Curadoria: Os quadrinhos e a Geografia
Para apoiar os educadores na escolha dos títulos a serem trabalhados nas escolas, a Editora Peirópolis desenvolve, desde 2021, uma proposta de curadoria de leituras. A partir de cada foco, elegemos uma “família” de obras que dialogam com o assunto, buscando apresentá-las, contextualizar sua pertinência e sugerir propostas para serem desenvolvidas com os estudantes. O material é elaborado por especialistas, de acordo com as habilidades e competências previstas na BNCC.
Salve a Amazônia! E o Cerrado também!
Esse é o texto da tirinha que está na capa da curadoria dedicada aos quadrinhos e a Geografia. Em geral, ouvimos muito sobre a preservação da Amazônia, sobre a grave situação em que se encontra a Mata Atlântica e sobre os desmatamentos, erosões e incêndios no Pantanal, importantes biomas brasileiros. E o Cerrado? Por que este bioma muitas vezes parece mais esquecido do que os outros, quando o assunto é meio ambiente e exploração predatória?
Evandro Alves, quadrinista e geógrafo, quer mudar o senso comum que foi construído acerca do Cerrado, ajudando-nos a olhar para a sua riqueza e para o grave desmatamento que acomete esse bioma, e faz isso utilizando a linguagem dos quadrinhos!
Com uma pena bastante afiada e formação profissional na área da Geografia, o autor nos convida a refletir não só sobre questões econômicas, políticas e ambientais que assolam esse bioma, mas também sobre a eficácia do uso dos quadrinhos, com sua linguagem precisa, crítica, bem-humorada e muito próximas dos jovens, para ampliar seus olhares sobre urgentes questões de nosso tempo.
A partir do trabalho de Evandro Alves, exploramos nesta curadoria algumas possibilidades de encontros dos quadrinhos e da Geografia e seus usos em contexto escolar, sobretudo nas etapas finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
Conheça: Cerrado em quadrinhosBaixe, leia, compartilhe.
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Os quadrinhos e a Geografia: propostas de encontros na escola
Teresa de Carvalho
Redesenhando fronteiras: a Geografia mais perto da Literatura e da Arte
Pensar a Geografia e seus variados temas, questões e nuances sempre foi, desde o surgimento desta ciência, um desafio. Uma área que aborda tantas características do que chamamos Terra – aspectos sociais, físicos, políticos… Como organizar todo esse conhecimento? E, mais, como ensinar tudo isso?
Na trajetória metodológica da Geografia vemos muitas formas de abordar essas temáticas. Nesta curadoria, nos voltamos para um geógrafo e autor brasileiro, Evandro Alves que, unindo o saber geográfico com a arte de escrever e desenhar histórias em quadrinhos, desenvolveu uma metodologia própria de se pensar e ensinar o Brasil, mais especificamente uma região: o Cerrado.
O Cerrado brasileiro, assim como os outros biomas que ocupam o território do nosso país, tem suas particularidades. É sobre isso que Evandro discorre em seus dois livros: Cerrado em Quadrinhos e Histórias em Quadrinhos no Ensino de Geografia. O primeiro, como o título sugere, apresenta uma vasta coleção de quadrinhos que abordam diversos aspectos dessa região brasileira: as questões de ocupação da terra (quem mora no Cerrado? Que pessoas e quais animais? Quem trabalha lá? Como essa terra é explorada?), as mudanças climáticas e ambientais que vêm modificando essa paisagem, a relação entre o ser humano e esse tipo específico de meio natural…
É interessante observar que, durante a história epistemológica da Geografia, não faltaram esforços das diversas escolas do conhecimento (alemã, francesa, inglesa, brasileira e por aí vai) de unir os saberes próprios do que chamamos Geografia Física e Geografia Humana. Como apresentar uma pesquisa que relacione, por exemplo, características geomorfológicas, como o relevo de um lugar, com o modo de vida da população que o habita, sem que o resultado seja um trabalho superficial, para algum dos lados? O caminho pode se dar através das histórias em quadrinhos, na qual se apresentam de forma didática e crítica, e em temas diversos.
