Henriqueta Lisboa: entrevista a Edla Van Steen (1984)
ENTREVISTA A EDLA VAN STEEN
(1984)
Você se incomodaria de falar da sua infância em Lambari? Um de seus versos diz “e volta sempre a infância com suas íntimas, fundas amarguras”.
A leitura total do poema explicaria o motivo dessa queixa: a morte de uma irmãzinha e a tristeza que invadiu a casa geralmente alegre e barulhenta de uma família numerosa e unida. Apesar de extremamente sensível, tive infância normal. Minha mãe era muito imaginativa e cultivava as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade; meu pai, muito inteligente, reunia as quatro virtudes cardeais: justiça, prudência, temperança e fortaleza. Da escola primária conservo preciosas lembranças, principalmente da minha professora Helvina Xavier Moreira, que me despertou o gosto pela poesia, lendo com entusiasmo e fazendo-me decorar Raimundo Correia e Fagundes Varela. A esse tempo, o desenho me fazia vibrar, e o desejo de tocar violino me acalentava. Mas a leitura dos poetas prevalecia. Então comecei a contar sílabas, a buscar rimas, a valorizar o estudo da língua pátria, a rabiscar meus primeiros versos, aí pelos nove anos. Sem a menor pretensão, é claro. Simples exercício.
Que lembranças tem da adolescência em Belo Horizonte? Sabe-se que era muito tímida. O que gostava de ler?
Adolescente, só estive em Belo Horizonte a passeio. Talvez fosse um tanto calada, por temperamento ou hábito adquirido no internato. Na capital mineira, onde passaria a residir mais tarde, fiz algumas amizades, encantei-me com a natureza e com as praças repletas de flores. Dessas impressões resultaram meus primeiros sonetos, publicados por José Osvaldo de Araújo. De modo geral, a adolescência, tempo de esfumaturas e vaguezas, é uma fase difícil, por falta de ajustamento entre o sonho e a realidade. Quando se recebe educação rigorosa, com o fortalecimento do caráter, a sensibilidade se torna mais vulnerável diante do cotidiano. Terminado o curso secundário no Colégio Sion, de Campanha, onde frequentara clássicos portugueses e franceses, passei a ler românticos, parnasianos e simbolistas do Brasil, de Portugal e França. Impressionou-me de maneira especial o nosso Alphonsus de Guimaraens. Em prosa, o livro que mais me calou no espírito foi Motivos de Proteu, de J. Enrique Rodó, ensaio habitado de largo sopro poético. Para mim, ele foi o “pensador” de Rodin, mergulhado na vida interior da humanidade.
Quando começou realmente a sentir vocação para a literatura?
Não houve linha divisória nem estalo de Vieira. Fui percebendo, aos poucos, que a criatura humana acusa dupla vocação: a de conhecer-se introspectivamente e a de travar relações com o mundo exterior – a natureza em geral, os semelhantes em particular. Compreendi, paulatinamente, o valor da linguagem, seja no sentido do verbo, seja na sistematização de sinais capazes de revelar o subjetivo. Som, movimento, cor, linha e forma seriam meios de compreensão, interpretação e irradiação de vida, perfazendo música, dança, poema, desenho, pintura e escultura, sob a égide da poesia, considerada elemento essencial e aura propulsora. Então, era prosseguir no rumo que intuitivamente me havia traçado. Concentrei cuidados na área da expressão vocabular, compulsando novos poetas, estudando outros idiomas, consultando dicionários, o que ainda hoje faço, com empenho e proveito.
Depois a família se mudou para o Rio, quando seu pai era deputado federal. Gostaria de falar nisso?
A vida no Rio foi a descoberta dos grandes espetáculos, sobrelevando-se o teatro de Pirandello pela força dramática; a harmonia do balé russo com Serge Lifar; o misticismo da raça negra na voz de Marian Anderson; as conferências na Academia Brasileira de Letras; o curso de literatura francesa de Gustave Lanson; o encontro dos poetas no salão de Ângela Vargas; os recitais de Margarida Lopes de Almeida, incluindo poemas de minha lavra; as recepções de Ana Amélia e Marcos Mendonça; a vizinhança de Basílio de Magalhães, colega e amigo de meu pai, conselheiro de grande erudição, o qual se interessou pelos meus trabalhos, me incentivou o gosto pelo folclore e pela literatura hispano-americana, da qual vim ser professora catedrática na Faculdade de Letras Santa Maria. Naquela ocasião colaborei em revistas e jornais como O Malho, Revista da Semana, A Manhã e
O Jornal, onde meus textos eram ilustrados por Santa Rosa.
