Curadoria: Teatro vivo na escola
Para apoiar os educadores na escolha dos títulos a serem trabalhados nas escolas, a Editora Peirópolis desenvolve, desde 2021, uma proposta de curadoria de leituras. A partir de cada foco, elegemos uma “família” de obras que dialogam com o assunto, buscando apresentá-las, contextualizar sua pertinência e sugerir propostas para serem desenvolvidas com os estudantes. O material é elaborado por especialistas, de acordo com as habilidades e competências previstas na BNCC.
O teatro está presente em sua escola? De que maneira? Os estudantes conhecem textos de dramaturgia e são convidados a encená-los? Por que será que os textos de dramaturgia, tão importantes na literatura, ainda circulam com timidez nas escolas brasileiras? Buscando responder a essas e outras questões, Tuna Serzedello, professor de teatro, dramaturgo e diretor, e Ana Carolina Carvalho, colaboradora na Editora Peirópolis e formadora de educadores, oferecem reflexões e caminhos para que o teatro se faça cada vez mais presente, tanto como ferramenta, quanto como conteúdo, ao longo de toda a escolaridade básica.
A partir da leitura da curadoria, os professores poderão se aproximar das características do texto teatral e suas implicações para a formação de leitores, conhecer diferentes formas de dramaturgia que nos cercam hoje em dia, e pensar nas possibilidades do teatro se fazer presente na sala de aula, inclusive como um poderoso meio de se exercitar importantes habilidades para atuar no mundo contemporâneo: ouvir e colocar-se no lugar do outro.
O convite está feito! Dele fazem parte todas essas reflexões, propostas de abordagens do teatro na escola e uma variada estante de livros, em que estão presentes clássicos da dramaturgia e textos contemporâneos. Quem vem apreciar?
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Curadoria-Teatro-vivo-na-escola-1
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Vinde, Vinde, Moços e Velhos, Vinde todos, apreciar…
(Antonio Nóbrega, no CD Pernambuco falando para o mundo)
Curadoria por Ana Carolina Carvalho e Tuna Serzedello
PERSONAGENS
Curadora de leituras
Professora
CENÁRIO
Qualquer sala de professores de qualquer escola brasileira.
CURADORA (entusiasmada, convidativa) Vai começar o espetáculo! Mas, antes disso… que tal uma conversa?
PROFESSORA (surpresa) Uma conversa sobre o quê?
CURADORA Ora, sobre o teatro! E sobre a escola. Sobre o teatro na escola! E a pergunta que não quer calar:
O teatro está presente na sua escola?
PROFESSORA (perplexa) O teatro?
CURADORA Sim, o teatro mesmo, como dramaturgia lida e encenada. Para além da leitura de um texto literário qualquer, seguida de encenação, ou seja, para além da tão famosa “dramatização” que vira e mexe encontramos nas escolas.
PROFESSORA (hesitante, tomada de dúvidas) Bem… é que… o teatro… na verdade… a dramatização… não são a mesma coisa?
CURADORA Essa é uma dúvida corrente. Mas, na verdade não são, não! O que nos leva à mais uma pergunta:
Por que a dramatização depois da leitura não é teatro?
Sabemos que essa é uma proposta um tanto comum nas escolas: a partir da leitura de um conto, por exemplo, propor aos estudantes que encenem a história. Em geral, a atividade surge como recurso de aproximação à obra literária, às vezes até mesmo no lugar da conversa; em outras ocasiões, como desdobramento após a interação entre os leitores. Você já presenciou, ou até mesmo planejou, esse tipo de atividade?
PROFESSORA Olha, eu não vou mentir. Já fiz isso muitas vezes! Então, não era teatro o que eu estava propondo?
CURADORA A questão é que esse tipo de proposta pode ficar a meio caminho: não é teatro propriamente dito e nem costuma se realizar a partir da leitura de um texto dramatúrgico. Afinal, conto é conto! E texto escrito para teatro é outra coisa: tem características próprias e solicita do leitor outras competências. Para um conto “virar” texto teatral, não basta transformar a narrativa em diálogos, é preciso realizar uma adaptação que inclua certas especificidades do texto escrito para o teatro, com suas marcas típicas e a sua forma.
O que acontece é que o texto teatral não frequenta muito a escola…
PROFESSORA Pois é! Agora estou me dando conta disso!
CURADORA O desafio que enfrentamos ao levar esse tipo de texto para a escola é que, no geral, lemos muito pouco dramaturgia. Vamos fazer um rápido teste? De que texto dramatúrgico você se lembra de ter lido? Quantos consegue enumerar?
PROFESSORA (pensativa) Lido mesmo? Olha… agora, eu não me lembro, assim de cabeça… Ah, eu li Hamlet! Faz tempo, mas eu li! E li também Édipo rei. Isso… Li essas duas peças na vida. Mas faz tanto tempo… que nem me lembro direito como elas eram.
CURADORA Pode até ser que a gente encontre alguns leitores “fora da curva” e que tenham um vasto repertório desse tipo de texto. Mas, se sairmos por aí perguntando, será fácil concluir: em geral, lemos pouco ou, quase nada, desse gênero!
PROFESSORA Realmente! E o teatro está tão presente na história da humanidade… Como deixamos tão fora da escola?
CURADORA Exatamente! É um gênero que se liga a uma forma de arte milenar e fundamental. Gênero que tem como exemplo obras de alguns dos maiores escritores da humanidade. Sim! Vários deles eram dramaturgos. Desde a Idade Média até o século XX, grande parte das obras clássicas era formada por textos teatrais. William Shakespeare, Molière, Henrik Ibsen, Federico García Lorca e Samuel Beckett são alguns nomes que podemos citar, entre muitos outros. Além disso, obras teatrais clássicas e antiquíssimas continuam atuais e tendo muito a nos dizer, como esses que citamos, ou, se quisermos ir um pouco mais longe: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, dramaturgos que viveram na Grécia antiga. Isso, só para ficar nos mais conhecidos da sociedade ocidental. Existem muitos outros, homens, mulheres…
PROFESSORA Mas, por que, então, com tantos autores consagrados, lemos tão pouco o texto teatral?
CURADORA Tenho pensado muito sobre isso! Talvez pelo próprio paradoxo que há nessa arte. Em seu livro Para ler o teatro, a dramaturga e teórica francesa Anne Ubersfeld nos fala que o teatro é a arte do paradoxo: “a um só tempo produção literária e representação concreta; arte a um só tempo eterna (indefinidamente reprodutível e renovável) e instantânea (nunca reprodutível como idêntica a si mesma): arte da representação que é de um dia e nunca a mesma no dia seguinte”. Não é incrível isso? É sempre única!
