colheita de frutas que forem amadurecendo, etc.” (p. 92)

Quando a criança pronuncia os sons das consoantes, experimenta um prazer irreprimível: é para ela uma novidade essa série de sons tão variados, ocultos sob sinais enigmáticos – as letras do alfabeto. E o mistério provoca um indizível interesse.” (p. 213)

“Este tríplice exercício acaba por fixar a imagem mediante o sinal gráfico. A criança triplica seus conhecimentos em muito menos tempo do que poderia ter feito por outros meios.” (p. 218-219)

 

Lubienska: A educação do homem consciente

“A criança de hoje é esmagada pelo barulho: seus nervos, cérebro e sensibilidade são objeto de inúmeras excitações. Ela vive na dissipação. Por isso, ao se encontrar num ambiente calmo, dir-se-ia ter achado uma pátria: desenvolve-se, reencontra o próprio equilíbrio e seus defeitos desaparecem como por encanto.” (p. 245)  

 

Lubienska: Silêncio, gesto e palavra

“Se atualmente é difícil compreender com clareza em que consiste o espírito de infância, é porque, no mundo artificial de hoje, a própria natureza da criança é artificial. É preciso ir até aos pequenos pastores da montanha ou às aulas em que os professores se calam, como nas nossas, para ver como as crianças de todas as idades podem ser calmas, graves e atentas.” (p. 66)

 

Descobrir os erros

Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos

 

Na peça Muitas coisas, poucas palavras, Comênio é sempre afirmativo, indicando um caminho.

Na Didática Magna, entretanto, Comênio também apresenta profundas críticas aos métodos pedagógicos, à escola e aos professores, descobrindo os erros da mesma maneira como descobre as soluções – com palavras simples, sólidas, breves, essenciais.

Logo na abertura da Didática Magna, o autor faz uma crítica profunda e muito bem humorada:

Que a proa e a popa da nossa didática sejam: buscar e encontrar um método para que os docentes ensinem menos e os discentes aprendam mais.

Ao propor que os professores “ensinem menos”, o autor está criticando uma concepção de ensino baseada exclusivamente na exposição verbal. Na proposta comeniana, o ensino envolve ambiente, materiais, experimentações, movimentos corporais, diálogo – e só depois entra em cena uma breve exposição verbal.

É fundamental avaliar objetivamente os erros do passado:

Resta-nos apenas uma coisa, uma só coisa é possível: que tudo aquilo que pudermos fazer em proveito dos nossos vindoiros, o façamos, ou seja, demonstrado em que erros nos lançaram os nossos professores, lhes mostraremos o caminho de evitar esses erros. Capítulo XI: parágrafo 14

A crítica aos métodos começa ao avaliar a sua própria trajetória escolar:

Mas, afinal, que necessidade há de procurar testemunhos? Quantos de nós, terminados os estudos, saímos das escolas e das academias, apenas com umas vagas tintas de uma verdadeira cultura! Eu próprio, mísero homúnculo, sou um desses muitos milhares que passaram e gastaram miseravelmente a ameníssima primavera da vida e os anos florescentes da juventude nas banalidades da escola. Ah! Quantas vezes, mais tarde, quando comecei a ver as coisas um pouco melhor, a recordação do tempo perdido me arrancou suspiros do peito, lágrimas dos olhos e gritos de dor do coração. Capítulo XI: parágrafo 13

Com um certo humor, Comênio parte de uma análise precisa e uma crítica severa:

Quase sempre, o professor toma o aluno tal qual o encontra, e começa logo a torneá-lo, a batê-lo, a cardá-lo, a tecê-lo, a modelá-lo a seu modo, pretendendo que ele se torne imediatamente uma beleza, uma joia; e, se o não consegue logo (e como seria possível consegui-lo?), enche-se de ira, indigna-se, enfurece-se. E havemos de admirar-nos que haja quem critique e fuja de semelhante método de educação? Devemos antes admirar-nos que haja ainda quem se entregue a tais educadores. Capítulo XII: parágrafo 17

A seguir, você encontrará outras citações em que Comênio se dedica a apontar esses erros. Reuni essas críticas para que você possa compreender melhor as ideias do autor e também porque muitos desses erros continuam presentes na vida da escola – em maior ou menor profundidade e em maior ou menor amplitude.

