Dois convites, um destino: a Literatura Portuguesa
Dois convites, um destino: a Literatura Portuguesa
Por Susana Ventura
A Literatura Portuguesa é um dos meus portos seguros. A estudante apaixonada pelas cantigas de amor e de amigo e por Gil Vicente que eu fui, cresceu e se transformou em professora de Literaturas de Língua Portuguesa. Sou brasileira e portuguesa, nos meus documentos e na minha vida também, e em 2010 comecei a sonhar com livros que falassem sobre Literatura Portuguesa numa linguagem solta e interessante, coisa que não encontrava em meus manuais escolares.
Foi assim que, com o acolhimento da Editora Peirópolis, publiquei meu primeiro livro de ensaios destinado a jovens leitores, Convite à navegação, uma conversa sobre literatura portuguesa (São Paulo: Peirópolis, 2012). Nele, converso livremente sobre os primeiros séculos da língua e da literatura portuguesa, tendo sempre como horizonte os interesses que sentia muito vivos em meus alunos. Um percurso pelas origens, terminando em Luís de Camões, com laçadas para o presente, para as obras que fazem sentido para os leitores hoje, com Fernando Pessoa e José Saramago na ‘linha de frente’. Para esta viagem foi muito importante a parceria com a ilustradora Silvia Amstalden, que leu o texto e a partir dele criou imagens que me emocionam a cada vez que abro o livro. O belo livro, editado em duas cores, deixava somente para nós, que havíamos visto as ilustrações originais, a beleza das quatro cores em que originalmente elas tinham sido concebidas. E seu poder de evocação era tão intenso, que pensamos em fazer um livro para crianças. Então partimos para um projeto que era o contrário do anterior: para De onde vem o português? eu partiria das imagens para elaborar um novo texto e eu o desejava poético, musical e belo, capaz de despertar o interesse pela língua e pela literatura portuguesas.
As etapas percorridas em ambos os livros seriam as mesmas: as fronteiras de uma Península Ibérica ainda feudal que se definem; os documentos mais antigos encontrados, em latim; o início da literatura que, lindamente, aparece em cantigas escritas em galego-português; as crônicas históricas e Fernão Lopes; o surgimento do teatro na península e o português Gil Vicente e, finalmente, Camões, o poeta dos ‘erros meus, má fortuna, amor ardente’ e maior poeta épico da língua portuguesa, enfim consolidada. No entanto, o foco seria diverso.
Agora temos os dois livros. Em Convite à navegação, obra para leitores autônomos, possivelmente estudantes do Ensino Médio, professores e estudantes de letras, estão dados precisos, notas de apoio, citações de obras. Em De onde vem o português?, a visada é mais humana, projetada pensando em contar às crianças sobre os homens, mulheres e crianças que viveram o processo de formação do território, as mudanças da língua, as alterações no modo de ver a vida, o trabalho e o amor naquela terra tão junto do mar. Por isso a lista de nomes, homenagem a José Saramago que, em muitos de seus romances, como Memorial do Convento e História do cerco de Lisboa, colocava nomes próprios das pessoas do tempo e do lugar onde se passava a ação, apontando para a humanidade anônima mas que constrói verdadeiramente o mundo. E a Literatura, este sonho acordado das civilizações, nas palavras mágicas do professor Antonio Candido, nasce daí, do desejo de eternizar o humano, de contar sobre a vida e de falar sobre o que nos vai por dentro.
De onde vem o português? caminha na mesma direção apontada por Convite à navegação, mas, como anda acompanhando crianças, repara em outras coisas, aponta para a paisagem. Quando é possível fala de amor, cheira as flores, navega nas embarcações, observa o mar, pergunta sobre tudo o que não parece importante mas é, de verdade.
Para os adultos – ou pessoas crescidas, se estivermos em Portugal – que forem trabalhar com crianças em De onde vem o português? sugiro ler primeiro Convite à navegação e compará-los.