O que significava na época a sua decisão de ser poeta? As mulheres escreviam tão pouco…
Minha decisão de escrever significava tomada de consciência, sempre mais nítida, de que eu tinha uma vocação e que a ela devia corresponder. De fato, o ofício de poetar não era encontradiço entre as mulheres. Tinha havido Francisca Júlia; havia, entre outras, Gilka Machado e Cecília Meireles. A esta conheci pessoalmente no Rio: distinta, graciosa, iluminada, possuidora de sólida cultura. Mais tarde nos tornamos amigas, quando ela veio por duas vezes a Belo Horizonte para fazer conferências sobre literatura infantil, tendo causado brilhante impressão a todo o auditório. Tenho muito carinho pela sua obra e guardo as cartas que me escreveu ao longo de vários anos.
Você foi influenciada por autores estrangeiros? Quais os poetas de que mais gostava?
Influência de autores estrangeiros não sei se a recolhi, embora sinta predileção antiga e renovada por simbolistas franceses, românticos ingleses, místicos espanhóis, medievais portugueses, Dante, Leopardi, Hölderlin, Rilke, Tagore, sem falar nos mais modernos como Ungaretti e Jorge Guillén, com os quais sinto muita afinidade. Também me foram proveitosas as reflexões de Santo Agostinho, Schiller, Emerson, Alain. Sempre me pareceu que a obra alheia serve de exemplo, porém não de modelo, uma vez que a poesia corresponde a um pulsar de veia, é presença viva de sensibilidade, objeto oriundo de uma intuição individual e determinação intransferível. Mas é claro que todo escritor da nossa dileção nos faculta um ensinamento, um lampejo, uma dádiva.
Seu primeiro livro saiu apenas em 1929. Por quê? Não tinha coragem de publicar?
Embora estimulada, principalmente pela opinião de Augusto de Lima, pensava de preferência em melhorar, em progredir. Além disso, sabia das dificuldades dos jovens colegas, com vistas a editoras, e não me animava a onerar meu pai com despesas extras, o que afinal veio a acontecer devido à sua boa vontade.
Como foi recebida a sua poesia, com tanta renovação pregada pela Semana de 22? Vinicius de Moraes, Augusto F. Schmidt, Mário Quintana e muitos outros continuaram fiéis a si mesmos…
Não imaginava que meus trabalhos pudessem frutificar. Surpreendeu-me a ressonância feliz, com a aprovação da crítica e atribuição do prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras ao Enternecimento. Com a responsabilidade acrescida, passei a observar os aspectos da renovação, preconizada pela Semana de Arte Moderna, seus postulados, suas tendências e manifestações já menos explosivas. Persuadi-me, então, de que “o direito permanente à pesquisa estética” seria a mais bela conquista do escritor. Sem ruptura de convicções já arraigadas e sem deixar de ser fiel a mim mesma, senti que o desenvolvimento de novas experiências nos levaria a uma provável evolução. De fato, o Movimento Modernista superou as normas estabelecidas através do espírito de abertura, tão favorável à criatividade. Fui indo devagar e beneficiei-me de algumas sugestões propostas, ainda hoje vigentes.
Nos idos de 1930 e 40 era muito difícil publicar livros, não era?
Os consagrados logravam o interesse das editoras; os principiantes, como é natural, buscavam lugar ao sol, cada qual à sua maneira, mais ou menos como nos dias de hoje, preparando tiragens reduzidas, quase sempre fora de comércio. O problema persiste e não é apenas nosso. Basta lembrar um ensaio de Guillermo de Torre, de 1969, “Miseria de los poetas y esplendor de la poesía”, no qual se verificam dificuldades idênticas na Espanha, França, Itália e até mesmo nos Estados Unidos. As causas são múltiplas e intrincadas. Não se pode prescrever a renúncia do escritor, nem exigir o desprendimento do editor, nem obrigar a receptividade do leitor.