É de fato uma viagem entrar no mundo do Cerrado por meio das reflexões propiciadas pela contundência do encontro das imagens – por vezes caricatas – com o texto enxuto e preciso dos quadrinhos. Ganha-se o leitor, como em um nocaute do Boxe, talvez como o escritor argentino Julio Cortázar mencionou ao falar sobre o efeito do conto naquele que o lê. É um susto, uma surpresa. Ao apresentar visões tão sintéticas que agregam muitos conhecimentos, o leitor mergulha naquela experiência e cenário, enquanto aprende. Assim, une-se numa mesma leitura o estudo e a apreciação estética.
E, falando em aprendizagem, Histórias em Quadrinhos no Ensino de Geografia trata justamente da relação entre as HQs e a sala de aula: como abordar essa forma específica de literatura como estratégia de ensino? As duas obras, de certa forma, se complementam. Mas este segundo livro, que resulta da tese de doutorado de Evandro Alves, abre uma discussão que é pouco debatida no ensino de Geografia, ao apresentar as histórias em quadrinhos como uma potente ferramenta para trabalhar diversos temas em sala de aula – geográficos ou não.
A seguir, desenrolamos esse fio que une a Geografia com a Arte e a Literatura e que nos ensina que há menos fronteiras entre a ciência e a arte do que podemos estar acostumados a pensar.
Nas palavras de Evandro:
Esse “apagar” de limites, rompimento, tem como objetivo abrir os requadros das histórias em quadrinhos para ciência e, da mesma forma, as páginas da ciência para as histórias em quadrinhos, gerar um saudável intercâmbio de saberes. (p. 4)
Mapas e imagens: diferentes formas de representar ideias
Como conseguimos expressar nossas ideias e conhecimentos, para além da palavra? Podemos compreender o mundo por meio de outras linguagens, que não apenas a narrativa escrita, tantas vezes preponderante? O que vem à sua mente ao ler essa frase?
Na educação, muitas vezes são empregados diferentes recursos representativos para ensinar algum conteúdo para as crianças e adolescentes. Na matemática, primordialmente, podemos aprender as frações através da divisão de uma pizza, por exemplo. Parece que vamos do mais simples ao mais complexo: da concretude de um objeto corriqueiro e comum aos alunos, até a abstração. Porém, a lógica é a mesma – e, portanto, a sua complexidade não muda – o que se modifica é a linguagem. Algumas informações parecem mais fáceis de se apreender de outras formas, para além da palavra.
Na Geografia isso pode aparecer de forma mais evidente, já que estudamos, produzimos e analisamos mapas. O que é um mapa, senão uma outra forma de dispor os dados? O mapa é, assim, uma representação gráfica de um determinado fenômeno.
