Curadoria: Madrinha Lua – poesia contemporânea na escola
Para apoiar os educadores na escolha dos títulos a serem trabalhados nas escolas, a Editora Peirópolis está desenvolvendo uma proposta de curadoria de leituras. A cada mês, será enviada às escolas uma publicação digital com foco em um tema. A partir desse foco, elegemos uma “família” de obras que dialogam com o assunto, buscando apresentá-las, contextualizar sua pertinência e sugerir propostas para serem desenvolvidas com os estudantes. O material é elaborado por especialistas de acordo com as habilidades e competências previstas na BNCC.
A curadoria aborda a leitura da poesia contemporânea na escola, apresentando os livros de poetas brasileiras que fazem parte da Biblioteca Madrinha Lua, e oferecendo caminhos para a sua fruição. Para além da ampliação do repertório poético, o contato com a produção poética contemporânea pode ter uma força mobilizadora e impulsionadora de muitas questões que dizem respeito à vida e ao futuro da juventude. Desse modo, é capaz de estabelecer diálogos férteis e engajar jovens leitores e leitoras na leitura desse gênero tão antigo e que continua tão forte entre nós.
Essa curadoria foi desenvolvida por Ana Elisa Ribeiro, coordenadora da Biblioteca, professora de língua portuguesa e pesquisadora da edição no Cefet-MG, com contribuições de Ana Carolina Carvalho, mestre em Educação (Unicamp) e Psicóloga (USP).
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Curadoria - Madrinha Lua: poesia contemporânea - Peirópolis
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A leitura de literatura e a formação dos leitores na escola de hoje
por Ana Carolina Carvalho
Há um sopro de renovação nos currículos de leitura nas escolas, por conta da publicação e divulgação da BNCC, bem como da necessidade de as escolas públicas e particulares brasileiras revisarem seus currículos.
E o que se renova?
Primeiramente, o lugar do leitor. Aquela ideia do estudante passivo que conhecia as correntes literárias, lia alguns canônicos – ou o resumo deles – é coisa do passado. O leitor, além de solicitado a estabelecer relações com sua própria vida, suas leituras anteriores, seu entorno e os contextos de produção das obras literárias, é também autor e produtor/consumidor das produções artístico-literárias. Desse modo, é desejável uma hibridização de papéis. Entendemos que essa necessidade de formação desse a leitor/autor/produtor/consumidor inclui a circulação de práticas contemporâneas de linguagem nas escolas, com destaque para as culturas juvenis, os novos letramentos, os multiletramentos. Assim, ganham espaço na escola participações em eventos como: saraus, competições orais, audições, mostras, festivais, feiras culturais e literárias, rodas e clubes de leitura, cooperativas culturais, jograis, repentes, slams, para que se possa socializar tanto leituras de obras consagradas, como também as de autoria dos estudantes, em diferentes formatos: poemas, contos e suas variedades, roteiros e microrroteiros, videominutos, playlists comentadas de música etc.
Faz parte do processo de formação deste leitor/autor/produtor/consumidor o alargamento das “referências estéticas, éticas e políticas que cercam a produção e recepção de discursos, ampliando as possibilidades de fruição, de construção e produção de conhecimentos, de compreensão crítica e intervenção na realidade e de participação social dos jovens, nos âmbitos da cidadania, do trabalho e dos estudos”. (BRASIL, 2018, p.490)
Portanto, além do lugar de leitor, renovam-se os acervos, com especial atenção aos clássicos, mas também à produção contemporânea. E dentro dessa produção, observamos uma ampliação de vozes: femininas, negras, indígenas e dos canais de publicação – não apenas a produção reconhecida e divulgada pelo mercado editorial, mas o que ganha espaço em outros canais: blogs, vlogs e coleções com caráter mais independente, como a Biblioteca Madrinha Lua, organizada pela Peirópolis e que visa reunir algumas das poetas contemporâneas que estão nas brechas, nas frestas e nas fendas do debate literário mais amplo.
Ler poesia contemporânea na escola
por Ana Elisa Ribeiro
A poesia é um gênero literário muito antigo, há tempos protagonista entre as outras formas literárias existentes, mas que também convive com uma diversidade interna. O que é isso? É dizer que há tipos de poesia, formas de poesia, modalidades que convivem há tempos imemoriais e que continuam presentes hoje, em nossa sociedade.