PROFESSORA (extremamente admirada) Nossa! Eu nunca tinha pensado nisso! E acho que sempre associei teatro só aos palcos, mesmo. Nunca pensei em procurar textos teatrais para ler. Acho que esse paradoxo complica mesmo, e muitas pessoas simplesmente se esquecem de que uma peça é escrita! Ficam achando que teatro é só a encenação. Algo distante da escola.
CURADORA Isso mesmo! Talvez pela própria força da representação, como marca do teatro, o texto dramatúrgico tenha ficado de fora do cânone literário que costuma habitar as escolas. Então, a primeira questão que a gente precisa reconsiderar é que o texto teatral pode e deve, sim, ser lido, pela própria qualidade literária. Mesmo quando não temos a intenção de encenar aquela peça. Ainda que o teatro como encenação seja uma atividade que certamente deve estar presente na escola.
PROFESSORA Você falou em qualidade literária… Ou seja, texto dramatúrgico é, sim, literatura!
CURADORA Isso mesmo! Mas, será que todos sabem ler o texto teatral?
PROFESSORA Aí é que está! Eu desconfio que não, porque nenhum texto é lido exatamente da mesma maneira, não é? Cada texto tem sua forma própria de ser lido.
CURADORA Sim! E é provável que o leitor com pouca ou quase nenhuma intimidade com esse tipo de texto se pergunte, apoiando-se naquilo que já conhece: posso ler o texto teatral como leio o conto ou o romance? Ou então: como eu faço para ler esse tipo de texto? Tem um modo próprio? E a resposta aqui seria:
Deve-se ler o teatro como texto literário, mas considerando as suas especificidades
PROFESSORA E quais são essas especificidades?
CURADORA Boa pergunta! Para ler, é preciso saber o que é um texto de teatro, como ele se organiza.
Então, vamos lá! Com vocês, o texto teatral!
O texto teatral, de modo geral, é composto de duas partes: os diálogos e as rubricas (também chamadas didascálias, essa palavrinha esquisita). Os diálogos, a gente sabe o que são. E as rubricas nada mais são do que as indicações cênicas, ou seja, as instruções que o autor (ou autora) dá aos atores e atrizes para interpretar o texto dramático. A Anne Ubersfeld, já conhecida nossa, escreveu o seguinte sobre os diálogos e as rubricas: “A relação textual diálogo-didascálias é variável de acordo com as épocas da história do teatro. Às vezes inexistentes ou quase (mas plenas de significação quando existem), as rubricas podem ocupar um espaço enorme no teatro contemporâneo. […] Mesmo quando parecem inexistentes, o lugar textual das rubricas nunca é nulo, pois elas abrangem o nome das personagens, não apenas na lista inicial, mas no interior do diálogo, e as indicações de lugar: ou seja, respondem às perguntas quem? e onde?”
A grande diferença entre os diálogos e as rubricas está na enunciação, ou seja, de quem é aquela voz. Os diálogos são compostos por frases ditas pelos personagens, ao passo que nas rubricas, a voz é a do autor, ao nomear quem fala, quando fala, quais são seus gestos, ações, sentimentos.
Portanto, as rubricas, mesmo quando o texto não será encenado, devem ser lidas, pois contribuem para que o leitor ou a leitora construam muito do imaginário (cenários, ações, vozes… enfim, muito do clima daquela narrativa).
PROFESSORA Interessante… Mas eu acho que tudo vai ficar mais claro quando a gente ler de fato uma peça teatral, não é? Parece tudo tão abstrato…
CURADORA Claro! Vamos ver alguns exemplos? Na peça Atirem-se ao ar! O que nunca ninguém contou de uma viagem histórica, de António Torrado, as rubricas apresentam a descrição inicial das personagens, mas também elementos que compõem cada cena, da seguinte maneira:
1º ATO, CENA 4
Bote sobre o mar. Nele vêm Dr. Hélio, já sem gesso no braço, e Patacho com os dois braços em gesso. Patacho tem remos aplicados ao gesso dos braços. Só ele rema. Dr. Hélio de binóculos assestados para longe. Luz de madrugada.
HÉLIO
O mar está calmo. Rema. Rema sempre.
PATACHO
Apetecia-me descansar só um bocadinho…
HÉLIO
Nem sonhes! Nós temos de nos afastar do hidroavião. Não podemos ser vistos.
PATACHO
(Numa lamúria.) Estou tão enjoado…
HÉLIO
E eu estou farto dessa chiadeira: “Estou enjoado… Estou enjoado…”
CURADORA A partir desse trecho da peça, muitos aspectos relativos à forma podem nos chamar a atenção. O que você reparou?
PROFESSORA Acho que a primeira coisa foi a diferenciação entre as tipografias das rubricas e dos diálogos, a distribuição do texto na página e essa divisão do texto em atos e cenas. Todos eles, eu percebi, interferem na leitura da peça.
CURADORA Leitora atenta, você! Mas esse foi um exemplo. Isso não quer dizer que todas as peças sejam escritas da mesma maneira, com rubricas e diálogos divididos dessa forma. Por isso é que eu disse que o texto, de modo geral, se organiza dessa maneira. Para ler o texto teatral, devemos, sim, conhecer essas características, mesmo que elas mudem de uma peça para outra. E aí está a beleza da criação: muitos dramaturgos brincaram com essa estrutura do texto teatral.
PROFESSORA Estou ficando curiosa…
CURADORA Então, vamos conhecer outro exemplo? Em Jerusalém de nós, peça de um ato de Leo Lama, notamos outro modo de apresentação das rubricas, ao indicar personagens, cenários, figurinos e observações sobre as próprias rubricas, que, aqui, ganham status de fala das personagens, mas fora do texto, como se fosse uma comunicação direta com a plateia. Olhe como a peça começa:
NURIT
RECEPCIONISTA
Cenário:
Não realista. Pode não haver cenário.
Figurinos:
A recepcionista supostamente estaria usando um jaleco cinza por cima de uma roupa de soldado. Nurit, uma roupa típica de professora da universidade de Jerusalém. No entanto, os figurinos podem ser completamente diferentes dos descritos nas rubricas.
Observação:
As rubricas, sempre no futuro do pretérito, devem ser ditas para a plateia, olho no olho, com as atrizes sendo elas mesmas, fora do contexto da cena. Cada atriz diz a ação da sua personagem, sem necessariamente realizar a movimentação narrada (a não ser quando indicado diferente).