Em Convite à navegação, os dois primeiros capítulos, ‘Uma conversa sobre viagens e o convite à navegação’ e ‘Antes de tudo… sobrevoando o território europeu’, têm em De onde vem o português? uma ‘tradução’ nas primeiras três páginas de texto. Os capítulos ‘Nas águas doces da poesia’ e ‘Uma viagem por terra: rumo à Provença’, correspondem à quarta, quinta e sexta página de texto de De onde vem o português?. O capítulo ‘Sonhando a navegação: plantam-se os pinheiros…’ tem sua correspondência nas sétima e oitava páginas de texto do livro para crianças. A nova, décima e décima primeira páginas de texto de De onde vem o português? têm como alicerce os capítulos ‘Um outro mar: mar de histórias’ e ‘Construindo a embarcação, fixando a história’ de Convite à navegação. Os capítulos ‘Enfim, navegando, porque é preciso’ e ‘Na barca…’ estão abordados na décima segunda e décima terceira páginas de texto de De onde vem o português?. Por fim, as últimas páginas de texto do livro infantil equivalem aos capítulos ‘Ainda uma pequena excursão terrestre: Itália do Renascimento’, ‘Por mares nunca dantes navegados: Luís de Camões, Os Lusíadas e algo mais’ e ‘Adeus, adeus: embarcando numa certa jangada’.
O projeto foi pensado em vários etapas: composição de texto que foi pensado depois em imagens e projeto gráfico; numa fase posterior foram as imagens que levaram à composição do texto destinado às crianças e que receberam nova proposta em termos de projeto gráfico. Desta maneira, o conjunto dos dois livros possibilita diversas abordagens: De onde vem o português?, livro para crianças, pode receber uma primeira leitura só de suas imagens (e pode-se mesmo ficar somente com essa leitura). Em ambas as opções, a oralização de seu texto pelo leitor adulto que acompanha o jovem leitor é bem vinda e a negociação de sentidos entre o que a criança lê nas imagens e o que o adulto propõe é desejada.
Os dois livros são convites para uma viagem, que é ao mesmo tempo igual e diversa, porque vivida por leitores em fases diferentes da vida e da sua experiência de mundo.
Quem são as personalidades literárias que aparecem em “De onde vem o português?“
Os trovadores e jograis – músicos e poetas que compuseram, em galego-português, as cantigas com as quais se inaugura a Literatura Portuguesa e que aparecem entre as páginas 11 e 21 do livro. Entre os muitos que se dedicaram a isso, destacamos D. Dinis, que também foi rei de Portugal entre 1279 e 1325.
Fernão Lopes – historiador e cronista, trabalhou por pelo menos 36 anos para a corte portuguesa, entre os anos de 1418 e 1454. Ele aparece entre as páginas 25 e 33 do livro.
Gil Vicente – dramaturgo, ativo entre 1502 e 1536, sempre a serviço da corte portuguesa. Aparece entre as páginas 34 e 37 do livro.
Luís de Camões – poeta e prosador de grande maestria, nascido provavelmente em 1524 ou 1525, morreu em 1580. Aparece a partir da página 38 do livro.
Estante de livros
Catálogo de literatura portuguesa
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De onde vem o Português?
Quem nunca se perguntou de onde vem o Português, a quinta língua mais falada no mundo? Neste livro de Susana Ventura, o pequeno leitor é convidado a navegar pelas origens da Língua Portuguesa, dos castelos medievais na Península Ibérica às terras além-mar.
De onde vem o Português? traz à tona as mudanças pelas quais a nossa língua-mãe passou até tornar-se o idioma adotado por você e por mim, exercitado com suas diferenças em nove países e compartilhado por cerca de 250 milhões de pessoas. Em letra bastão.
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Convite à navegação
Em Convite à navegação, Susana Ventura traça um panorama histórico da formação da língua portuguesa, partindo da Idade Média, passando pelo Renascimento, visitando a Península Ibérica num momento crucial de nascimento das letras europeias e relatando o ambiente singular em que nasceu a arte literária portuguesa, construindo pontes com os autores mais importantes da literatura lusófona contemporânea e relatando as diferentes variações que o idioma exercitou até chegar na sua forma atual. Uma obra para todos os que lidam com a língua portuguesa, tanto em suas manifestações literárias quanto na comunicação do cotidiano, na escola e na vida.
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