Embora atualmente possamos pensar primeiro na poesia que vem dos livros, como é o caso da Biblioteca Madrinha Lua, esse gênero também vem da oralidade, transita como poucos entre as duas possibilidades. Podemos falar, por exemplo, de uma poesia mais clássica, ocupada da metrificação e da rima, e podemos também falar do verso livre, de pé quebrado, sem perder o ritmo e a cadência, escritos ou falados. Podemos falar também no cordel, expressão considerada popular e extremamente forte em nossa cultura. A poesia também está na música, em muitos estilos, cantada, falada, recitada. Pode-se ler poesia, falar poesia, declamar poesia, menos ou mais teatralmente. Muitas performances são possíveis, assim como é possível que existam livros de poesia que servem melhor à leitura silenciosa, funcionam melhor vistos-lidos, enquanto outros podem e devem ser também falados/ouvidos.
Nos dias de hoje, a poesia continua forte entre nós, tanto nos livros, que são publicados em número considerável, em especial por casas editoriais pequenas, e na internet, quanto na arte de rua, nas intervenções urbanas, nas batalhas, nos slams. Embora seja um gênero às vezes evitado na escola, especialmente à medida que os alunos ficam mais velhos, trata-se de uma das expressões artísticas mais circulantes e populares que há, capaz de mobilizar, politizar, fazer pensar, mover e demover, arrebatar, e não apenas romanticamente.
Há algumas décadas, é notável a presença da poesia na internet: em blogs de poetas que ensaiam seus textos ali, em sites especializados, em e-books autopublicados, em espaços de poesia estritamente digital, isto é, uma poesia feita com os recursos desse ambiente e que só existem ali.
É muito interessante verificar as ambiguidades que a poesia guarda como gênero em circulação. Ao mesmo tempo que poetas sentem mais dificuldade de encontrar grandes editoras que invistam em suas obras, há e sempre houve uma movimentação independente muito poderosa, que pôs no mundo poesia em livros algumas vezes precários, em livros feitos à mão, em obras com poucos exemplares, mas que ganharam tanta importância quanto outros livros mais convencionais. Na atualidade, uma das possibilidades interessantes da poesia é o livro “cartonero”, que, mais do que um tipo de publicação, chega a ser uma espécie de movimento pela publicação sustentável e artesanal.
Também é interessante notar que embora todo e toda poeta ouçam que “poesia não vende”, é justamente esse o gênero que mais concorre em concursos e prêmios literários, por exemplo. Num dos maiores prêmios do Brasil, o Jabuti, a quantidade de livros de poesia supera em mais que o dobro o número de romances concorrentes, às vezes o triplo, dependendo do concurso. É sinal de que a poesia persiste, atravessa muitas questões que poderiam intimidá-la, mas ela não se intimida. Ela encontra jeitos de existir e de chegar a leitores e leitoras, mesmo quando é desconsiderada pelo “mercado”.
E na escola?
A escola tem de lidar, todos os dias, com pressões e tensões que vêm de fora, mas que também existem internamente. É comum que essas tensões sejam ambíguas, a exemplo do que ocorre com a leitura literária. Ao mesmo tempo que as leituras do cânone são criticadas e acusadas de serem difíceis e desestimularem o gosto pela leitura, há quem ache que apenas o que for canônico deve ocupar o tempo e o espaço da escola.
Por outro lado, enquanto alguns dizem que a literatura contemporânea seria mais adequada para o incentivo à leitura, trazendo proximidade e frescor aos jovens, há quem julgue que uma literatura ainda viva, que não passou por certos crivos e ainda não se canonizou, não serve para estar dentro da escola.
É difícil atuar nessa divergência, ora tentando atrair jovens para a leitura que pareça mais interessante, ora tendo de apresentar a eles textos mais tradicionais, já legitimados em muitas instâncias. No entanto, o que pensamos é que este é mais um campo ao qual faria bem o equilíbrio. Pensar de maneira não excludente pode ser favorável a todos e todas, isto é, buscando, na prática, conciliar o novo e o tradicional, inclusive abordando suas influências e heranças.
Enfrentando o preconceito e o desconhecimento daqueles e daquelas que, de fato, têm pouco envolvimento com a educação e a literatura, pode ser muito importante que a escola concilie propostas de leitura de autores e autoras contemporâneos, talvez até em diálogos próximos com eles ou elas, sem deixar de relacionar o que é feito hoje à existência de tradições e obras relevantes do passado, certamente lidas por muitos escritores e escritoras vivos/as.