 

Comênio: Didática Magna

“Didática significa arte de ensinar. Acerca desta arte, desde há pouco tempo, alguns homens eminentes, tocados de piedade pelos alunos condenados a rebolar o rochedo de Sísifo, puseram-se a fazer investigações, com resultados diferentes.” Saudação aos leitores: parágrafo 1

“Comecei, na verdade, a esperar que a Providência divina não fazia coincidir em vão todos esses infortúnios, uma vez que, à ruína das velhas escolas correspondia, ao mesmo tempo, a eclosão de escolas novas no quadro de projetos novos.” Saudação aos leitores: parágrafo 11

“Além disso, na educação da juventude, usou-se quase sempre um método tão duro que as escolas são consideradas como os espantalhos das crianças, ou as câmaras de tortura das inteligências. Por isso, a melhor e a maior parte dos alunos, aborrecidos com as ciências e com os livros, preferem encaminhar-se para as oficinas dos artesãos, ou para qualquer outro gênero de vida.” Capítulo XI: parágrafo 7

“Àqueles que ficam na escola (…), a esses, ministra-se uma cultura, é certo, mas sem a seriedade e a prudência necessárias, anacrônica e má sob todos os aspectos.” Capítulo XI: parágrafo 8

“De modo a reter os estudantes durante cinco, dez, ou mais anos, em coisas que a mente humana é capaz de aprender em um ano. O que se poderia inculcar e infundir suavemente nos espíritos, é neles impresso violentamente, ou melhor, é neles enterrado e ensacado.” Capítulo XI: parágrafo 9

“Deixo de lado que, nas presentes circunstâncias, quase nunca os espíritos são alimentados com coisas verdadeiramente substanciosas, mas, na maior parte dos casos, são atulhados com palavras ocas (palavras de vento e linguagem de papagaio) e com opiniões que pesam tanto como a palha e o fumo.” Capítulo XI: parágrafo 10

“Portanto, se tão poucos chegam à sumidade do saber, embora muitos para lá se encaminhem com ânimo ardente e valoroso, e, se aqueles que chegam até certo ponto, o não conseguem senão à custa de fadiga, de angústia, de cansaço e de vertigens, tropeçando e caindo muitas vezes, isso não quer dizer que para a inteligência humana haja qualquer cume inacessível, mas que os degraus não estão bem dispostos e que são curtos, gastos e arruinados, ou seja, que o método é confuso.” Capítulo XII: parágrafo 15

“Nas escolas, peca-se de dois modos, contra este fundamento: I. Não aproveitando o momento favorável para exercer as inteligências. II. Não organizando cuidadosamente os exercícios de modo a que eles se desenrolem todos, pouco a pouco, segundo uma regra fixa.” Capítulo XVI: parágrafo 3

“Contra este fundamento, pecam as escolas: Primeiro, porque não se preocupam em ter sempre preparados todos os utensílios – livros, quadros, mapas, amostras, modelos, etc. – para deles se servirem quando for preciso, mas só quando esta ou aquela coisa é precisa, só então a procuram, a fazem, ou a ditam, ou a copiam, etc.; e todas as vezes que o professor inexperiente ou negligente (e a raça destes é sempre mais numerosa) se encontra nestes casos, procede de um modo que é digno de dó, precisamente como um médico que, todas as vezes que tivesse de ministrar um remédio, corresse de cá para lá, através dos jardins e das florestas, à procura de ervas e de raízes, as cozesse, as destilasse, etc., quando era indispensável que tivesse à mão os remédios apropriados para cada caso.” Capítulo XVI: parágrafo 13

“Por exemplo: uma ave não põe no ninho uma coisa qualquer para chocar, mas um objeto tal que seja possível sair dele uma avezinha, ou seja, põe lá um ovo. Se no ninho cai qualquer pequena pedra ou outro objeto qualquer, lança-o fora, como coisa inútil. Chocando a matéria contida no ovo, mantém-na quente, revira-a e forma-a até que esteja apta para sair do ovo.” Capítulo XVI: parágrafo 20

