Entrevista com Kaká Werá e Sawara, autores de Corre, Cotia
Peirópolis: Em 2023, você estreou uma nova coleção na editora Peirópolis, chamada “Fabulosas fábulas”. Conte um pouco sobre ela: de onde veio a ideia e a inspiração para essa coleção?
Kaká: O meu primeiro livro para o gênero infanto-juvenil foi o As fabulosas fábulas de Iauaretê, que, desde que foi lançado, em 1998, tem causado grande impacto entre crianças, professores e jovens, tendo sido adaptado diversas vezes para o teatro e servido de inspiração para milhares de educadores. Creio que uma das causas é justamente o tom de “fábula” que este trabalho se apresenta. Este jeito de contar histórias, onde animais e natureza se tornam protagonistas e refletem sobre as mazelas e os valores do ser humano é muito eficaz para desenvolver nossa capacidade de empatia e reflexão. Foi daí que veio a inspiração para a continuidade do projeto.
P: Uga foi o primeiro título e agora, nasceu o Corre, Cotia. Em que medida essas histórias dialogam entre si?
K: Uga aborda uma temática extremamente importante para a nossa formação em valores, a questão dos “pontos de vista” diferentes que podem causar uma má compreensão sobre determinados fatos, e fala também sobre o poder da amizade como elemento de coesão em nossas relações. Já o Corre, Cotia fala da importância da ancestralidade e da rede de interdependência que faz a vida prosperar. Entre esses dois assuntos eles nos atentam para o valor do respeito mútuo entre todos os seres, pois cada um tem um papel, desde sua origem, que é naturalmente de grande relevância para para a nossa própria evolução e equilíbrio de todos.
P: Você é um dos principais autores indígenas brasileiros da atualidade. Do seu ponto de vista, quais são as contribuições que a literatura indígena pode oferecer (ou as literaturas indígenas podem oferecer) para todas as crianças brasileiras?
K: A literatura indígena no Brasil cada vez mais ocupa um espaço de grande relevância para a cultura brasileira. Quando a editora Peirópolis publicou A terra dos mil povos e também títulos de autores como Daniel Munduruku e Yaguaré Yamã, a cerca de 25 anos atrás; éramos 5 ou 6 que semeiam através da escrita um certo desejo de que a sociedade como um todo aprendesse algo sobre nossas visões de mundo e o quanto elas podem inspirar pessoas para o cuidado com a natureza, com a diversidade e como nossas raízes. Atualmente, neste anos de 2024, são mais de 160 escritores indígenas potencializando estes mesmos princípios. Eles são fundamentais para uma educação que se pauta pelos propósitos da UNESCO: 1) aprender a ser; 2) aprender a conviver; e 3)aprender a compreender outras visões de mundo.
P: Em Corre, Cotia, você reedita uma parceria muito especial com a sua filha Sawara. Conta um pouco para os leitores sobre essa trajetória, que teve início há alguns anos, quando Sawara era ainda uma menina.
O Corre, Cotia tem uma importância muito especial para mim, pois é como um rito de passagem entre pai e filha. Quando recebi a décadas atrás a oportunidade de escrever As fabulosas fábulas de Iauaretê, minha filha, ainda criança, colaborou com seus desenhos e cores típicas de seu momento de desvelamento do mundo. Pintou os animais e as crianças da floresta com suas mãos que inauguravam o seu dom para a arte da ilustração. Muitos anos se passaram e agora nos encontramos nas páginas desse livro como parceiros nesta história. Ela aos poucos foi se tornando uma designer, instigada pelas cores do mundo e de como elas podem tocar os corações. Então nos reencontramos nessa parceria: eu pinto letras e ela escreve cores.
Conheça o autor:
Kaká Werá Jecupé nasceu em 1964 em São Paulo. De origem tapuia, viveu com os guaranis da mata atlântica paulista nos anos 1980. Começou sua carreira no empreendedorismo social como forma de gerar sustentabilidade, promover a cultura e a diversidade dos povos indígenas. Com o tempo, expandiu esse propósito para a educação, tornando-se professor em instituições como a Fundação Peirópolis de Educação em Valores Humanos e a Unipaz (Universidade Internacional da Paz). Em 1988, venceu um concurso de dramaturgia e recebeu o prêmio Zumbi dos Palmares em São Paulo, com a peça A incrível morte de Nego Treze na favela Ordem e Progresso. Em 1994 publicou pela Fundação Phytoervas em parceria com o Instituto Arapoty o antológico livro Oré awé roiru’a ma: Todas as vezes que dissemos adeus, considerado precursor da literatura indígena no Brasil e depois editado pela editora Triom em inglês. Pela Editora Peirópolis, publicou os livros: A terra dos mil povos, As fabulosas fábulas de Iauaretê e Tupã Tenondé, obra que traz a cosmovisão da cultura guarani. Por suas obras, Kaká ganhou prêmios e tornou-se uma importante referência na literatura indígena.
Conheça a ilustradora:
Sawara é ilustradora, designer gráfica e fotógrafa. Sua formação como ilustradora começou quando pequena no Colégio Waldorf Micael, onde recebeu incentivo e teve liberdade para explorar sua imaginação, transformando histórias em desenhos. Ainda criança, ilustrou o primeiro de livro de seu pai para crianças, As fabulosas fábulas de Iauaretê e A águia e o colibri. Formada em Design Gráfico na Faculdade Anhembi Morumbi, atua como ilustradora em projetos editoriais, como concept artist em jogos, e como fotógrafa em variados projetos, registrando espetáculos no Sesc-SP, como “Os Filhos de Iauaretê, a onça-rei”, com a Cia Pé de Ouvido, e em iniciativas sociais e ambientais, como a BioConstrução com a Caravana LowConstrutores e o registro de comunidades indígenas nos projetos Territórios da Dignidade e Moradas Infantis de Canuanã, de Marcelo Rosenbaum. Atualmente, Sawara também coordena o Instituto Arapoty junto com Elaine Silva, participando de projetos que promovem a cultura indígena, como o Projeto Literatura Indígena, que leva às escolas a redescoberta dos muitos povos originários do Brasil por meio da produção literária.
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