RECEPCIONISTA: A LUZ ASCENDERIA. A RECEPCIONISTA ESTARIA DIGITANDO EM UM COMPUTADOR.
NURIT: NURIT ENTRARIA EM CENA, UMA REPARTIÇÃO PÚBLICA. ELA ESTARIA SEGURANDO UM REVÓLVER.
RECEPCIONISTA: O que é isso? O que está acontecendo?
NURIT: Eu…
RECEPCIONISTA: O que a senhora pretende com esse revólver? Não me mate! A polícia…
NURIT: Revólver? Que revólver?
RECEPCIONISTA: A senhora está segurando um revólver.
NURIT: NURIT PERCEBERIA O REVÓLVER.
RECEPCIONISTA: Cuidado com isso!
PROFESSORA (admirada) Que interessante! Realmente, as rubricas viraram falas! Mas fora do diálogo das personagens. Notei que todas se referem às ações que as personagens fariam.
CURADORA Sim! São falas que servem para provocar a imaginação da plateia. Nessa peça, como indicado na rubrica, quase não há movimentação das atrizes. O movimento é imaginado pelo espectador.
PROFESSORA Muito interessante! E diferente de tudo o que eu vi no teatro… Mas, aqui, as rubricas ainda existem. E você tinha dito que nem sempre elas estão presentes. Você pode dar um exemplo de ausência total das rubricas?
CURADORA Claro! A liberdade que a gente observou nessas duas formas de textos teatrais contemporâneos pode levar a um extremo, retirando completamente as rubricas de algumas ações. Aliás, é curioso notar que a ausência dessas marcas não é privilégio de alguns textos atuais. De novo, eu peço ajuda a Anne Ubersfeld. Em seu livro, ela nos lembra que, inicialmente, não havia rubricas nas peças de Shakespeare e que elas foram retiradas dos próprios textos e surgiram depois da primeira edição de suas obras.
PROFESSORA (animada) Que legal saber disso! E eu, que sabia tão pouco sobre essa diversidade de formas do texto teatral, agora quero conhecer mais e mais.
CURADORA É pra já! No livro O teatro que muda o mundo, o dramaturgo e professor Tuna Serzedello nos apresenta a peça Lance livre, sem rubricas, apenas com a seguinte indicação:
(Nota do autor: Essa peça não é um monólogo, e não vem com manual, nem com uma série de instruções para a sua encenação. Como irão ver, não existem marcações de palco definidas e nenhuma indicação na margem do texto de quem fala o quê. As palavras podem ser ditas por qualquer número de atores e atrizes, de um a cem. E a direção pode ser simples ou elaborada quanto vocês quiserem. Meu único pedido é que algumas coisas sejam deixadas para a imaginação da plateia.)
(A pontuação do texto propõe um pulsar para o espetáculo. As faltas de pontuação são propositais para manter o ritmo da peça.)
Abro os olhos
Vejo vermelho
Viscoso
gosto de metal na boca
É sangue
É meu
A poça que envolve a minha bochecha
É minha
Vejo o mundo de baixo para cima
Tenho 3 balas no meu corpo
PROFESSORA (animada): Nossa! Incrível! Dá vontade de sair falando esse texto…
CURADORA E o que você me diz de uma peça escrita só com rubricas?
PROFESSORA Como assim? Isso existe?
CURADORA Existe e foi escrita por um dos maiores dramaturgos de nossa história: Samuel Beckett. Trata-se de sua peça Ato sem palavras, encenada a partir das rubricas, sem que se tenha um só diálogo. Olhe só:
Personagem: Um homem. Seu gesto instintivo é dobrar e desdobrar um lenço.
Cenário: Espaço deserto. Luz intensa.
Ação: Empurrado pelas costas da lateral direita, o homem tropeça, cai, levanta-se em seguida, sacode o pó, reflete.
Assovio da lateral direita.
Reflete.
Sai pela direita.
Imediatamente volta a ser empurrado para a cena, tropeça, cai, levanta-se em seguida, sacode o pó, reflete.
Assovio da lateral esquerda.
Reflete.
Sai pela esquerda.
Em seguida volta ser empurrado para a cena, tropeça, cai, levanta-se em seguida, sacode o pó, reflete.
Assovio da lateral esquerda.
Reflete, vai até a lateral esquerda, para antes de chegar, salta para trás, tropeça, cai, se levanta em seguida, sacode o pó, reflete.
Uma arvorezinha desce do teto, aterriza. Tem apenas um galho a três metros do chão e no alto algumas folhas que projetam uma pequena sombra.
O homem continua refletindo.
[…]
PROFESSORA (muda, admirada e surpresa com o texto)
CURADORA Mas nem só de rubricas (ou da ausência delas) e de diálogos (ou do silêncio) são feitas as peças! O que mais você costuma notar que pode fazer parte desse tipo de texto?
PROFESSORA (reticente, com certo receio de opinar) O ato… As cenas?
CURADORA Isso mesmo, não precisa ter medo de errar! Estamos todos sempre aprendendo! São esses mesmo os outros componentes das peças teatrais.
O ato
CURADORA Para sermos mais precisos, vamos consultar o Dicionário de teatro, de Patrice Pavis. Ele diz que o ato pode ser entendido como “a divisão externa da peça em partes de importância sensivelmente igual em função do tempo e do desenrolar da ação”.
PROFESSORA Ah, claro… Eu me lembro de ter visto peças de mais de um ato. Tem até um intervalo no meio! Toca aquele sinal, a gente tem alguns minutos para ir ao banheiro, se esticar um pouco, tomar água…
CURADORA Mas você sabe que nem sempre o fim de um ato e o começo de outro são anunciados com esse sinal de que você se lembrou. É interessante saber que, ao longo do tempo, as marcações que indicavam a mudança de ato em uma peça foram se alterando. Olha o que o Pavis fala a respeito dessas formas variadas de marcar os atos: intervenção do coro, baixar as cortinas (a partir do século XVII), mudança de luz ou blackout, refrão musical, cartazes…
PROFESSORA Por que tanta diferença?
CURADORA Porque os cortes entre os atos respondem a variadas necessidades das peças e, também, às condições de encenação. As tragédias gregas, por exemplo, não conheciam as subdivisões em atos, mas havia o coro, que surgia para marcar os diferentes episódios. E, quando as peças eram encenadas à luz de velas, era preciso mudá–las de lugar, alterar o cenário… Mas é claro que os atos servem também para indicar alterações no próprio texto, como os cortes temporais e os cortes narratológicos, que têm a ver com o conflito, o seu desenvolvimento e a sua resolução, por exemplo.