“Mas, que é a confusão, se não é isto a confusão? É como se se metesse na cabeça de um sapateiro, fazer, ao mesmo tempo, seis ou sete pares de sapatos, e ora pegasse neles todos, um após o outro, ora os pusesse de parte. Ou como se um padeiro, ora metesse no forno alguns pães, ora os tirasse de lá, de tal modo que fosse necessário que cada pão fosse metido e tirado do forno muitíssimas vezes. Mas quem, de entre eles, é tão louco assim? O sapateiro, antes de terminar um par de sapatos, não começa outro. O padeiro, antes que os pães estejam cozidos, não mete no forno outra fornada.” Capítulo XVI: parágrafo 30

“Igualmente, a árvore alimentada com o alimento da chuva ou nutrida pela seiva do terreno, não extrai essas substâncias através da casca, mas alimentando-se através dos poros das suas partes internas. É por isso que o jardineiro não costuma regar os ramos, mas as raízes. E os animais não ministram os alimentos aos membros exteriores, mas ao estômago, que os prepara e os envia para todo o corpo.” Capítulo XVI: parágrafo 35

“Erram, portanto, aqueles professores que querem realizar a formação da juventude que lhes foi confiada, ditando muitas coisas e mandando-as aprender de cor, antes de as terem explicado devidamente. Erram também aqueles que querem explicar, mas não sabem como, ou seja, não sabem como descobrir, pouco a pouco, a raiz, e nela enxertar os garfos das coisas ensinadas. E precisamente por isso estragam os alunos, como se alguém, para fazer uma fenda numa planta, em vez de uma faca, utilizasse uma bengala ou um bate-estacas.” Capítulo XVI: parágrafo 36

“Age-se desasadamente todas as vezes que, nas escolas, se ensina o desconhecido por meio do igualmente desconhecido (…).” Capítulo XVII: parágrafo 27

“Foi, portanto, uma autêntica carnificina para os jovens: 1. retê-los todos os dias, durante seis, sete e até oito horas, em lições públicas e exercícios, e ainda, durante algum tempo, em lições particulares; 2. obrigá-los a ouvir exposições didáticas, a compor exercícios e a atulhar a memória com uma multidão de coisas, até à náusea, ou mesmo até o delírio, como muitas vezes nós próprios vimos.” Capítulo XVII: parágrafo 34

“Confunde, portanto, a juventude e torna os estudos excessivamente intrincados, a variedade do método, ou seja, o fato de, não só diversos autores ensinarem as artes de modo diverso, mas até de um e o mesmo ensinar de modo diverso.” Capítulo XVII: parágrafo 47

“As lamentações de muitos e os próprios fatos atestam que são poucos os que trazem da escola uma instrução sólida, e numerosos os que de lá saem apenas com um verniz ou uma sombra de instrução.” Capítulo XVIII: parágrafo 1

“Se procurarmos as causas disso, encontramos duas: ou porque as escolas, descurando as coisas mais importantes, se ocupam de banalidades e de frivolidades; ou então porque os alunos, tendo passado a correr por cima de muitas matérias, mas não se tendo detido demoradamente em nenhuma delas, voltaram a desaprender aquilo que haviam aprendido.” Capítulo XVIII: parágrafo 2

“Até aqui, as escolas não se têm proposto realmente como objetivo habituar os espíritos a irem buscar o vigor às próprias raízes, como fazem as árvores, mas têm-lhes ensinado apenas a munirem-se de pequenos ramos arrancados de outro lugar, e, assim, a enfeitarem-se com as penas dos outros, como o corvo de Esopo; e têm-se esforçado, não tanto por cavar a fonte da inteligência neles escondida, como por irrigá-la com águas alheias. Isto é, não lhes têm mostrado as próprias coisas, como é que elas são por si e em si, mas que é que, acerca disto ou daquilo, pensou ou escreveu este ou aquele, um terceiro ou até um décimo autor; a tal ponto que chegou a pensar-se que a máxima erudição consistia em saber de cor opiniões discrepantes de muitos autores acerca de muitas coisas. Daí que muitos não se ocuparam senão em respigar, de vários autores, frases, sentenças, e opiniões, construindo uma ciência que não passava de uma manta de retalhos.”  Capítulo XVIII: parágrafo 23