Há ainda uma questão importante, que não podemos deixar de expressar: a escola é uma instância legitimadora dos textos literários e de seus autores e suas autoras. Não basta apenas receber, passivamente, o que já foi considerado bom e canônico. A escola é ativa nessa função e ajuda a chancelar e a dar a conhecer a literatura, mesmo no momento exato em que ela é produzida. A escola pode (e deve) estar em diálogo com a produção contemporânea, inclusive porque essa produção pode ter uma força mobilizadora e impulsionadora de muitas questões que dizem respeito à vida e ao futuro da juventude.
Conhecendo a coleção, as poetas e seus livros
A Biblioteca Madrinha Lua é uma coleção de poesia contemporânea de autoria feminina inspirada numa das mais importantes poetas brasileiras do século XX: Henriqueta Lisboa. Para saber mais sobre a poeta, sua trajetória e obra, clique: https://www.editorapeiropolis.com.br/henriqueta-lisboa-vida-e-obra/.
A coleção é coordenada pela poeta Ana Elisa Ribeiro, que nos explica um pouco mais sobre a publicação: “A primeira safra de livros da Biblioteca Madrinha Lua conta com oito obras de oito autoras brasileiras. Algumas delas optaram por produzir livros novos, inéditos, especialmente para a coleção, como é o caso de Líria Porto, Adriane Garcia ou Mariana Ianelli. Outras reuniram poemas inéditos e poemas já publicados, em outros livros ou em periódicos e na web, compondo um conjunto que só existe na Madrinha Lua.
Cada autor ou autora tem seu processo criativo, mas é comum que a poesia vá sendo escrita ao longo dos anos e, na hora em que se decide publicar, os textos sejam relidos e reunidos em um conjunto. Outro modo de fazer é produzir um livro mais temático ou com algum propósito mais projetado, como foi com Adriane Garcia e Lubi Prates.
Os livros da Biblioteca Madrinha Lua são muito diferentes entre si. Como todas as autoras são poetas experimentadas, embora nem sempre sejam famosas ou midiáticas, elas sabem manejar a palavra, mas não apenas. Elas conduzem seus conjuntos de textos, compõem seus livros e têm forte intencionalidade. Adriane Garcia quis pôr seu foco na natureza, na ecologia; Lubi Prates traz questões raciais e identitárias; Fernanda Bastos vem com a ambientação carnavalesca para também tocar em questões de nossa sociedade, Amanda Ribeiro toca em questões de amor e sexualidade, e assim por diante.”
Quem são as poetas? Vamos conhecê-las um pouco mais
Nas palavras de Ana Elisa Ribeiro: “as oito autoras que abrem a Biblioteca Madrinha Lua são mulheres brasileiras cujos projetos de vida envolvem a atividade de serem escritoras, publicarem seus livros e participarem do debate literário nacional. São um grupo heterogêneo: algumas bem jovens, um pouco acima dos vinte anos, e outras mais maduras, com mais de trinta, quarenta ou sessenta anos. Elas vêm das capitais e do interior dos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio Grande do Norte. Além de podermos ler seus textos, nos envolvendo com suas vozes líricas tão diversas, também temos a chance de, nos videopoemas, ouvir seus falares e seus sotaques, com seus timbres muito próprios. São mulheres de raças, credos, formações, profissões e orientações sexuais diversos, e certamente será possível depreender isso de seus poemas, embora devamos evitar dois extremos da leitura literária: colar suas biografias a seus textos ou ler os poemas como se nada neles dissesse respeito a quem os escreve.
As poetas da Madrinha Lua são já autoras de alguns títulos, em muitos casos receberam prêmios e reconhecimentos importantes por suas obras, têm publicado com relativa frequência e, aqui reunidas, queremos que elas ganhem ainda mais força.”
Adriane Garcia
Nasceu em Belo Horizonte em 1973, Adriane Garcia é poeta, escritora, teatroeducadora e atriz brasileira. Publicou diversos livros entre eles: Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura, 2013), O nome do mundo (Armazém da Cultura, 2014), Só com peixes (Confraria do vento, 2015).
Estive no fim do mundo e me lembrei de você é seu título na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Amanda Ribeiro
Nasceu em Belo Horizonte em 1989. É mestre em Estudos de Linguagem pelo CEFET-MG, professora, poeta e videopoeta. É autora de Livre é abelha (Impressões de Minas, 2018). Ministra minicursos e oficinas sobre videopoesia e edição de livros para crianças.