PROFESSORA Mas algumas peças não têm essa divisão em atos, não é?
CURADORA Sim! Aqui mesmo vimos exemplos de peças de um único ato.
PROFESSORA E as cenas?
CURADORA As cenas são o segmento temporal do ato, ou seja, representam um momento em que uma ação ocorre. Em geral, a entrada ou a saída de personagens na ação marca o fim de uma cena. E, se a gente fizesse um paralelo dessa nossa conversa com uma peça teatral, poderíamos dizer que estamos chegando ao final de um ato.
PROFESSORA Já? Mas essa conversa está tão boa…
CURADORA E vai ficar ainda melhor no próximo ato! Ou seria… na próxima peça? Com esse sobrevoo pelos textos teatrais, você pode agora ampliar o seu repertório e os dos seus estudantes sobre os textos teatrais, criando uma intimidade com os diálogos, as rubricas, as cenas e os atos, conhecendo muitos modos de escrita para a representação da vida e da condição humana, seus medos, anseios e desejos, nos palcos. Aceita esse convite?
PROFESSORA Claro! Me deu vontade de ler mais e mais texto teatral! Mas e agora? O que vamos fazer? Você disse que teria mais um ato ou seria uma peça… Como vai ser?
CURADORA Calma! Agora, a gente vai conhecer uma proposta para o teatro na escola, escrita por Tuna Serzedello. Vamos lá?
PROFESSORA (ansiosa) Não vejo a hora!
CURADORA A hora é agora!
Uma proposta para o teatro na escola
Tuna Serzedello
Um atalho para a professora e o professor. Teatro para ser lido, representado, experimentado.
No conto infantil, Chapeuzinho Vermelho pega um atalho pelo bosque e, com a intenção de chegar mais cedo à casa da avó, acaba encontrando o Lobo Mau. Que caminho você, como professora/professor, escolhe em suas aulas? Independentemente do seu Waze educacional, você não escapará do conflito. Não com o Lobo, mas com sua classe, com as diferentes individualidades, vontades, especificidades de cada aluno. E, se o conflito é inerente à sala de aula, você, como docente, precisa (além de uma dose de doçura), conhecer algumas técnicas teatrais, pois o teatro se organiza a partir do conflito e é por meio da resolução do conflito que se chega (às vezes) a um final feliz.
Prólogo
No início de uma peça de teatro, e do ano letivo, temos a famosa apresentação das personagens. No teatro, ela se dá pelas ações das personagens e, na vida real, também. Não lemos os seus pensamentos, mas vemos aquilo que fazem! A professora e pesquisadora Marina Marcondes Machado diz, em um artigo, que a criança é performer, a partir da noção de infância proposta por Maurice Merleau-Ponty, e aponta que, para lidar com essa criança, o professor também é um performer e que o estado de aprendizado nas aulas é um estado permanente de jogo. Portanto, aprofundar a sua formação docente com algumas técnicas teatrais é um atalho para chegar ao coração dos seus alunos e alunas, mas não sem antes aprender a domar o Lobo Mau.
Temos duas maneiras de pensar o teatro na escola: uma, como ferramenta; outra, como conteúdo. E, se o teatro é a arte que congrega todas as outras linguagens em si, nada melhor do que apropriar-se dos seus conceitos a respeito de todas as formas e usá-los das duas maneiras mencionadas acima.
Ato 1 – O professor como performer
Se a sala de aula é um grande palco, como preparar-se para a longa temporada de um ano letivo de apresentações? Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), temos algumas pistas para ajudar a percorrer esse caminho:
(EF69AR27) Pesquisar e criar formas de dramaturgias e espaços cênicos para o acontecimento teatral, em diálogo com o teatro contemporâneo.
Se imaginarmos cada aula como uma narrativa, podemos construir uma dramaturgia para cada conteúdo, dialogando com os discentes. Como aplicar o seu conhecimento de curvas dramatúrgicas em sala de aula? Pode-se, por exemplo, pensar seu currículo a partir da função dos alunos e alunas.
- Aulas em que a classe atuará como plateia (como aulas expositivas) e nas quais o foco será sua preparação como performer – O que fazer para tornar a aula memorável? Levar um adereço? Um f igurino especial? Usar uma máscara? Uma mudança no tom de voz? Uma movimentação diferente na sala? Iluminação especial? Uma trilha ou alguns efeitos sonoros? Deitar-se no chão? Subir na cadeira? Um cenário montado com uma nova disposição das carteiras na sala? Sua criatividade não tem limites.
- Aulas em que a classe será um coletivo teatral – Com funções definidas, cada estudante vai desempenhar uma tarefa: escrever, desenhar, atuar, tocar, produzir, organizar, registrar, divulgar. Percebeu que esses verbos são todos de ação? Então, eles podem servir para diversos tipos de aula.
- Aulas em que a classe é “espect-ator” – o dramaturgo Augusto Boal cunhou esse termo em sua obra Teatro do oprimido para fazer com que os espectadores saiam do seu papel passivo para assumirem o destino das histórias no palco e assim tornarem-se protagonistas de suas próprias vidas. Vale a ler essa obra para apropriar–se das técnicas de “teatro-fórum”, que podem ser aplicadas para diversas atividades pedagógicas.
Ato 2 – Ampliar o repertório cultural e as formas de ler o mundo
É difícil ler o mundo contemporâneo ao mesmo tempo que estamos inseridos nele. Augusto Boal diz que o ser humano é teatro, pois é a única espécie da natureza capaz de ser ator e espectador de seus próprios atos. Boal nos mostra uma importante ferramenta para apreender criticamente a realidade ao representá-la para nos distanciarmos dela e, ao mesmo tempo, entendermos seus mecanismos, ampliando o conceito de distanciamento do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht para aplicá-lo em diversas áreas do conhecimento.
Para dialogar com o mundo contemporâneo, a partir da sala de aula, é importante ampliar as estratégias para além do uso de vídeos, colocar alunos e alunas para representar essas questões ou construír saídas para situações complexas usando o corpo todo em vez de somente o cérebro.
(EF15AR22) Experimentar possibilidades criativas de movimento e de voz na criação de um personagem teatral, discutindo estereótipos.