No começo da ciência cartográfica, os mapas eram desenhos meticulosos, elaborados por cartógrafos que, reunindo um conjunto de dados colhidos em campo, organizavam todo o seu conhecimento em uma imagem. Depois, com a chegada do computador, os mapas passaram a ser produzidos por programas virtuais de desenho, mas continuam seguindo a mesma lógica: uma organização espacial de informações. Construindo um mapa é que percebemos: a leitura deste pode ser muito mais fácil e menos onerosa do que percorrer, por exemplo, uma extensa tabela de dados, onde muitas vezes não conseguimos compreender as proporções de cada fenômeno. O professor Manoel Fernandes de Souza Neto escreve sobre os mapas em seu livro de crônicas Aula de Geografia:
Ali, onde o mapa se abre, a viagem começa. A gente desenrola aquele papel enorme sobre a mesa e vai percorrendo as linhas, admirando as legendas, colorindo a imaginação, como o pássaro quando sobrevoa os Andes com as asas abertas e o mundo nas penas da mão. (p. 55)
Neste trecho, Manoel compara a leitura cartográfica com uma viagem. Como se pudéssemos, de fato, “entrar” no mapa. Mais ainda, o autor coloca a possibilidade de nos transformarmos em outros seres – e vermos o mundo por outro ponto de vista. Nos mapas, na maioria das vezes, enxergamos o espaço visto de cima, como um pássaro. Isso nos diz algo sobre as representações gráficas (mapas, fotografias, desenhos): há uma parte do fenômeno registrado ali, naquela folha de papel – ou tela de computador, mas tem uma outra parcela que só é compreendida por meio da abstração, da imaginação do leitor, do apreciador. Para entender um mapa que exibe curvas de nível, por exemplo, é preciso fazer um exercício: transformar algumas linhas arredondadas em relevos de diferentes tamanhos. E aí, no meio da sala de aula, podem-se reconstruir todos os mares de morros de Minas Gerais, por exemplo. Como nesse poema de Ana Martins Marques:
Rasguei um pedaço do mapa
de modo que o Grand Canyon continua
na minha mesa de trabalho
onde o mapa repousa
desde então minha mesa de trabalho
termina subitamente num abismo
Olhar um mapa pode ser mesmo uma viagem para outros lugares. E, já que utilizamos tanto os recursos cartográficos para ensinar Geografia, por que não explorar outras imagens – outras representações do mundo?
Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), uma das unidades temáticas que guiam a elaboração das habilidades e competências correspondentes a cada ano do ensino escolar são as “formas de representação e pensamento espacial”. Em “formas de representação”, não estamos falando só dos mapas, e sim de uma variedade de imagens, fotografias, desenhos, gráficos… “Quanto mais diversificado for o trabalho com linguagens, maior o repertório construído pelos alunos, ampliando a produção de sentidos na leitura de mundo” (BNCC). A diversificação de linguagens pode ser o meio, portanto, para que se abra o caminho em que o estudante vai adquirindo cada vez mais autonomia em suas leituras e construções de sentidos, e possa, portanto, ter “o mundo nas penas da mão”.
O pensamento espacial é construído, justamente, no exercício de leitura e compreensão de cada representação gráfica do espaço. Yves Lacoste, renomado geógrafo francês, diz: “Deveras, as representações espaciais só têm verdadeiro significado para aqueles que as sabem ler (…)”. Parece óbvio, mas não é. Assim como precisamos de um certo repertório de economia para compreender uma notícia de jornal que fala sobre a inflação, por exemplo, também são necessárias referências – o tal do pensamento espacial – para entender um mapa, uma fotografia aérea, um croqui, uma obra de arte…
Um exemplo clássico que temos no ensino de Geografia no Brasil é a famosa fotografia de Tuca Vieira (2004, disponível na internet), que mostra um edifício de alto padrão no bairro do Morumbi, cujo muro faz fronteira com a favela de Paraisópolis, em São Paulo. Poderíamos escrever longos textos explicando a desigualdade social, a urbanização, os processos de segregação espacial na cidade… Mas todos esses temas (e ainda outros) se fazem presentes em uma só imagem (para quem souber ler, como bem disse Lacoste). Ao nos depararmos com uma representação, articulamos os nossos saberes prévios com a realidade que está sendo mostrada ali. Uma foto, portanto, pode ser lida de muitas maneiras diferentes, a depender da trajetória de quem a vê, e do contexto em que é apresentada.
E os quadrinhos? As HQs no ensino de Geografia
As tirinhas, ou histórias em quadrinhos, fazem parte da nossa cultura e do nosso cotidiano. Desde a metade do século XX ocupam espaços nos jornais e folhetins de circulação diária. Porém, na educação, os quadrinhos demoraram para ser considerados textos que pudessem apoiar o ensino. Até há pouco tempo eram vistos como literatura menor, sem que fossem reconhecidas em sua potencialidade de aproximação das crianças e dos jovens com a prática da leitura, além de serem fontes de desenvolvimento de importantes competências leitoras.