Máquina de costurar concreto é o título de sua autoria publicado na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Fernanda Bastos
Nasceu em Porto Alegre em 1988. É jornalista, tradutora e editora de livros. É autora dos livros Dessa Cor (2018) e Eu vou piorar (2020), ambos publicados pela editora Figuras de Linguagem.
Selfie-Purpurina é o título de sua autoria publicado na Coleção Biblioteca Madrinha Lua da editora Peirópolis.
Líria Porto
Mineira de Araguari, nascida em 1945, Líria Porto é poeta e professora aposentada. Publicou Borboleta desfolhada, de lua, Asa de Passarinho, Garimpo (finalista do prêmio Jabuti de poesia, 2015), Cadela Prateada, Olho Nu e Nem cai nem haicai.
Quem tem pena de passarinho é passarinho é o livro da autora na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Lubi Prates
Nascida em São Paulo, em 1986, Lubi Prates é poeta, tradutora, editora e curadora de literatura. Publicou Coração na boca (2012), e Triz (2016) e Um corpo negro ( 2018, finalista do 4o Prêmio Rio de Literatura e do 61º Prêmio Jabuti, traduzido em vários países). É fundadora da nosotros, editorial e editora da revista literária Parêntesis.
Até aqui é o título da autora na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Mariana Ianelli
Nascida em 1979, em São Paulo, Mariana é poeta, ensaísta, cronista e crítica literária brasileira. Graduada em jornalismo e mestre em Literatura e Crítica Literária, é autora de vasta obra de poesia.
Vida Dupla é o título de sua autoria na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Marília Floôr Kosby
Nascida em Arroio Grande (RS) em 1984, é autora dos livros de poemas Mugido [ou diário de uma doula] (2017), Os baobás do fim do mundo (2011), Siete colores e Um pote cheio de acasos (2013). É doutora em Antropologia Social e atua também como compositora, participando de festivais de música popular.
Genealogia das mulas é o título de sua autoria na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Regina Azevedo
Nascida em Natal (RN), no ano 2000, Regina Azevedo publicou diversos livros de poemas: Pirueta (2017), Vermelho Fogo (2021) e Carcaça (2021). Integra a antologia as 29 poetas hoje, organizada por Heloísa Buarque de Holanda e publicada em 2021 pela Companhia das Letras.
Lança chamas é o título de sua autoria publicado na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Jaqueline Conte
Nascida em Maringá (PR) é jornalista, escritora infantojuvenil e poeta. Publicou Na casa amarela do vovô: e outros poemas para brincar, editado no Brasil (Pegaí e SESC) e em Portugal (Trinta por Uma Linha); Passarinho às oito e pouco (Insight); Os jornais de Geraldine (Arte & Letra), entre outros.
Desterência é o título de sua autoria publicado na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Prisca Agustoni
Nascida na Suiça e vivendo em Juiz de Fora (MG) desde 2002, Prisca é tradutora, poeta, crítica literária e escreve poesia e prosa em italiano, francês e português. Com seu livro O gosto amargo dos metais (7Letras, 2022) ganhou o Prêmio Cidade de Belo Horizonte (2022) e o Prêmio Oceanos/poesia 2023.
Arqueologias é o título de sua autoria publicado na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
Tatiana Nascimento
Nascida em Brasília, em 1981, tatiana é poeta, slammer, cantora e compositora. Aos 35 anos, publicou lundu, sua primeira coletânea de poesias. É autora de esboço (2016), mil994 (2018), um sopro de vida no meio da morte e cuírlombismo literário: poesia negra lgbtqi+ desorbitando o paradigma da dor, e 07 notas sobre o apocalipse, ou, poemas para o fim do mundo (2019).
um ebó di boca y otros [silêncios] é o título de sua autoria publicado na Coleção Biblioteca Madrinha Lua.
A leitura de poemas e seus desdobramentos: propostas para a escola
Literatura e poesia na BNCC
por Ana Elisa Ribeiro
A palavra literatura aparece 60 vezes nas 600 páginas da Base Nacional Comum Curricular. Embora isso nos pareça pouco, dada a magnitude do documento, é importante notar que literatura aparece desde a educação infantil até o ensino médio, aumentando a amplitude e a complexidade das propostas ou das recomendações.