“Mas, por amor de Deus, que interessa distrair-se com as opiniões emitidas por vários autores acerca das coisas, quando o que se procura saber é como são verdadeiramente as coisas em si mesmas?” Capítulo XVIII: parágrafo 24

“Faltava o processo de instruir ao mesmo tempo todos os alunos da mesma classe, fazendo-se um esforço inaudito para os instruir um por um. E, se acaso os alunos eram muitos, acontecia que os professores tinham um trabalho de burro de carga, e os alunos, ou tinham muitas ocasiões de ócio inútil, ou, se lhes davam algum trabalho a fazer, faziam-no com tédio e aborrecimento.” Capítulo XIX: parágrafo 8

“Efetivamente, se não se oferecerem ao aluno aquelas coisas que ele deve saber, de onde as virá a saber? Abstenham-se, portanto, os professores de manter qualquer coisa escondida dos alunos, quer intencionalmente, como fazem habitualmente os invejosos e os desleais, quer por negligência, como costumam fazer aqueles que querem terminar o seu trabalho o mais cedo possível.” Capítulo XX: parágrafo 15.I

“Por isso, Timóteo, professor de música, fazia pagar as lições pelo dobro aos alunos que haviam já estudado os rudimentos daquela arte com outros professores, dizendo que isso implicava para ele uma duplicação de trabalho, pois primeiro tinha de fazer desaprender aquilo que haviam aprendido mal, e depois ensinar-lho bem.” Capítulo XXI: parágrafo 12

“Desde há mais de cem anos, espalhou-se uma grande quantidade de lamentações sobre a desordem das escolas e do método, e, sobretudo nos últimos trinta anos, pensou-se ansiosamente nos remédios. Mas com que proveito? As escolas permanecem tais quais eram. Se alguém, particularmente, ou em qualquer escola particular, começou a fazer qualquer coisa, pouco adiantou: ou foi acolhido pelas gargalhadas dos ignorantes, ou coberto pela inveja dos malévolos, ou então, privado de auxílios, sucumbiu ao peso dos trabalhos; e, assim, até agora, todas as tentativas têm resultado vãs.” Capítulo XXXIII: parágrafo 2

“Sobretudo, parece serem de temer os pseudossábios, cujo coração se compraz na rotina dos velhos hábitos e que olham tudo quanto é novo com um franzir de sobrancelhas e uma pertinaz relutância”.  Capítulo XXXIII: parágrafo 7

 

Comênio: A escola da infância

“Todavia essa candura praticamente desapareceu com o decorrer do tempo e, em vez de prazer e lazer, as escolas passaram a significar prisão e tortura para a juventude, especialmente quando as crianças estão entregues a pessoas incompetentes, minimamente instruídas na sabedoria e bondade divinas, inutilizadas pela preguiça, sórdidas, dando mau exemplo e que, passando-se por professores e preceptores, vendem-se por dinheiro.” Capítulo III: parágrafo 6

“A esse respeito, não posso aqui deixar de censurar severamente o afeto simiesco e asinino de certos pais para com seus filhos: fecham os olhos para tudo e deixam-nos crescer sem nenhuma disciplina e correção. Toleram e perdoam todo tipo de desatino que eles cometem: correr em todas as direções, gritar, esbravejar, chorar sem nenhum motivo, responder atrevidamente aos mais velhos, ficar irado, mostrar a língua para os outros, agindo como se tivessem licença para isso. Crianças, dizem, não devem ser contrariadas, pois elas ainda não entendem isso! Mas és tu que estás agindo como criança estúpida! Pois se percebes que há algum problema com a inteligência da criança, por que não cuidas disso?” Capítulo IX : parágrafo 5

 

 

 

 

 

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