Azul profundo, publicado em 1956, foi mais uma edição da autora. Sendo tão respeitada e conhecida, por que teve que pagar? As editoras recusavam originais?
Sem disposição para consultar editoras, e com meios próprios disponíveis, fruto do meu trabalho no magistério e no Ministério da Educação e Cultura, tratei de editar Azul profundo por minha conta, pequena tiragem para os amigos e bibliotecas públicas. Em 1969, a empresa Xerox do Brasil houve por bem reeditá-lo para ambiente restrito, com um estudo de Ângela Vaz Leão. Já em 1958, a Editora José Olympio, por sugestão de Carlos Drummond, publicara Lírica, volume de que constam vários livros meus, alguns incompletos, como Prisioneira da noite, O menino poeta e Madrinha lua; outros, na íntegra, como A face lívida, Flor da morte e Azul profundo. Para mim, foi um acontecimento importante. Em 1963, a Editora Livros de Portugal lançou Além da imagem. Em 1971, surgiu Nova lírica, resumo e continuidade da Lírica, trazendo inéditos e tendo constituído homenagem da Imprensa Oficial de Minas. Miradouro foi lançado pela Nova Aguilar em 1976 e reeditado em seguida pela Nova Fronteira, com o ensaio de Maria José de Queiroz. O alvo humano saiu pela Editora do Escritor em 1973. Em 1979, foi a vez de a Editora Ática tomar a iniciativa de publicar um livro meu, Casa de pedra, coletânea de poemas escolhidos, com um estudo preliminar de Fábio Lucas.
A face lívida foi dedicado a Mário de Andrade. Poderia traçar um perfil do autor paulista?
Mário de Andrade foi a maior surpresa que me proporcionou o mundo das letras. Ele reunia na fascinante personalidade uma inteligência superior, uma sensibilidade privilegiada, uma cultura abrangente, um coração generoso, um espírito aberto a todas as manifestações da arte, da poesia e dos afetos humanos. Tinha alegria e gravidade, a um tempo. Tendo vindo a Belo Horizonte a fim de pronunciar uma conferência, resolveu visitar-me, o que me cativou de imediato. Novamente nos vimos aqui mesmo, no Rio e em São Paulo. E a nossa amizade consolidou-se através da correspondência.
Pretende publicar essa correspondência?
Não penso em publicar suas cartas, que são numerosas e que serão oportunamente doadas a uma instituição cultural de categoria.
Desculpe a indiscrição, mas eu gostaria de saber por que nunca se casou…
Simplesmente por falta de compromisso mútuo à hora certa e na medida exata. Sempre considerei o casamento uma instituição sagrada, a exigir uma base de segurança e devotamento recíproco.
Em Azul profundo o tom religioso e místico está muito presente.
Não apenas o Azul profundo, assim também o Velário e O alvo humano representam com intensidade o meu lado místico, proveniente de índole concentrada e de severa formação religiosa; revelam minhas modestas incursões em busca do conhecimento das causas primeiras e dos primeiros princípios; tentam observar o ser enquanto ser, sem a ilusão das aparências. Em escala emocional, é claro.
E o tema da morte foi outra obsessão, parece. A senhora foi chamada, inclusive, de “Poeta da Morte”. “À paisagem do morto nada falta de cômodo. / A paisagem do morto é insípida.” Hoje, com 80 anos, mudaria a abordagem do tema?
Em certa fase de minha vida, em virtude de dolorosas ocorrências, esse assunto se tornou explosivo. Celebrei-o em Flor da morte, depois de abordá-lo em A face lívida, texto de angústia e perplexidade, à época em que se alastrava a Segunda Guerra Mundial. Todavia, tenho visado de modo constante a essência do ser, a substância do vital, a ansiedade humana em busca de perfeição e infinito, os mistérios da natureza, o relacionamento entre a alma e Deus. A cada tempo o seu cuidado. Em cada livro meu predomina um tema, prevalece um clima. O menino poeta constitui a revivescência da infância. Madrinha lua e Montanha viva interpretam e comemoram tradições mineiras. E assim por diante. Hoje, não me sinto propensa a desafiar a ideia ou o sentimento da morte, como fiz em outra época, em termos de mediação entre a fatalidade e a resistência.