Quais são as formas de dramaturgia que nos cercam hoje em dia? Nunca fomos tão envolvidos por histórias e narrativas como agora. Os jovens e crianças que frequentam as salas de aula têm milhões de horas de tela na sua bagagem cultural, consumindo narrativas e histórias, provenientes de séries, games e reels. Ter acesso a tantas histórias pode nos paralisar ao tentarmos construir a nossa própria. Precisamos dar ferramentas para que aprendam a construir narrativas, aos alunos e alunas para que conectem a sua individualidade ao mundo exterior e se vejam como agentes de mudança dessa sociedade.
Para tanto, ler/representar dramaturgias em sala de aula é um atalho incrível. Quanto conhecemos dos gêneros dramatúrgicos? O que transforma algo em uma comédia? É possível construir uma situação para fazer rir? Quais são os elementos do drama? Como, a partir de uma situação ficcional, conseguimos emocionar alguém? Como fazer alguém sentir? Percebem que as formas dramatúrgicas têm em comum um sentimento e uma intencionalidade para atingir aquele sentimento nos outros?
Para entender como isso é feito, precisamos de uma investigação. Ler/representar textos teatrais em sala de aula é uma aventura deliciosa. Exige mudança de vozes, muitas vozes, diversos leitores e leitoras. Exige interpretação de texto: o que ele/ela quis dizer com essa frase, nesse contexto? Será que esse “Eu te amo” queria mesmo expressar amor? E se isso for dito de outro jeito? Com raiva, com pressa, com vontade de chorar, aos gritos, sussurros. O como dizer interfere no significado do que é dito?
Em um romance, o autor nos dá informações sobre o que está acontecendo ao redor da personagem, se os seus olhos estão marejados, se o cheiro é de relva úmida, se ele lembrou da sua infância ao ver um brinquedo, e assim por diante. No teatro, precisamos de um leitor/ator, leitora/atriz que se coloque no lugar das personagens e tente pensar como elas. Exige uma leitura ativa. Na literatura dramática, a ação ocorre no conflito, no embate de vontades. Dramaturgos e dramaturgas são econômicos e econômicas, usam poucas palavras para compor uma cena. Cabe a nós entender pelo contexto da cena, o que está se passando. E, muitas vezes, as mesmas palavras e a mesma cena podem significar, coisas distintas, dependendo da maneira com que é representada. Percebem a riqueza da leitura de peças em sala de aula?
Você não terá leitores/leitoras em sala, mas sim encenadores/encenadoras! Ao lermos uma peça e fazermos escolhas sobre como encaminhar uma cena, já podemos considerar esse movimento como uma primeira encenação.
O texto teatral pode, ou não, trazer rubricas da autora/autor para orientar sua leitura e encenação. Para que servem essas rubricas? Elas ajudam o leitor/encenador, a leitora/encenadora? No teatro contemporâneo, em especial naquele para jovens, as rubricas estão em extinção, justamente para dar mais liberdade à encenação e para romper com os papéis de gênero, espaço e individualidade. E se a cena for lida em coro?
Ao lermos um texto contemporâneo, como podemos interferir em sua encenação levando em conta as nossas escolhas? Experimente ler com a turma a peça Lance livre, que integra o livro O teatro que muda o mundo, para saborear essa investigação.
A leitura de textos teatrais na escola exercita ainda duas importantes habilidades para atuar no mundo contemporâneo: ouvir e colocar-se no lugar do outro. O teatro tem clara essa função de um silenciar enquanto o outro fala. É preciso ouvir para não perder a deixa. Essa necessidade formal é um convite à empatia, para ver o mundo literalmente com os olhos do outro ao viver uma personagem ficcional. O teatro é uma aula de cidadania e formação socioemocional.
Ato 3 – Não sou um, sou muitos
Há diversas formas de ver e fazer teatro. No palco, todas as habilidades humanas estão reunidas: o saber matemático, da geometria ao cálculo; da ótica à propagação do som: a arquitetura, a manufatura, a música, a moda, a dança, a tecnologia, o cinema, a poesia – tudo o que você puder imaginar cabe no palco de uma peça teatral.
As combinações das disciplinas formais com as habilidades e os desafios são um convite para usar o teatro em seus planejamentos. Quais são as fronteiras do teatro? Qual a diferença em se realizar um trabalho para a cena sozinho, em duplas, trios ou coletivamente? Como dividir funções e somar talentos? Todas as habilidades são necessárias para a construção de um espetáculo.
(EF69AR28) Investigar e experimentar diferentes funções teatrais e discutir os limites e desafios do trabalho artístico coletivo e colaborativo.
Conhecer as formas de produção artística de diferentes espetáculos pode ser um disparador importante para um projeto com vistas na proposta pedagógica mencionada acima. Qual a diferença de um espetáculo de bonecos ou com manipulação de objetos e um com atuadores de carne e osso? É possível um espetáculo teatral sem nenhuma fala? A peça A hora em que não sabíamos nada uns dos outros, do ganhador do prêmio Nobel Peter Handke, por exemplo, é apenas uma sequência de ações sem fala, e pedir para criar uma lista de ações para um tema que você trabalha em sala, como acabar com o aquecimento global. Como fazer uma peça usando sombras? Como a iluminação interfere na maneira com que entendemos uma história? Como falar um texto de modos diferentes?
O conceito de site specific também pode atender à proposta pedagógica citada. Ele diz respeito a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado. Assim, o que aconteceria se uma história fosse encenada na quadra de esportes? Ou na cantina ou no pátio? Existe uma história “do lugar”? Essa história pode ser contada ou inventada. Pode-se também a turma para um lugar específico – site specific – e pesquisar sua história, por meio de fotografias, papéis oficiais, construções, para criar um tipo de documentário, ou captar as sensações e emoções exaladas pelo local, para criar algo ficcional. E essa criação pode ser encenada naquele mesmo lugar que a inspirou.
Uma aluna pesquisa, outro escreve, um transcreve entrevistas, outra aluna faz a entrevista. Uma aluna desenha figurinos, outro produz, um atua, outra toca. O coletivo torna-se forte com a soma das individualidades. E, com essa experiência, podemos nos perceber também como um coletivo uno, como se o grupo todo fosse um indivíduo único com múltiplos talentos, prontos para serem desenvolvidos através do que foi assimilado por meio do aprendizado em pares.
Ato 4 – Sou muitos e sou um
Minha voz e meu corpo são um só, mas as possibilidades que ele tem são inúmeras. Experimentar com meu corpo tudo o que nem imagino que possa fazer é um desafio delicioso.
(EF69AR29) Experimentar a gestualidade e as construções corporais e vocais de maneira imaginativa na improvisação teatral e no jogo cênico.