A linguagem das tiras, bastante sucinta e muitas vezes irônica, permite que o leitor faça, primeiro, a conexão entre o desenho e o texto e, depois, tente compreender o sentido da mensagem que está sendo transmitida ali. Comumente, os quadrinistas expressam, através das tiras, a sua opinião sobre determinado assunto, a sua visão de mundo. E isso significa que, para compreendê-la, o leitor também precisa saber um pouco sobre esse assunto, interpretando aquela narrativa visual e textual.
Saber ler quadrinhos, portanto, exige que o estudante atribua sentidos a partir do que vê: texto, imagem, a articulação entre eles e as lacunas de sentido, como o espaço entre os quadros, refletindo, a partir desse processo, sobre os temas que são tratados ali. Por esse motivo, é comum encontrarmos exercícios escolares que apresentam uma tirinha seguida de perguntas que pedem para que o aluno explique qual é o sentido, ou a ironia contida ali. Como toda boa obra, portanto, as histórias em quadrinhos pressupõem um leitor ativo, que pensa sobre aquilo que lê e que também pode ser surpreendido por aquela relação inusitada entre texto e imagem. Há uma interlocução muito evidente entre autor e leitor, que acabam por compartilhar uma interpretação de mundo.
Do ponto de vista pedagógico, a leitura dos quadrinhos, que dizem tanto em poucas palavras aliadas à potência das imagens, pode ser muito eficaz, ao capturar logo de cara o leitor, já que carrega uma particularidade: batendo o olho em uma tirinha, aparentemente já se lê tudo. Sim, o convite é sedutor: ler aquelas poucas linhas e observar as imagens que se dividem em poucos quadros para se ter acesso a uma ideia nova, a algo engraçado, surpreendente, que desloca certa visão comum da realidade.
Depois de capturados por esse imediatismo da tirinha, é desejável que os leitores sejam levados a refletir mais profundamente sobre o que está sendo revelado ali. Em seu livro Histórias em quadrinhos no ensino de Geografia, o cartunista e geógrafo Evandro Alves escreve:
A fácil capacidade de assimilação dessa linguagem artística está calcada no eficaz sequenciamento de imagens e contextos e também na interação de texto e de imagens sequenciais que dão forma ao que chamamos de histórias em quadrinhos. Das mais simples às mais complexas e experimentais, as histórias em quadrinhos são uma linguagem que se vale das experiências visuais compartilhadas pelo criador e o público que tem acesso à sua obra.
Quadrinhos: um texto que fala muito aos jovens leitores
Daniel Pennac, no livro Como um romance, questiona a razão dos adolescentes “não gostarem de ler”. Em dado momento, o autor francês coloca: “no entanto, se a leitura não é um ato de comunicação imediata, é, certamente, um objeto de partilhamento.” (p. 84) Como colocado anteriormente, nos quadrinhos há o ponto de vista – mais ou menos explícito – do autor, o que não deixa de ser um fragmento de realidade, uma partilha entre a visão de mundo deste com a do leitor. A partir do que é proposto, partilhado pelo autor, que o leitor vai construindo, justamente, a sua leitura sobre determinado assunto. Pennac, mais uma vez, diz: “Depois é o texto que nos carrega e esquecemos aquele que nos mergulhou nele: toda a força de uma obra está, justamente, no varrer de mais essa contingência!” (p. 84).
Sobre a relação por vezes bastante delicada entre os jovens leitores e a literatura, Evandro Alves (2023) discute como esse tipo de linguagem pode contribuir para uma maior aproximação com a leitura, visto que “os quadrinhos são uma linguagem dinâmica”, já popularizada, que fazem parte do cotidiano das crianças e dos jovens.