Qual dos seus livros prefere? Há autores que gostam mais do primeiro; outros, do último.
Os da maturidade, incluindo-se O alvo humano, pelo equilíbrio alcançado entre a dicção e a essência.
Escreve diariamente ou só quando surge uma ideia poética? Parte às vezes de uma imagem para construir em torno o poema ou…
Isso é muito variável. Passo dias sem escrever e, de repente, recomeço a fazê-lo com assiduidade. Habituada ao ofício, estou sempre atenta a impulsos interiores e instigações externas. A qualquer momento posso ser chamada a decifrar o sentido de uma palavra, lembrança ou pressentimento, de alguma ideia vaga, imagem estranha, turbulência ou ritmo condutor. A confusão do início vai cedendo lugar à lucidez, às vezes rápida, às vezes lentamente, até que o texto se complete a desejo.
Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux, Carlos Drummond de Andrade, Eduardo Frieiro, Manuel Bandeira e tantos outros escreveram sobre a sua obra, colocando-a sempre como uma das mais perfeitas da poesia brasileira. A senhora se correspondia ou era amiga pessoal de toda essa gente?
Conhecia alguns dos intelectuais citados, outros vim a conhecer posteriormente. São espíritos nobres e espontâneos, os quais admiro de coração, mesmo de longe. Os livros é que perfazem o melhor relacionamento em tais circunstâncias.
Costumava mostrar seus originais para alguém?
Habitualmente, não. Mostrei alguns originais a Mário de Andrade cujos comentários me foram muito preciosos. Em geral, meu irmão José Carlos, dono de requintada sensibilidade, é meu primeiro leitor.
Muitos críticos enaltecem a sua técnica poética. O que vem a ser técnica poética? Sei que abordou o assunto em Convívio poético, mas…
A técnica inclui uma série de especulações, experiências e processos; não é definível nem definitiva, nem mesmo para cada indivíduo; varia de acordo com o tema e com a motivação; arregimenta o vocábulo, o ritmo, a melodia, a harmonia, o timbre, o segmentar do verso e da estrofe; recolhe e fixa a imagem como palpitação de vida; quer o transparente e não deve transparecer; é uma aventura que se renova de cada vez.
Na sua opinião, o que é preciso para se ser um bom poeta?
Vou resumir o que disse no capítulo “Formação do poeta”, inserido em Vigília poética: o poeta nasce com uma especial intuição; alimenta-se de sensibilidade; caminha pela imaginação; domina o sentimento; aperfeiçoa-se com o artesanato; joga com a inteligência; enriquece com a cultura; e atinge a maturidade através de uma peculiar concepção de vida. Assim é de supor que, na formação do poeta, possuidor de graça intuitiva, se equilibram sensibilidade, imaginação e sentimento, a influxos de artesanato (consciência técnica profissional), inteligência, cultura e personalidade.
Tem acompanhado a poesia brasileira atual?
Parece-me que há, no momento, duas correntes diversificadas: uma, expansionista e vibrátil, voltada para a comunicação de referências e mensagens de cunho social; outra, de linhas enxutas, de ordem introvertida, fechada em círculo, com a expressão por vezes hermética. Ambas as atitudes são válidas. O ideal seria que se complementassem, como acontece nos poetas mais representativos.
Nunca se interessou por escrever contos ou romances?
Não teria fôlego para aventuras diferentes, nem sinto inclinação para o gênero, embora saiba apreciá-lo e valorizá-lo, seja na espécie de conto ou de romance. Em prosa tenho escrito crônicas e ensaios.
O fato de ter nascido em Minas Gerais de alguma forma a marcou?
Eu só podia ter nascido em Minas. Caso contrário, sairia andando pelo Brasil até encontrar o meu berço, a minha estrutura, o reconhecimento da minha índole, as raízes das minhas possíveis virtudes e prováveis defeitos: Minas, nem sempre estimulante à vida intelectual, no entanto propícia ao necessário recolhimento dos líricos.
Ser mulher poeta foi difícil?