Na educação infantil, fala-se em mediação, desenvolvimento do gosto, ampliação do conhecimento de mundo e estímulo à imaginação (ver p. 42). No ensino fundamental, mais especificamente no ensino de linguagens e suas tecnologias, a literatura aparece mais, por exemplo, como mote ou gatilho para a produção de outros gêneros discursivos, inclusive e principalmente multimídia. À página 74, em um quadro sobre práticas leitoras, uso e reflexão, literatura aparece no item de adesão às práticas de leitura, no seguinte contexto:
- Mostrar-se interessado e envolvido pela leitura de livros de literatura, textos de divulgação científica e/ou textos jornalísticos que circulam em várias mídias.
- Mostrar-se ou tornar-se receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativa, que representem um desafio em relação às suas possibilidades atuais e suas experiências anteriores de leitura, apoiando-se nas marcas linguísticas, em seu conhecimento sobre os gêneros e a temática e nas orientações dadas pelo professor.
O destaque a este trecho da BNCC tem um objetivo: embora a literatura apareça ali como um item pouco especial em relação a outros, o parágrafo seguinte menciona a importância de que os e as estudantes sejam receptivos “a textos que rompam com seu universo de expectativa” e que “representem um desafio em relação às suas possibilidades atuais e suas experiências anteriores de leitura”, e isso, é claro, a poesia, contemporânea ou anterior, pode fazer muito bem.
A página 75 é explícita ao defender o texto culto, o canônico, mas também a diversidade, a diferença e a ampliação de repertórios. Mais adiante, na página 86, o documento trata do direito de todos/as à literatura e à arte, algo que consideramos uma das missões da escola, inclusive contra a padronização e a pasteurização comumente oferecidas por muitas mídias acessadas por crianças e jovens.
A nona competência em linguagens (p. 87) explicita:
Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura.
Entre as habilidades descritas para as séries finais do ensino fundamental, a BNCC coloca (p. 187):
(EF89LP36) Parodiar poemas conhecidos da literatura e criar textos em versos (como poemas concretos, ciberpoemas, haicais, liras, microrroteiros, lambe-lambes e outros tipos de poemas), explorando o uso de recursos sonoros e semânticos (como figuras de linguagem e jogos de palavras) e visuais (como relações entre imagem e texto verbal e distribuição da mancha gráfica), de forma a propiciar diferentes efeitos de sentido.
Parece claro aí o impulso para a leitura da poesia, embora a sugestão seja partir dos “poemas conhecidos”, parodiando-os, enquanto nós preferimos pensar que a juventude possa se expressar na poesia mais criativamente ainda, propondo e elaborando seus textos, sua forma, sua conciliação entre mídias. Às vezes, somos surpreendidos/as por alunos/as tímidos/ as em sala de aula, mas que mantêm forte atuação como criadores na internet, por exemplo. O que causa essa ruptura? Embora a BNCC reitere a relação entre poesia e imaginação, é imperativo dizer que não é só disso que esse gênero literário é feito ou só isso que ele promove. A poesia pode tocar com firmeza a vida real e dizer muito sobre questões importantes de nosso tempo. Pensamos ser fundamental o contato de jovens com textos ainda não tão conhecidos, mas que circulam justamente no debate literário contemporâneo.
No ensino médio, a BNCC (p. 499) afirma que “Em relação à literatura, a leitura do texto literário, que ocupa o centro do trabalho no Ensino Fundamental, deve permanecer nuclear também no Ensino Médio”. Passa, então, a advogar a intensificação do convívio dos e das estudantes com esse gênero, novamente argumentando sobre a ampliação das visões de mundo, além das capacidades de ver e de sentir. O modo como isso aparece no documento ainda é relativamente pouco, perto de tudo o que a leitura literária pode provocar no encontro entre leitores, leitoras e o texto que pulsa.
Na página 500, a Base lista, novamente, a importância de se apresentar e conciliar o culto, o canônico e o popular, citando inclusive o periférico. Pela primeira vez, o documento explicita a “inclusão de obras da tradição literária brasileira e de suas referências ocidentais – em especial da literatura portuguesa –, assim como obras mais complexas da literatura contemporânea e das literaturas indígena, africana e latino-americana”. Uma segunda menção à literatura contemporânea aparece à página 523, em nova lista. Seguem-se então páginas que incluem a literatura em suas facetas periférica, marginal etc.