Esse dinamismo da linguagem das histórias em quadrinhos pode ser mesmo uma ferramenta importante para maior aproximação entre os jovens e a leitura. Além disso, saber ler uma imagem – ou, neste caso, uma composição de texto e imagem (desenho) – é uma habilidade importante na formação dos alunos, que aprendem a relacionar duas linguagens diferentes para a compreensão de uma narrativa que alia texto e imagem. Tanto para a Geografia, quanto para outras áreas do conhecimento. Sobre a articulação entre os quadrinhos e o ensino de Geografia em si, Alves continua:
Convém ressaltar que, no caso do ensino da disciplina de Geografia, tende-se, em um primeiro momento, cair no “lugar comum” de se utilizar histórias em quadrinhos meramente para a descrição de paisagens, sob a perspectiva da Geografia tradicional. No entanto, Ângela Rama (2004) ressalta que, não devemos pensar que a principal contribuição dos quadrinhos para o ensino de Geografia seja a mera descrição de paisagens. O potencial dessa linguagem ultrapassa esse aspecto, podendo atender às mais recentes abordagens teóricas e pedagógicas.
Vamos olhar um exemplo? Observemos a tirinha abaixo, também de Evandro Alves, publicada em Cerrado em Quadrinhos:
Essa tirinha consegue resumir, em quatro imagens e poucas frases, a história de ocupação do Cerrado brasileiro e, além disso, fazer uma crítica à presença do agronegócio e à exploração latifundiária das terras. O autor, mesmo colocando o seu ponto de vista e fazendo uma crítica política ao modo hegemônico de pensamento, abre um espaço para que o leitor possa pensar sobre os rumos, neste caso, da divisão de terras no nosso país.
Para isso, porém, é necessário articular um repertório prévio de Geografia: sabendo qual é a situação do Cerrado atualmente e relacionando as imagens com os textos de cada quadrinho, o leitor conseguirá reconhecer a linha do tempo que o quadrinista construiu, mostrando as populações que ocuparam o território. Desde os povos indígenas (primeiro quadro), seguido pelas populações de pequenos agricultores/camponeses, que majoritariamente habitaram a região até os anos 1970, quando há um movimento de modernização da agricultura, e do desenvolvimento pela Embrapa, resultando no terceiro quadro, que mostra a bota de um latifundiário e, portanto, quer dizer que hoje a ocupação maioritária no Cerrado é, justamente, agropecuária. O último quadrinho mostra a projeção do autor para o futuro, elucidando uma crítica ao desenvolvimentismo e à exploração das terras.
O quadrinho dialoga com as habilidades da BNCC:
6º ano: (EF06GE02) Analisar modificações de paisagens por diferentes tipos de sociedade, com destaque para os povos originários.
7º ano: (EF07GE03) Selecionar argumentos que reconheçam as territorialidades dos povos indígenas originários, das comunidades remanescentes de quilombos, de povos das florestas e do cerrado, de ribeirinhos e caiçaras, entre outros grupos sociais do campo e da cidade, como direitos legais dessas comunidades.
Neste outro quadrinho de Alves, podemos ver mais um exemplo:
Aqui, há mais recurso textual, contando uma outra história, também da ocupação da região do Cerrado brasileiro, e articulando a relação campo-cidade, identificando os sujeitos sociais que são afetados pelas mudanças no ambiente (e, portanto, na paisagem). É interessante observar que esse texto presente nos quadrinhos é, como já dito, dinâmico, veloz. Mesmo assim, não deixa de apresentar uma discussão que pode se aprofundar na sala de aula, por exemplo. Os quadrinhos podem ser um bom ponto de partida para enunciar um problema aos alunos.
O quadrinho dialoga com as habilidades da BNCC:
8º ano: (EF08GE10) Distinguir e analisar conflitos e ações dos movimentos sociais brasileiros, no campo e na cidade, comparando com outros movimentos sociais existentes nos países latino-americanos.
9º ano: (EF09GE12) Relacionar o processo de urbanização às transformações da produção agropecuária, à expansão do desemprego estrutural e ao papel crescente do capital financeiro em diferentes países, com destaque para o Brasil.
