Literatura Portuguesa: uma conversa com Susana Ventura
A Editora Peirópolis chega em 2012 – Ano de Portugal no Brasil – com o mais significativo catálogo de literatura portuguesa infantil e juvenil publicado no país. Esse trabalho, construído com a participação de grandes escritores e especialistas, recebe agora a contribuição de Susana Ventura, doutora em literatura comparada na área de literaturas de língua portuguesa.
Susana é a responsável pelos textos e organização do Catálogo de Literatura Portuguesa da editora, intitulado Viagem pela Literatura Portuguesa – Leituras sugeridas, apresentado ao público em evento comemorativo do Ano de Portugal no Brasil (Casa das Rosas, São Paulo, março de 2012) e no Seminário de Literatura Infantil e Juvenil da FNLIJ (Rio de Janeiro, abril de 2012).
Simultaneamente ao lançamento do catálogo, a Editora Peirópolis lançou também o livro Convite à navegação – Uma conversa sobre literatura portuguesa, um panorama histórico da formação da língua e da literatura portuguesas traçado por Susana Ventura de forma a unir “sabor e saber”, como ela mesma destaca na apresentação do catálogo. Ambas as publicações têm ilustrações e projetos gráficos de Silvia Amstalden.
Em seguida publicamos entrevista com a autora, em que ela fala sobre seu trabalho e sobre as relações literárias entre Brasil e Portugal. Confira também a repercussão do trabalho realizado pela Editora Peirópolis com a literatura portuguesa na página do clipping do livro Convite à navegação, onde se encontra link para entrevista concedida por Susana Ventura à Rádio MEC.
Literatura portuguesa: uma conversa com Susana Ventura
Convite à navegação – uma conversa sobre literatura portuguesa é um livro bastante singular na sua forma de aliar a história de um país ao desenvolvimento de sua língua e literatura. Você poderia nos contar um pouco sobre como nasceu esse projeto e o que você buscou oferecer aos leitores brasileiros?
O projeto nasceu de um convite da editora Renata Borges, da Peirópolis, para pensar na organização e complementação de seu catálogo de literatura portuguesa, que vinha sendo construído há alguns anos com a ajuda de vários especialistas. Ao examinar os livros e indicar novos títulos, pensei no modo como eu mesma tivera um contato mais profundo com a Literatura Portuguesa: no Ensino Médio, cujo programa inicial começava com o Trovadorismo galego-português. Pensei então, diante do belo material que tinha nas mãos – quase vinte títulos dos mais variados, arrojados e interessantes – que valia a pena ter uma bela conversa sobre as origens da língua, literatura e cultura portuguesas – origens que estão ligadas à História da Península Ibérica e formação de Portugal e Espanha. Uma História cheia de aventura e emoções. Assim nasceu o texto do Convite à navegação. Depois do texto, graças à aposta editorial feita pela Editora Peirópolis, o trabalho de uma equipe de profissionais de múltiplos talentos, aliado ao primoroso projeto gráfico e às ilustrações de Sílvia Amstalden, resultou no livro que estamos lançando agora.
O trovadorismo galego-português é um importante tema do seu livro, grafado no original de seu tempo. Qual a importância de conhecermos essa expressão, e por que a opção de apresentá-la na forma original?
O galego-português, idioma que nasceu no Norte da Península Ibérica, chegou até nós porque foi eternizado como língua literária pelos trovadores e jograis, que viveram, compuseram e atuaram na Península Ibérica desde o final do século XII. As cantigas de amor, amigo, escárnio e maldizer falam de sentimentos, modos de ver a vida e situações que ainda hoje nos dizem respeito. Quando dizemos “eu amo, e se a pessoa amada apenas olhasse para mim, eu já me sentiria maravilhosa”, estamos ligados a concepções do amor de tantos séculos atrás. A opção no meu livro foi grafar as cantigas em galego-português e explicar em notas os termos menos transparentes ao leitor de hoje porque, entre outras coisas, aqueles poemas nasceram para serem cantados e/ou dançados: eram letra e música, e ao não modernizá-los, pensei em preservar a musicalidade da palavra. Gostarei bem de saber o que acharão os leitores dessa opção.