Mulher, além de mineira, escritora aparecida há cinquenta anos, as condições não me seriam favoráveis; e foi preciso perseverança para prosseguir no trabalho, ou melhor, força de vocação. Todavia, tive gratas compensações: a crítica me apoiou desde o início, os colegas de ofício me têm dado apreço, fui a primeira mulher eleita para a Academia Mineira de Letras, tenho sido distinguida com prêmios a nível nacional, como o prêmio Brasília de Literatura para conjunto de obras. Se houve preconceitos, eles já não existem.
Acredita que todo artista deve refletir seu tempo? Que tipo de compromisso o autor deve ter para com a sociedade em que vive?
O compromisso do artista para com o meio em que vive decorre de sua mesma consciência e personalidade. Ao projetar emoções, de acordo com seu foro íntimo e convicções estéticas, ele poderá refletir o estado de espírito de seu tempo e sensibilidade de uma parcela do mundo a que pertence. Mesmo sem referência a interesses globais, sem alusão a circunstâncias e eventos, o poeta se acusa como ser comunitário ao traduzir, com sutileza, certo estado de angústia reinante, o que significa denúncia e repúdio a contingências em foco. Há uma infinita gradação de cores para cada temperamento. Há uma sofrida realidade interior para cada indivíduo, em face da realidade exterior que a todos envolve. O principal é que o poeta não se prenda a modismos, nem limite a liberdade de opção.
Gabriela Mistral foi sua amiga. Já pensou em publicar a sua correspondência? Poderia dar um retrato dessa admirável poeta chilena?
Gabriela Mistral era uma criatura extraordinária, de porte elevado e extrema simplicidade. Sabedoria no modo de expressar-se e candura nos olhos verdes. Como São Francisco, preferia compreender a ser compreendida. Conheci-a no Rio, ao ensejo de uma sessão literária, e logo nos entendemos cordialmente. Era vivo o seu interesse por Minas, pelo interior do Brasil, provinciana sempre, apesar das andanças diplomáticas pelo mundo. Convidei-a sem demora para visitar Belo Horizonte, autorizada pelo então prefeito Juscelino Kubitschek. Ela aqui passou vários dias, cercada de poetas e professores. Pronunciou duas conferências, uma sobre o Chile, outra, para surpresa minha, sobre O menino poeta. Mostrou-se contente com as traduções que eu fizera de poemas seus e estimulou-me a publicá-las. Disso incumbiu-se a Editora Delta, através da coleção Prêmios Nobel de Literatura. Suas cartas encontram-se no meu arquivo.
Escreveu algum diário ou livro de memórias?
Nem sequer me ocorreu a ideia de fazê-lo. Embora sinta viva atração pelo gênero, quando se trata de grandes personagens.
Não vai publicar a sua obra completa? A que atribui a ausência de publicações recentes de sua obra?
Não sou a pessoa mais indicada para essa informação. Organizei há tempos, a pedido da Editora Duas Cidades, um volume de que consta quase toda a minha obra poética sob o título de Poesia geral. Em 1982 saiu pela Nova Fronteira o Pousada do ser, com uma excelente exegese do padre Lauro Palú, profundo conhecedor do assunto. Para surpresa minha, a Crefisul S.A. resolveu adquirir a metade da tiragem com a finalidade de brindar amigos e clientes, iniciativa que me parece auspiciosa nos meios empresariais.
A senhora traduziu Dante, não é?
Convidada por Edoardo Bizzarri, em 1965, para falar em São Paulo sobre a presença de Dante no Brasil, apresentei as traduções que fizera, sob forte emoção, de alguns “Cantos do Purgatório” (mais tarde acrescidas de novos cantos da mesma divisão). O “Purgatório”, a meu ver, é o clímax da Divina comédia, toda ela maravilhosa. É a hora da consciência a refletir-se em translucidez. É a hora da responsabilidade que dignifica, da justiça que se cumpre, do claro reconhecimento da destinação humana. É o equilíbrio, a recorrência da história do homem na Terra, entre o bem e o mal.
Valeu a pena ter dedicado sua vida à literatura?
Sem dúvida. A literatura ou, melhor dizendo, a poesia preencheu minha existência, abrindo-me caminho entre os seres humanos e indicando-me os caminhos de Deus. Digo poesia no mais amplo sentido de amor, entendimento, iluminação, premonição, impulso renovador, continuidade patrimonial, expectativa de que a luz venha a nascer das trevas.
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