(EF09GE13) Analisar a importância da produção agropecuária na sociedade urbano-industrial ante o problema da desigualdade mundial de acesso aos recursos alimentares e à matéria-prima.
Para falar sobre o emprego dos quadrinhos no ensino de Geografia, demos três exemplos de tiras de Evandro Alves, autor do livro Cerrado em quadrinhos, que conta, através dessa forma de linguagem, a história do Cerrado brasileiro, tecendo sua crítica ao agronegócio e à ocupação predatória desse bioma. Mas por quê o Cerrado?
O Cerrado é um bioma brasileiro, localizado na região central do país. Porém, no imaginário político, cultural e social, foi-se construindo um estereótipo, uma ideia simplificada (e muitas vezes, errada), sobre o que existe no Cerrado. Evandro volta aqui para nos contar mais:
No caso, o sertão-cerrado – terra dura de homens duros. Violenta. Terra que precisa ser domesticada, amansada e integrada à ordem econômica vigente, associada ao modelo de desenvolvimento capitalista.
Essa é a faceta mais difundida e enraizada do bioma, espaço rústico de natureza e sociedade que, aos olhos das modernas formas de produção, deve a todo custo ser substituído pelas novas, produtivas e civilizadas formas de ocupação do espaço. A “natureza bruta” que se mostra, além das paisagens, nas faces dos personagens é uma pequena extensão da “dureza da terra”, reentrâncias do bioma que vão além da paisagem que marcam e atravessam as faces e os corpos dos homens do lugar.
Essa visão única do Cerrado é criticada em vários dos quadrinhos de Alves, que trazem também os problemas ambientais relacionados ao aumento da exploração agropecuária nessa região do país, que vem contribuindo para o desmatamento e a diminuição de espécies nativas.
Os quadrinhos de Alves transmitem sua opinião e visão de mundo a respeito da conjuntura agrária e política do Cerrado, e possibilitam que essa questão, ainda pouco discutida fora do ambiente acadêmico ou “nichado” (ambientalistas x latifundiários/ defensores do agro) torne-se um assunto de importância e interesse popular, a partir da escola, espaço de formação dos cidadãos de nosso país. O que o livro de Alves traz é, justamente, uma conscientização sobre o problema que existe nesse bioma brasileiro, convidando os jovens a conhecerem, refletirem e se posicionarem diante deste cenário, em uma linguagem muito próxima ao universo juvenil. Nas palavras do autor:
No contexto do presente livro, foi preciso que também encontrássemos o “ponto cego” para a obra se fazer – tomar contornos. Desenhar-se e redesenhar-se para poder lutar contra outra cegueira. A cegueira irracional e destruidora do atual modelo de ocupação do bioma. Lutar para reduzir a incômoda invisibilidade ambiental do Cerrado. Evidenciar seus povos, sua fauna, suas árvores tortas pois…
A expressão reta, não sonha.
E não são os jovens os que mais sonham nosso futuro, reinventando o mundo em que vivemos?
“No Cerrado tem mais capim e árvores retorcidas, João-de-Barro e pé de limão” – Outras incursões por este bioma
Em 2019, a pesquisadora das infâncias e escritora Gabriela Romeu, juntou-se à jornalista Marlene Peret, ao fotógrafo Samuel Macedo e ao ilustrador Kammal João para publicarem o livro Lá no meu quintal, o brincar de meninas e meninos de norte a sul, um inventário de brincadeiras, vozes e paisagens brasileiras diversas, incluindo o Cerrado.
Além do livro, a pesquisa resultou em um conteúdo complementar, que pode ser acessado no site da editora. Em ambos os formatos, é possível conhecer a Milena, uma criança que vive e cresce no Cerrado, observando a paisagem, e brincando nos quintais da cidade de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha.