Essa experimentação pode se dar em conjunto, em trabalhos de improvisação, ou em grupos ou individualmente, com a observação dos outros. É quase um estudo de fenomenologia resgatar o que outros vivem e transformá-lo em cena. Do que preciso para criar uma cena?
Se colocarmos um objeto qualquer em um museu, apenas pelo fato de estar exposto naquele ambiente ele, “se transforma” em arte? Se o objeto não muda, a mudança da maneira de observá-lo arte? Seria arte “apenas” uma maneira de ler o mundo? Como fazer com que outros experimentem novas leituras do mundo? Clarice Lispector disse: “Não se ‘faz’ uma frase. A frase nasce”. Como criar um ambiente propício para que a turma descubra o que faz a sua criatividade nascer?
Jogos teatrais, em especial os criados por Viola Spolin, autora e diretora autora e diretora de teatro, considerada a criadora do teatro improvisacional, constituem uma boa base para iniciar essa metodologia, que pode também ser experimentada a partir de outras linguagens artísticas, como a história em quadrinhos (HQs).
As HQs são sequências de imagens estáticas que contam uma história. As narrativas também são contadas em “balões”, que são as falas das personagens e dos quadrinhos, uma espécie de rubrica do teatro. Pode-se trabalhar a contextualização dessas artes e encenar uma peça inspirada em quadrinhos ou criar HQs com base em uma dramaturgia. A coleção Clássicos em Quadrinhos pode ser uma boa inspiração para essas aulas. O autor e cartunista Caco Galhardo até emprestou e transformou em atores seus personagens das tiras dos jornais para a produção do seu livro Tio Vania em quadrinhos – um belo exemplo de criatividade –, adaptado do clássico texto teatral de Anton Tchekhov, Tio Vânia.
A fotografia e o cinema também seguem essa lógica do quadrinho. Em uma foto, não há texto, mas há intencionalidade, iluminação, tensão, cores, enquadramento. O que aconteceu minutos antes da captura daquela imagem? E depois? Uma cena de filme é a sucessão de quadros parados, como uma HQ; não é à toa que os diretores de cinema elaboram storyboards para planejar as filmagens. Novamente socorrendo-nos de Augusto Boal, ele criou uma técnica que pode ajudar a embasar trabalhos com fotos, cinema e HQs – é o teatro imagem, “uma ferramenta essencial para envolver o espectador, estimulando sua criatividade” (Jogos teatrais para atores e não atores).
Ato 5 – Ser e crescer: eis a questão
As peças de Shakespeare têm cinco atos de duração. Não por acaso, o texto deste nosso livro também foi dividido dessa forma, para convidar você a entrar no universo dos dramaturgos. O quanto você conhece de dramaturgia e da história do teatro? De que maneira as formas com que as peças são escritas revelam o momento histórico e uma crítica aos valores e normas vigentes?
A leitura de textos teatrais de diferentes épocas nos leva a conhecer sobre como cada sociedade era organizada. Analisar quem está em cena, o quanto dura a peça, qual o tamanho de cada fala, quem fala mais e por quê – e o que – diz. Se os textos são divididos em atos, partes, sem divisões. De que se precisa para colocar um texto em cena e que outras linguagens podem amplificar aquele discurso ou mesmo criar um atrito para obter uma visão crítica do que é dito.
(EF69AR30) Compor improvisações e acontecimentos cênicos com base em textos dramáticos ou outros estímulos (música, imagens, objetos etc.), caracterizando personagens (com figurinos e adereços), cenário, iluminação e sonoplastia e considerando a relação com o espectador.
Dentro desse contexto, pode-se criar um universo para cada texto teatral. Pensando na sua forma. Em uma peça de cinco atos, por exemplo, quantos personagens e acontecimentos devem ocorrer para que a história tenha essa duração? E se for uma obra de cinco minutos? E de um minuto?
Além do tempo e da forma, outro disparador para elaboração dessas improvisações indicadas pela BNCC podem ser figurinos e objetos. Nesse caso, peça a cada aluno ou aluna que traga um objeto de casa que seja importante na vida dele ou dela, algo com significado, que tenha uma história por trás. Não a foto do objeto, mas o próprio artefato, para que possa ser visto, manuseado. Na escola, faça uma exposição com esses objetos, para que todos os alunos e alunas possam observá-los. Depois, peça a cada um deles e cada uma delas que escolha um objeto exposto, mas que não seja aquele que ele ou ela trouxe. A seguir, peça-lhes que examinem, individualmente ou em grupo, o objeto selecionado, observem-no meticulosamente e, por fim, e imaginem uma história para ele. O que o tornou tão especial?
Algumas histórias, criadas e inspiradas nos objetos de estimação dos alunos e alunas podem ser lidas e encenadas, e, em um outro momento, confrontadas com a história real deles.
A improvisação quase não tem limites. Pensem, ou imaginem: que narrativa pode ser construída com base numa sinfonia de Mozart? E num rock do Nirvana? E numa canção da Taylor Swift? E, ainda, como seria uma cena criada para a canção de Taylor Swift com trilha sonora de uma sinfonia de Mozart?
Além de trabalhar o sentido da audição, devemos desenvolver a observação. O que se aprende ao observar colegas? Como se vê melhor determinada cena? Quais são as possibilidades de se dispor uma plateia? A cena improvisada fé mais adequada para uma arena, onde o público fica mais próximo dos atores? Ou cabe melhor num palco italiano, o mais comum, onde os espectadores ficam de frente para a cena? Como um elenco e a direção da cena delimitam o espaço cênico? Qual a diferença do lugar em que se vê? O lugar do qual eu vejo muda o entendimento daquilo que vejo?
Epílogo
Epílogo prevê conclusão, um desfecho da história. É a hora de se conhecer o destino das personagens. Mas, nesse caso, se você leu este texto até aqui, deve ter percebido que a personagem principal é você! E, portanto, o seu destino está em aberto. Você pode construir e escrever o fecho final da maneira que quiser! O que podemos fazer é ajudar algumas pistas, indicando leituras para você abrir seu caminho, sem atalhos, mas com muita garra, até o seu destino.
Em Noite de brinquedo, por exemplo, você pode refletir sobre o quanto dura um reinado – e uma infância – a partir de uma peça que une personagens lendárias e encantadas, como palhaços do reisado, uma vaqueira mestra do aboio e muitos outros, em uma viagem pelo sertão brasileiro.