São de sua autoria, também, os textos do Catálogo de Literatura Portuguesa que a Editora Peirópolis lança juntamente com seu Convite à navegação. Que lugar esse catálogo ocupa no mercado editorial brasileiro atual?
Com 28 títulos, ele é, com certeza, o mais amplo catálogo de literatura portuguesa destinada a crianças, jovens, professores e adultos que temos hoje no mercado editorial brasileiro. Como foi um trabalho de vários anos, que um elenco notável de profissionais e leitores apaixonados ajudou a construir, tem sido um prazer ajudar a complementar como consultora um trabalho em que antes estiveram envolvidos Nelly Novaes Coelho, Bartolomeu Campos de Queirós e Denyse Cantuária, entre outros. O elenco de livros é realmente representativo da Literatura Portuguesa, e os textos do atual Catálogo de Literatura Portuguesa da Peirópolis, que recebeu o nome de Viagem pela Literatura Portuguesa – Leituras sugeridas, buscam conectar os conhecimentos um tanto dispersos sobre o tema que normalmente têm os professores, bibliotecários, livreiros.
Impressiona a quantidade de obras contemporâneas presentes neste catálogo e o quanto nós, brasileiros, desconhecemos esses autores e sua literatura. A que você atribuiria esse desconhecimento?
Enquanto Portugal se manteve historicamente observando, com bastante interesse e proximidade afetiva, a produção cultural brasileira – notadamente a música popular e a cultura veiculada pelas produções televisivas, mas também a literatura brasileira, especialmente a produzida por autores de maior engajamento político –, o Brasil se desligou da maior parte do que foi produzido em Portugal nas últimas décadas pelo menos. Diria que, na área da literatura – que é o que importa mais abordar nesse momento – um hiato separa em nosso imaginário o ícone Fernando Pessoa do próximo escritor português que desperta grande interesse: José Saramago. De alguns anos para cá, ainda falando somente sobre literatura, um número maior de boas edições brasileiras da obra de autores portugueses e o trabalho incessante dos professores de literatura portuguesa, especialmente nos cursos de Letras, levaram ao despertar de interesse por nomes notáveis como Agustina Bessa-Luís, Sophia de Melo Breyner Andresen, Lídia Jorge, Lobo Antunes, Teolinda Gersão, e, mais recentemente, Dulce Maria Cardoso, Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, Inês Pedrosa. Este movimento traz uma complementação ao conhecimento de autores com os quais o público leitor brasileiro está há muito tempo familiarizado por fazerem parte há muitas décadas do currículo escolar, como Gil Vicente, Padre Antonio Vieira, Eça de Queirós e, sobretudo, Fernando Pessoa.
E quanto à presença da literatura brasileira em Portugal? Há espaço atualmente para a divulgação de nossos autores lá?
Sim, o espaço existe e também tem crescido muito, em anos recentes, o interesse pela produção contemporânea de literatura brasileira. Também há uma demanda forte pelo conhecimento da literatura brasileira destinada às crianças e jovens. Prova disso são eventos como a I Jornada Luso-Brasileira de Literatura para Crianças e Jovens (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2010) e o Colóquio Internacional de Literaturas de Língua Portuguesa para Crianças e Jovens (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011).
Você tem trabalhado em muitos projetos que fazem a ponte entre Brasil e Portugal. Neste sentido, o que mais podemos esperar do “Ano de Portugal no Brasil”?
Com o “Ano do Brasil em Portugal”, previsto para ocorrer simultaneamente ao “Ano de Portugal no Brasil”, creio que teremos uma ótima oportunidade de mostrar mais da literatura brasileira em Portugal. Acredito que esses dois eventos poderão proporcionar uma ampliação de nosso conhecimento mútuo e um contato direto com o muito que tem sido realizado por Portugal nas últimas décadas, especialmente na área de literatura, que no panorama mundial se destaca como das mais notáveis do século XX e deste recém iniciado século XXI.
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