Nos registros realizados pelos autores, por meio de gravações, nós ouvimos Milena falando sobre a região onde mora, ressaltando algumas características do Cerrado e compartilhando uma cantiga da região. E chegando ao final de nossas reflexões, achamos que não poderia ter melhor jeito de nos despedirmos de tão rico bioma desbravado nessa curadoria. Se aceitar nosso convite para ouvir o sotaque que circula por aquelas bandas e entrar de outra maneira no clima do Cerrado, basta acessar: https://www.editorapeiropolis.com.br/la-no-meu-quintal-conversa-cerrado/
Referências Bibliográficas
AB’SABER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
MARQUES, Ana Martins. O livro das semelhanças. Editora Companhia das Letras, 2015.
SOUSA NETO, Manoel Fernandes de. Aula de geografia e algumas crônicas. 2ª Edição. Campina Grande: Bagagem, 2008.
Teresa de Carvalho é graduada em Geografia pela FFLCH-USP. Atua desde 2019 no Museu da Pessoa, atualmente na área de Programação Cultural e Curadoria.
Estante de livros
Cerrado em quadrinhos
Evandro Alves
20 x 20 cm • 128 páginas • 4 cores • ISBN 978-65-5931-260-3
Livro digital ePub (ISBN: 978-65-5931-263-4) e KF8 (ISBN: 978-65-5931-264-1)
Cerrado em quadrinhos apresenta o bioma de forma crítica e reflexiva, a partir da linguagem dos quadrinhos. O autor, Evandro Alves, utiliza essa forma de expressão para questionar o estereótipo do Cerrado como um região dura e violenta, que precisa ser domesticada e explorada.
A obra traz uma visão mais complexa do Cerrado, destacando sua biodiversidade, sua importância cultural e sua fragilidade ambiental. As histórias em quadrinhos abordam temas como o desmatamento, o agronegócio, os povos indígenas e tradicionais, e a necessidade de preservação do bioma.
O livro é voltado para jovens a partir de 10 a 12 anos e é uma ferramenta importante para a educação ambiental.
No prelo!
Histórias em quadrinhos no ensino de geografia: Cerrado
Evandro Alves
17 x 24 cm • 128 páginas • 4 cores • ISBN 978-65-5931-047-0
Livro digital ePub (ISBN: 978-65-5931-266-5) e KF8 (ISBN: 978-65-5931-265-8)
Neste livro, o autor explora o potencial das histórias em quadrinhos como um recurso para a educação ambiental. Ele mostra que as histórias em quadrinhos podem ser usadas para sensibilizar o público sobre questões socioambientais, como a preservação do Cerrado, despertar o interesse dos jovens, promover a reflexão crítica e incentivar a ação.
O Cerrado é considerado um hotspot global de biodiversidade, o que significa que abriga uma grande variedade de espécies que não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo. Além disso, é um importante sumidouro de carbono, ajudando a mitigar as mudanças climáticas, e fonte de água para rios e aquíferos.
Infelizmente, os níveis de destruição do Cerrado são alarmantes!
As linguagens dos quadrinhos
Daniele Barbieri
17 x 24 cm • 270 páginas • 1 cor • ISBN 978-65-5931-047-0
Livro digital ISBN 978-65-5931-046-37
Esta não é uma história dos quadrinhos, nem uma investigação sobre seus méritos e deméritos, mas uma exploração que pretende definir suas coordenadas no mapa das linguagens da comunicação de massa (da ilustração à pintura, à fotografia, às artes gráficas, à poesia, à literatura, ao cinema), e suas contínuas e recíprocas interações. Mais do que diferenças – que são, no entanto, um ponto de partida natural – a ênfase aqui é dada às semelhanças, ou melhor, às características comuns às várias linguagens. Uma abordagem sobre os quadrinhos que permite atravessar as linguagens que permeiam os quadrinhos, abrindo caminho para uma rica leitura de suas referências multimidiáticas, como um meio de expressão como este merece ter.
Um livro para todos que acreditam que a leitura de uma boa história em quadrinhos não deixa nada a desejar à de um bom romance ou um bom filme.
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