Se preferir uma viagem de avião, pode acomodar-se na leitura da peça Atirem-se ao ar!, uma história divertida que conta a história da primeira viagem de avião de Portugal ao Brasil. E, por falar em teatro e portugueses, nada melhor que uma história sobre a menina que nasceu nos bastidores de um espetáculo e que nutre uma paixão especial pela obra de Gil Vicente, o livro Meia hora para mudar a minha vida, que é um verso da canção Vambora, de Adriana Calcanhotto.
Se quiser trabalhar com as histórias em quadrinhos, como foi sugerido no Ato 4 deste texto, além do lá citado Tio Vania em quadrinhos, conte com outras criações que adaptam obras clássicas em formato de HQ, não para substituir a leitura do original, mas para ampliar as suas possibilidades, como o clássico da dramaturgia portuguesa: Auto da barca do inferno em quadrinhos ou a tragédia grega Orestes em quadrinhos.
Mas, como você é uma educadora (ou educador), não poderíamos deixar de fora a peça radiofônica de Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos Muitas coisas, poucas palavras – A oficina do professor Comênio e a arte de ensinar e aprender, nela, Chico dos Bonecos conversa com João Amós Comênio, educador nascido na Morávia, em 1592, dedicado à arte de ensinar e considerado o pai da escola pública. Comênio foi um observador atento do que acontecia em sua sala de aula. Com base na sua observação, escreveu Didática magna, publicada em 1657. Suas ideias são apresentadas com muita graça e em meio a músicas, diálogos e versos.
E, por fim, para arrematar todo esse conhecimento e alinhavar essas ideias e obras sugeridas, o livro O teatro que muda o mundo – Experiências com teatro jovem traz experiências reais, dicas de planejamento, erros a serem evitados, e ainda conta com um capítulo sobre aulas de teatro online e uma dramaturgia contemporânea inédita para jovens.
Construa um novo começo para você com essas leituras e proporcione múltiplos finais felizes para cada aluno e aluna que passar pela sua vida.
Referências bibliográficas
BOAL, Augusto. O teatro do oprimido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: 2018.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2019.
______. Jogos teatrais para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
LAMA, Leo. Jerusalém de nós. São Paulo: É Realizações, 2021.
LISPECTOR, Clarice. De escrita e vida – crônica para jovens. São Paulo: Rocco, 2010.
MACHADO, M.M. Merleau-Ponty e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
______. A criança é performer. Educação e Realidade, v. 35, n. 2, 2010. In:https://seer. ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/ view/11444
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 2015.
SERZEDELLO, Tuna. O teatro que muda mundo: experiências com teatro jovem. São Paulo: Peirópolis, 2023.
TORRADO, António. Atirem-se ao ar! O que nunca ninguém contou de uma viagem histórica. São Paulo: Peirópolis, 2015.
UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.
Estante de livros
Auto da barca do inferno em quadrinhos
De Gil Vicente, por Laudo Ferreira, com cores por Omar Viñole
20 x 27 cm • 56 páginas • 4 cores • ISBN 978-85-7596-208-4
Livro digital ISBN 978-85-7596-399-9 (KF8) e 978-85-7596-383-8 (ePUB)
Livro premiado!
Nesta versão do Auto da barca do inferno em quadrinhos, Laudo Ferreira mergulha na obra de Gil Vicente e dá vida às suas personagens: os tipos sociais criados pelo autor português – o fidalgo, a cafetina, o frade, o enforcado, o onzeneiro, o sapateiro, o parvo, o judeu e os homens do judiciário – ganham uma estranha atualidade no traço do quadrinista, enquanto o Diabo e o Anjo, alegorias atemporais, atravessam os tempos em plena saúde. O leitor é transportado para a sociedade portuguesa dos 1500, quando o Brasil estava sendo colonizado, a bordo do humor e do sarcasmo de Gil Vicente.
Esta edição em HQ do clássico medieval contou com a consultoria literária do professor de literatura, dramaturgo e diretor teatral Maurício Soares Filho, que já realizou uma montagem de Gil Vicente com jovens estudantes.
As cores deste Auto da barca do inferno em quadrinhos são de Omar Viñole, parceiro de Laudo Ferreira neste e em diversos outros trabalhos.
Orestes de Eurípedes em quadrinhos
Por Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa e Piero Bagnariol
20,5 x 27 cm • 80 páginas • 4 cores • ISBN 978-65-5931-034-0
Livro digital ISBN 978-65-5931-036-4 (KF8) e 978-65-5931-035-7 (ePUB)
Orestes, de Eurípides, completa o ciclo da guerra de Troia, do qual fazem parte a Ilíada e a Odisseia. Versa sobre a morte de Clitemnestra, assassinada por Orestes, seu filho, com o apoio da irmã Electra. Os dois jovens matam a mãe para vingar o assassinato do pai, Agamêmnon. A obra é uma das mais representativas do tragediógrafo ateniense, constitui-se como um arquétipo da tragédia shakespeariana Hamlet.
A tragédia familiar ganha nova roupagem nessa edição em HQ e se atualiza em uma linguagem contemporânea, sem perder sua essência de obra clássica. O enredo trágico proposto por Eurípides e revisitado por Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa e Piero Bagnariol nos revela o lado sórdido que pode haver nas famílias, os desvios de seus membros e suas violências, e, por consequência disso, nos faz deparar com as profundas questões que envolvem a formação ética do ser humano. A peça toca em temas polêmicos e em desejos profundos e inconfessáveis de todos, possibilitando sua elaboração simbólica.
Tio Vania em quadrinhos
De Anton Tchekhov por Caco Galhardo
20,5 x 27 cm • 88 páginas • 4 cores • ISBN 978-65-5931-092-0
Livro digital ISBN 978-65-5931-088-3 (KF8) e 978-65-5931-093-7 (ePUB)
Tio Vania, texto teatral do dramaturgo russo Anton Tchekhov (1860-1904) encenado pela primeira vez há mais de um século, ganha nova roupagem, originalíssima. O cenário agora são os quadrinhos, e os “atores” saem diretamente das tirinhas de Caco Galhardo para representar os trágicos personagens do texto de Tchekhov. Nas páginas da HQ, o clima da peça e o universo dos personagens são recriados como se estivéssemos vendo-os em um palco, dando a oportunidade de os leitores conhecerem um dos grandes textos da dramaturgia mundial em um formato mais familiar e de grande circulação. Os dramas vividos pelos personagens nos levam a refletir sobre o sentido da vida, sobre os caminhos e escolhas tomadas em cada trajetória. E não nos enganemos pela idade da peça: Tio Vania ainda tem muito a nos dizer. Trata-se de obra clássica que se atualiza a cada leitura, e novas linguagens são sempre bem-vindas para convidar os leitores a descobrirem ou reentrarem no campo vasto desses escritos.