A palavra poesia aparece uma única vez na Base, à página 138, no contexto do ensino fundamental, com o objetivo de leitura e dos estudos de figuras de linguagem. Embora seja muito importante compreender e saber empregar figuras de linguagem, além de concordarmos que parte da matéria-prima do gênero está nesses recursos da língua, há muito mais que a poesia oferece. Já a expressão texto poético aparece 16 vezes, a maioria delas nos quadros de descritores de habilidades e objetos de conhecimento. O estudo da forma e do sentido é o foco aí.
Com essa passagem ligeira pela Base Nacional Comum Curricular, documento vigente no Brasil para o ensino básico, queremos dizer que, embora possamos flagrar nele a importância da leitura literária e, muito secundariamente, da produção literária, ainda é possível fazer muito mais e melhor, se formos diligentes e comprometidos/as com a literatura de nosso país (e não apenas), em especial conhecendo e valorizando a literatura contemporânea, que ainda não é canônica e nem se resume ao “marginal”. Há muito o que fazer na mediação da leitura de jovens, incluindo-os nessa cena, inclusive como possíveis criadores, motores de nossas culturas.
Sobre o projeto de vida de ser escritor(a)
Os escritores e as escritoras foram um dia estudantes. No mínimo, aprenderam a lidar com textos, sejam orais ou escritos. Ainda que uma pessoa possa se tornar escritor/a por acaso, por agarrar alguma oportunidade fortuita na vida, é comum que escritores e escritoras tenham perseguido um desejo, um sonho, sem necessariamente abandonar outra profissão. Ser escritor ou escritora, de vários ou de um gênero literário específico, pode ser o projeto de vida de alguém, desde a mais tenra idade. Quando lemos ou ouvimos as histórias de vida de autores e autoras já conhecidos, é comum que eles e elas contem sobre sua relação longa com livros, primeiros textos literários, ideias de publicação e com a inspiração em algum escritor ou alguma escritora anteriores. Essa relação pode ter se dado na escola, mas também fora dela, em condições precárias, mas que foram fortemente reconhecidas e aproveitadas.
Para que a poesia e outros gêneros literários possam fazer parte do horizonte de vida de um/a jovem, pode ser fundamental que a escola dê a eles e a elas condições de sentir que o livro literário e sua escrita são trabalho, exigem dedicação, estudo, leitura e que fazem parte de um universo que, além de artístico, é também econômico e cultural.
A literatura contemporânea goza de uma condição específica: autores e autoras vivos podem estar bem próximos da escola e da educação, desde que as instituições possam evitar a romantização excessiva dessa atividade, assim como não permitir a censura e conduzir leitura e produção textual com seriedade e abertura. Muitos textos publicados hoje são excelentes oportunidades para debates ricos, importantes e mobilizadores, em muitos sentidos.
É possível adotar livros de poesia contemporânea, lê-los em sessões de fruição, mas também de análise e debate, além de fazer que derivem deles produções multimodais, coletivas ou individuais. A poesia é um dos gêneros literários de mais fácil circulação, sendo possível apresentá-la e mesmo produzi-la de modos diversos, num trânsito multiletrado e multimodal muito rico. Do livro-palavra à imagem, ao som, ao palco, ao vídeo, à roda de leitura, ao slam, ao dizer, decorado e sem decorar, é possível fazer de cada obra um gatilho para muitas outras leituras e produções. Por fim, é fundamental lembrar: livros podem mudar pensamentos, influenciar pessoas e ajudar em mudanças importantes do mundo.
Diálogos com as poetas
por Ana Carolina Carvalho
Uma das vantagens de ser ler poesia contemporânea na escola certamente diz respeito ao fato de que as e os poetas não estão em extinção. Muito pelo contrário, são pessoas vivas e em grande parte das vezes, disponíveis para o contato com os estudantes. Pessoas do mesmo mundo, olhando paisagens semelhantes, respirando o mesmo ar e dialogando com o a realidade vivida pelos estudantes. A presença de autores e autoras contemporâneos nas redes sociais também é facilitador para o diálogo, não apenas porque é possível encontrá-los, mas também porque aparecem de muitas formas diferentes: em entrevistas, revistas eletrônicas, programas em formatos variados, blogues etc. Há tanto a possibilidade de conhecer outros textos poéticos desses autores e autoras, como também o cotejamento de sua produção com aquilo que é dito, com seus pensamentos, ações e inserções no mundo.
