Gandhy Piorski e o brincar

Gandhy Piorski nasceu em 1971 no município de Codó, no Maranhão. Artista plástico, teólogo e mestre em Ciências da Religião, é pesquisador nas áreas de cultura e produção simbólica, antropologia do imaginário e filosofias da imaginação. No campo das visualidades, discute as narrativas da infância e seus artefatos, brinquedos e linguagens, a partir dos quais realiza exposições e intervenções. É curador e consultor de diversos projetos relacionados com a criança nas áreas de cinema, dança, teatro, literatura, arquitetura e educação.

“É a criança que brinca imaginando ou é a imaginação que brinca a criança?” – este foi um dos questionamentos que levou o maranhense a pesquisar a infância e o brincar na natureza 20 anos atrás. Por suas andanças Brasil afora, na busca por conhecer a criança brasileira, se deparou com a intimidade e o manejo que elas têm com os elementos da natureza. Assim, deu início a um estudo profundo sobre o brincar e os 4 elementos: terra, fogo, ar e água. Cada elemento natural sugere um tipo de brinquedo, com movimentos e olhares específicos. Para o artista, que pesquisou brinquedos de crianças de 25 comunidades no Ceará, o diálogo da imaginação com a natureza guia a identificação dos brinquedos de cada elemento. Ou seja, é através do imaginar das crianças que Gandhy observa e identifica os brinquedos, e também o brincar, como uma “reconfiguração” do universo cultural.

“As crianças gostam de saber o que tem dentro, saber o que é a vida das coisas. E ela se manifesta no imaginário como uma coisa oculta, que está na entranha da matéria. Então, as crianças precisam quebrar, abrir, investigar. Porque o oculto é a alma de tudo.”

Extra do Livro: Brinquedos do Chão, de Gandhy PiorskiParticipação de Gandhy Piorski na série “O mundo em casa”Websérie sobre o imaginário e o brincar (4 episódios)Diálogos do Brincar: A criança e a natureza (Território do Brincar)Entrevista ao Instituto AlanaEntrevista à Nova Escola

O livro Brinquedos do Chão inaugura uma série que explora a imaginação do brincar e sua intimidade com os quatro elementos da natureza: terra, fogo, água e ar, e revela a voz livre e fluente da criança em sua trajetória de moldar a si própria, tão esquecida nos estudos sobre a infância. Assim como o brinquedo, interessam ao autor, artista plástico, teólogo, pesquisador da infância e do imaginário, a brincadeira e seu universo simbólico; a experiência da criança quando, em comunhão com a natureza e em sua vivência transcendente, brinca e significa o mundo. O primeiro volume é dedicado aos brinquedos da terra, que caracterizam, na produção material, gestual e narrativa da infância, a investigação da matéria e as operações da imaginação no forjar a elaboração e o enraizamento dos papéis sociais na casa, na família e no mundo.

O estudo desdobrou-se também em várias exposições de brinquedos colecionados ao longo dos anos, e seu corpo teórico vem repercutindo em diferentes espaços em que a criança é tema de interesse. Estudo este que investiga a imaginação do brincar da criança por meio de suas produções material, gestual e narrativa. Como primeiro chão de trabalho, o autor propõe a materialidade do brinquedo e o gesto do brincar que se fazem brincadeira ao carregar, como sustentação ou fonte de expressão, um inconsciente: os quatro elementos da natureza. Se bem observado, é possível detectar linguagens, corporeidades, materialidades e sonoridades do brincar associadas a esse inconsciente natural que mora no imaginar e, constantemente, se mostra no fazer das crianças.

O autor busca a proliferação de imagens que regem os brinquedos do elemento terra. Brinquedos do chão. Sonhos que nascem na criança para instruí-la sobre seu encaixe no mundo, o enraizamento no cosmos social, o contato com sua intimidade e interioridade, a busca pela intimidade com tudo o que está fora de si. O elemento terra inaugura esta coleção porque a imaginação telúrica é iniciática na vida do brincar. Os brinquedos do chão fincam a criança no mundo e também a acordam para firmar o mundo em si.

São brinquedos da terra todas as representações ou mimeses da vida social. As brincadeiras de casinha e as de cabana, de fazendinha e de animais construídos, de boneca, de carroça, de carrinhos, incluindo os carros de boi, de madeira, de vara e de lata, de miniaturas, os brinquedos de modelar, as representações de casamento, nascimento, trabalho e beleza, os rituais de morte e os festejos religiosos, brinquedos e brincadeiras das entranhas de animais e plantas, feitos de ossos e seivas…

“A imaginação é a verdade da criança. Para alcançarmos a criança, devemos compreender que a imaginação é um mundo.”

“Será o destino uma piracema? Teremos de subir de volta a correnteza para nos despregar da forma? Como poderemos não ser?”

O livro A criança e as águas dá continuidade à série reveladora sobre a essência do brincar e sua conexão profunda com os elementos da natureza: terra, fogo, água e ar. Em suas páginas, Gandhy Piorski, atesta a relação intrínseca entre as crianças e o elemento água, não apenas como entidade física, mas como uma presença que permeia ritmos, formas e transformações da vida. Com isso, o autor aprofunda nosso conhecimento sobre a essência do brincar e desvenda a complexa relação entre a infância e a matéria, explorando como a interação genuína com o ambiente molda a imaginação, a individualidade e os papéis sociais das crianças.

A água, espírito fluido de todas as coisas, se movimenta em correntezas subjacentes, desafiando a racionalidade humana e a antropologização do conhecimento. Como matéria prima da imaginação, relaciona-se simbolicamente com o brincar infantil, emergindo como um operador basal de nossa existência.

“Uma fenomenologia do elemento água no brincar nos convida, antes de qualquer coisa, ao pré-consciente, ao pré-linguístico, ao profundo líquido corporal, ao seminal, aos estados da linfa e do líquor, às emoções da sobrevivência, às fonações primárias da consciência, às metamorfoses auditivas dos seres lacustres, à gaia se formando, às linhas da vida nos ingerindo, digerindo. ”

Neste convite para entregar-se às funduras da consciência, onde vida e morte, jogo e sagrado, visível e invisível se encontram e se transformam, o leitor mergulha no universo simbólico e ancestral da infância, experimentando uma perspectiva transformadora, em que o brincar se manifesta como um ritual de conexão com o universo, essencial para a construção do ser.

Em Anímicas: A criança, o tempo e o íntimo, os textos esparsos aqui organizados compõem uma preciosa coleção de reflexões livres acerca da criança, e oferecem possibilidades de o leitor encontrar a infância como qualidade da existência, investigar e expandir o olhar para o ser humano em seu início de vida, a sua percepção do mundo e participação na cultura, os seus fazeres, suas forças vitais.

Como profundo, dedicado estudioso e observador das infâncias, Gandhy Piorski nos convida a uma imersão naquilo que é constitutivo da criança, ou das crianças, contrapondo-o, muitas vezes, ao modo de vida que erigimos em nosso mundo, frequentemente afastado da contemplação, do tempo e dos sentidos, a léguas de distância de um olhar inaugural e exploratório para as coisas da vida.