Atirem-se ao ar!: O que nunca ninguém contou de uma viagem histórica
António Torrado
14 x 21 cm • 184 páginas • 1 cor • ISBN 978-85-7596-369-2
Livro digital ISBN 978-85-7596-535-1 (ePUB)
Como um avião, tão mais pesado que o ar, pode vencer o balão, tão menos pesado que o ar, e conquistar os céus, frequentados apenas pelos passarinhos? Essas e outras perguntas encafifavam o dr. Hélio Dantas, incansável inimigo de dois heróis reais: Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Foram eles os primeiros a alcançar o Brasil por via aérea, vindos de Portugal. Por pouco e por culpa das tropelias do dr. Hélio, não ficavam pelo caminho, mas os dois valentes tudo venceram para, depois, muito se rirem dos acidentes da viagem. Riem eles e ri o leitor, ao longo dessa peça teatral de autoria de uma das grandes expressões da literatura para crianças e jovens em língua portuguesa.
Meia hora para mudar a minha vida
Alice Vieira
Ilustrado por Anna Cunha
14 x 21 cm • 160 páginas • 1 cor • ISBN 978-85-7596-255-8
Livro digital ISBN 978-85-7596-436-1 (KF8) e 978-85-7596-422-4 (ePUB)
Livro premiado!
Branca nasceu nos bastidores de um palco, sob a salva de palmas do final de um espetáculo da Feira, como era chamado o lugar, uma comunidade de atores e artistas que tinha paixão pelo teatro, pela arte e, em especial, pelas peças do dramaturgo Gil Vicente. Cresceu forte e equilibrada num ambiente que parecia disfuncional a alguns, bem diferente de um núcleo familiar tradicional. Entre a casa da avó distante, o endereço do pai na Suíça e o acolhimento da casa de infância (a Feira), eram muitas as escolhas da jovem Branca, aos 16 anos.
Livro de uma das mais renomadas escritoras portuguesas que se dedicam à criança e ao jovem, em que ela entrelaça uma canção de Adriana Calcanhotto (Vambora) com o teatro de Gil Vicente e a vida de uma adolescente, é leitura imperdível.
Álbum de família: Aventuranças, memórias e efabulações da trupe familiar Carroça de Mamulengos
Gabriela Romeu
Ilustrado por Catarina Bessell
17,5 x 27,5 cm • 96 páginas • 4 cores • ISBN 978-65-8602-899-7
Livro digital ISBN 978-65-8602-800-3 (KF8) e 978-85-7596-602-0 (ePUB)
Livro premiado!
Álbum de família é uma biografia poética, a biofantasia da trupe familiar Carroça de Mamulengos, uma das mais importantes companhias culturais do país, escrita pela escritora, jornalista, documentarista e crítica teatral Gabriela Romeu, com ilustrações de Catarina Bessell e apresentação de Chico César.
O grupo mambembe foi criado há mais de 40 anos, na década de 1970, por Carlos Gomide, o Babau, menino de muitos sonhos, discípulo de mestres bonequeiros do Nordeste tradicional, que se enamorou de uma moça de grandes saias rodadas e com ela se aventurou pela arte e pela vida. No espetáculo da vida, nasceram os oito filhos, todos crescidos na estrada, cada um deles com um talento diferente para desvendar o mundo e inaugurar uma cena nova no espetáculo da vida.
Noite de brinquedo
Antonia Mattos, Gabriela Romeu
Ilustrado por Luci Sacoleira
18,5 x 23 cm • 128 páginas • 4 cores • ISBN 978-65-5931-236-8
Livro digital ISBN 978-65-5931-239-9 (KF8) e 978-65-5931-235-1 (ePUB)
Este livro nos apresenta a jornada de Maria, uma menina rainha que cresceu brincando reisado, folguedo popular que é uma mistura de teatro, brincadeira e festejo. Até que um dia, assim como manda a tradição desse brinquedo popular, ela precisa passar a coroa para uma menina mais nova. Não bastasse o desafio de viver esse rito de passagem e crescer, coisas estranhas acontecem no terreiro de Yayá, a avó de Maria, e ela é convocada a atravessar o sertão numa noite escura sem fim.
O texto, que tem também uma versão em dramaturgia, foi escrito por Gabriela Romeu e Antonia Mattos, diretora do grupo teatral Clã do Jabuti. As ilustrações são da cearense Luci Sacoleira.
Muitas coisas, poucas palavras: A oficina do professor Comênio e a arte de ensinar e aprender
Francisco Marques Vírgula Chico dos Bonecos
Ilustrado por Alice Masago
A peça radiofônica é um estonteante registro de leitura feito de forma criativa e mirabolante pelo poeta e educador Francisco Marques (Chico dos Bonecos) sobre a Didática magna, de João Amós Comênio, nascido em 1592, na Moravia, atualmente a porção oriental da República Tcheca, e considerado o pai da escola democrática.
Além do diálogo criativo do professor com o leitor e ouvinte, em formato de peça radiofônica, Chico exercita outros gêneros textuais – a poesia, a biograf ia, a entrevista, a prosa – e oferece, em tom lúdico, oportunidades maravilhosas de reflexão sobre a arte de ensinar e aprender e mostra como são contemporâneas, para os desafios da educação atual, as ideias de Comênio.
O teatro que muda o mundo: experiências com teatro jovem
Tuna Serzedello
20,5 x 27,5 cm • 144 páginas • 2 cores • ISBN 978-65-5931-089-0
Livro digital ISBN 978-65-5931-090-6 (ePUB)
Neste livro, o ator, diretor, professor de teatro e dramaturgo Tuna Serzedello compartilha com os leitores sua experiência de mais de vinte anos de trabalho com teatro de jovens. Em linguagem acessível, numa conversa aberta e generosa com os educadores, o autor aborda aspectos como: a composição do grupo, a escolha do texto a ser encenado e a divisão dos papéis, a criação coletiva e a responsabilidade de todos em face da encenação, do improviso, dos erros, dos acertos e da descoberta do talento dos jovens, respeitando a singularidade de cada um deles.
Escrito em tempos de pandemia, a modalidade online não poderia ficar de fora. Para a escrita desse capítulo, o autor convidou a diretora teatral Soledad Yunge para compartilhar a experiência durante o isolamento social e para mostrar como as vivências propostas forneceram outros caminhos e possibilidades para essa arte do encontro e da presença.
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