Henriqueta Lisboa: entrevista a Angelo Oswaldo - Editora Peirópolis

Henriqueta Lisboa: entrevista a Angelo Oswaldo

ENTREVISTA A ANGELO OSWALDO DE ARAÚJO SANTOS (1968)

Qual a sua posição em face ao panorama atual da literatura mineira?

Na qualidade de vivente e ainda atuante nas letras – com alguns livros inéditos –, presumo que sou parte integrante desse panorama, naturalmente heterogêneo, devido à variedade dos componentes. Que eu saiba, não há problema de gerações, apesar da diversificação de processos literários e pesquisas estéticas. Noto que os mais jovens, como os que formam o grupo da revista Estória, encaram a ficção com abrangente sentido crítico. Isso é curioso.

Qual a participação da Academia Mineira de Letras, no momento, na vida literária de Minas? Que representa para você, como mulher, sua presença na Academia?

A Academia participa com seus cursos e concursos, sempre estimulantes, bem como através da atividade de alguns de seus membros mais devotados à literatura, ao magistério e ao jornalismo. São movimentos esparsos, com seu valor próprio. Embora afastada das reuniões por ser eu de índole recolhida, considero um privilégio o fato de pertencer à casa tradicional de Alphonsus de Guimaraens.

Por que tem preferências por temas infantis em sua poética? Haveria influência da meninice ou são elementos recolhidos da infância em geral? Em contraste com isso, que significa a temática da morte e o aspecto místico de sua poesia?

A infância é uma água cristalina que todo ser humano procura beber, ou na própria fonte, através do espelho evocativo, ou nas fontes que vão nascendo dia a dia. Por analogia, não sei bem quando me refiro ao meu reino encantado, ao mundo infantil de entorno ou àquilo que desponta e é tenro, sem as marcas da servidão. Não vejo contraste entre esse motivo e os outros a que você se reporta, senão sequência. Na ordem seguinte: após a infância, a criatura se vê densamente tomada de mistério – a natureza individual e a natureza cósmica. Então começa a vida interior e, simultaneamente, a de integração no real visível. O ser que reluta em aceitar as coisas como são procura superá-las na mística esperança de uma solução que seria o encontro de Deus. Depois, a ideia da morte, consequência fatal da vida, é o fogo em que nos consumimos minuto a minuto. É preciso dominar esta ideia, transfigurar este sentimento, colher ao menos uma flor à beira da sombria experiência. E, a meu ver, a arte é um ato de respirar.

Quais os livros que já publicou? Pretende alguma publicação para breve? Que trabalhos traduziu?

Os publicados você conhece. Os inéditos, à espera de oportunidade, são: O alvo humano – poesia; Estudos poéticos – prosa; Literatura oral para a infância e a juventude: lendas, contos e fábulas populares no Brasil, com introdução e notas bibliográficas – antologia; Cantos do Purgatório, de Dante – tradução; há também Poemas escolhidos de Gabriela Mistral, no prelo da Editora Delta, coleção Prêmios Nobel de Literatura. O que mais desejo publicar, no momento, é um volume a que chamo Nova lírica, no qual serão incluídas as coletâneas recentes da minha poesia, junto às que fizeram parte da Lírica, saída em 1958 e de há muito esgotada.

Qual a sua opinião sobre a poesia concretista?

Embora não a encontre plenamente realizada, acho que é digna de toda a atenção e estímulo, pois já tem sido benéfica pelo exemplo de contenção e valorização da palavra, núcleo vital do poema.

Qual a afinidade que encontra entre a sua e a poesia de Cecília Meireles?

A nostalgia do espiritual, a sensação do efêmero e a intuição de que a forma, reflexo do conteúdo, deve ser devidamente depurada. Por veredas diferentes, ela, com sua linda voz musical, eu, com timbre mais dramático, perseguimos ideais semelhantes.

É muito difícil prender-se um escritor a determinado gênero literário. Quanto a você, que sempre fez poesia e dela saiu apenas para crítica literária, nunca se sentiu inclinada para o conto ou crônica?

Não. Apenas o teatro me tentou, sem resultado prático até hoje.

Você, que estuda e pesquisa Guimarães Rosa e é grande conhecedora da obra dele, acredita venha ter ela duração ou apenas represente, como obra única e de grande inovação, um momento da literatura brasileira, ponte entre o romance da primeira fase modernista e um romance que estaria por surgir?

Com referência ao valor essencial, parece-me que será obra única por mais de um século. Mas, no sentido da descoberta e aproveitamento do poético, penso que abrirá clareiras múltiplas à ficção nacional.

 

(Henriqueta Lisboa – Obra completa –  v. 3,  p. 471: Entrevistas)

 

 

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