Henriqueta Lisboa: dois prefácios de Bartolomeu
Bartolomeu Campos Queirós
Henriqueta Lisboa visita os poetas de Portugal[2]
Da seleção de poetas realizada para compor uma antologia, é possível identificar o conceito que o organizador tem dos futuros leitores. Ao estabelecer como critério a qualidade da obra, observando com rigor sua forma e a excelência de seu conteúdo, é perceptível o trabalho do ordenador buscando oferecer aos fruidores o que há de melhor configurado no ofício literário.
Por ser assim, Henriqueta Lisboa visita os poetas de Portugal – marco inicial de nossa cultura – e recolhe o melhor da poesia ali existente para oferecer aos nossos jovens. E, por sua escolha, ela nos confirma mais um de seus critérios: a arte não tem fronteiras. Por nascer da emoção e ser recebida com emoção, ela se faz propícia a todos, reduzindo distância e aproximando os homens, tendo como instrumento a beleza.
Em se tratando da poesia, e pela sua contenção, ela abre portas e deixa livre o coração do leitor para vislumbrar a paisagem. Não há exercício maior e mais democrático do que esse de fecundar um diálogo com o mundo tendo a poesia como norte.
Henriqueta Lisboa, poeta de primeira água, sabe que os mesmos elementos que inauguram a infância estão presentes na obra de arte: liberdade, espontaneidade, inventividade, criticidade. O refinamento de sua poesia e sua infatigável exigência na elaboração de sua vasta obra poética vêm garantir a importância da Antologia de poemas portugueses para os iniciantes também na poesia.
Educadora por acréscimo, a poeta soube construir um dos mais significativos livros para o jovem: O menino poeta.Compreendendo a necessidade de seduzir o pequeno leitor, Henriqueta Lisboa traz o cotidiano do mundo infantil para sua obra sem ignorar seus aspectos lúdicos e inusitados diante de um tempo novo. E não é tarefa simples a de reinventar a infância.
Na antologia em pauta, Henriqueta Lisboa identifica, pelas poesias escolhidas, as questões fundamentais do homem, mobilizando o leitor, ainda em formação, para também se inscrever em seu tempo, fazendo da arte um fio condutor. Ela abre, com os surpreendentes poetas portugueses, um caminho definitivo para o jovem: o de trazer para o campo da poesia suas dúvidas e questionamentos. O espírito sensível da organizadora, somado ao apuro dos poetas de além-mar, revela a crença na literatura como elemento essencial para a construção de um mundo mais humano.
Há que se reconhecer, entre tantos, outro juízo presente na seleção de Henriqueta Lisboa: não acreditar em uma literatura com destinatário. Por ter a poesia encarnada, ela sabe que o poeta faz o melhor de si e confia na metáfora e em sua capacidade de acolher a todos sem preconceitos.
Bartolomeu Campos de Queirós
Belo Horizonte, 24 de março de 2004
[2] QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. In LISBOA, Henriqueta (org.). Antologia de poemas portugueses para a juventude. São Paulo: Peirópolis, 2005.
Bartolomeu Campos de Queirós
Luz da Lua[3]
O privilégio de ter convivido com Henriqueta Lisboa me levou a suspeitar da origem de seu intenso ofício poético. Duas atitudes distintas me surpreendiam, além de sua maneira refinada de estar diante do “tênue fio” da existência. Uma primeira, supunha vir de sua capacidade purificada de não se indignar diante dos mistérios que envolvem o ser humano e que jamais se revelam. Uma segunda residia em seu constante exercício de deslocar-se de sua intimidade reflexiva para estar com o outro, tomando a poesia como matéria maior para inaugurar o diálogo.
Por ser assim, toda a produção de Henriqueta Lisboa é um convite insistente para que não deixemos passar despercebido nenhum dos elementos que nos rodeiam e nos espiam. Mas para tanto é necessário nomeá-los com palavras justas e escolhidas como fez a poeta.
Todos os elementos buscados por ela, como objetos de trabalho, foram adjetivados com elegância e ganharam encantamento. Sua poesia, como me afirmava, não possuía destinatário por reconhecer que a beleza é propícia a todos. Como conhecedora da poesia construída ao longo da história da literatura, Henriqueta Lisboa nos presenteou com uma construção impecável em forma e em essência.
Não há, pois, que negar aos mais jovens a oportunidade de adentrar-se na obra de Henriqueta Lisboa. Por afirmar a vida como um único e “tênue fio”, a poeta sempre confirmou a infância como o lugar primordial da poesia.
[3] In: Henriqueta Lisboa – Obra completa – v. 3, p. 531: Fortuna crítica.
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