Em se tratando da leitura dos livros da Biblioteca Madrinha Lua, pode-se pensar tanto nessa expansão do olhar que alimenta a leitura, quanto na própria possibilidade de um diálogo mais direto com as poetas, por meio de entrevistas ou conversas agendadas com as/os estudantes. No caso da entrevista, a proposta agrega mais um gênero a ser trabalhado e os saberes envolvidos: como se constrói um roteiro para entrevista, o que é interessante perguntar e saber? Como esses conhecimentos podem ajudar a ler melhor a obra da poeta? Além disso, a aproximação com a autora também pode favorecer o envolvimento com a leitura de poemas, não apenas da autora em questão, mas trazendo uma abertura maior para o gênero.
Outras ideias para aproximar os estudantes da poesia contemporânea
Fruição, conversa, compartilhamento, produção e publicação. Essas podem ser formas de aproximação dos estudantes com a poesia contemporânea. Vamos pensar nas etapas necessárias?
O que há para ler? O que já li e gostei?
Para começar, sugerimos que se faça um levantamento do acervo poético da escola, dando preferência a poetas contemporâneos. Pesquisa realizada e acervo levantado, pode-se deixar os títulos escolhidos à disposição para a leitura dos/as estudantes, que poderão levar emprestados ou realizar a leitura em diferentes momentos e formatos na escola. Leitura compartilhada, leitura pelo estudante a um grupo de colegas, leitura silenciosa. Aliás, o tempo para a leitura é fator crucial a ser garantido na escola. Será que há espaço para que os estudantes simplesmente leiam livros de sua preferência? Tempo para a leitura “gratuita”, sem utilidade direta? Trata-se de questão fundamental quando se pensa em formação de leitores e, mais do que isso, na perenidade da leitura literária na vida de cada um, na medida em que nos tornamos leitores frequentes quando conseguimos estabelecer diálogos íntimos com a literatura.
Para além do acervo proporcionado pela escola, vale também perguntar aos estudantes quais são as suas preferências literárias ao se tratar de poesia contemporânea? Importante considerar aqui que os estudantes podem ter formado seu acervo pessoal não apenas lendo livros, mas entrando em contato com a poesia em diferentes suportes e canais. Há a poesia que se conhece por meio da mídia, blogs, youtube, slams etc.
E a conversa? Como se faz para falar com outros sobre poesia?
Como cada poema toca os seus leitores e leitoras, para onde nos leva, o que nos faz sentir em nosso corpo, quais são as emoções que nos despertam? O que há na forma que nos encanta? A combinação de palavras formando ritmos, sonoridades, outras realidades? O olhar minucioso da ou do poeta para o ordinário, ressignificando o comum? O jogo com as palavras, a brincadeira com a língua? O som construindo sentidos? As figuras de linguagem? A síntese que faz conter um mundo num único verso? O eu-lírico e como ele apresenta aquilo que também nos arrebata? A voz, o lugar de fala, o manifesto que pode existir na poesia? O que mais a poesia pode provocar nos leitores? Será capaz de emudecê-los ou entristecê-los? Pode ser instrumento de crítica social, ao propor olhares para a realidade? Tudo isso – e mais um pouco – pode fazer parte de uma conversa entre leitores e leitoras de poesia.
O que se deseja compartilhar?
Depois de ler e fazer levantamento das preferências poéticas do grupo, a próxima etapa diz respeito ao que se deseja compartilhar com outros leitores. Neste momento, pode-se organizar um mural de poemas, com curadoria realizada pelos estudantes. A partir das preferências, como poderão compor, por exemplo, um mural com as “poesias do coração” de cada um e cada uma? Há poemas que fazem parte da mesma “família”, que dialogam entre si? O que os une? Autoria, tema, vozes ou “lugar de fala”, meios ou momentos em que foram publicados? Forma?
Essa é uma etapa importante para a formação do leitor ou leitora de poesia, já que o grupo se debruçará sobre os poemas escolhidos para compor o mural, buscando agregá-los de acordo com determinados critérios, procurando enxergar semelhanças e proximidades e, portanto, refletindo sobre a sua forma, autoria, conteúdo etc.
Com a curadoria decidida, é hora de escolher onde ficará o mural para que possa atrair outros leitores e leitoras daquela comunidade escolar ou até mesmo fora dela, se for o caso: no pátio da escola, na biblioteca ou sala de leitura, na porta da escola ou recepção, por onde passam famílias e outras pessoas, além dos estudantes?
Todos podem escrever poemas
Historicamente, a escola tem se ocupado em formar sobretudo leitores que leem ou no limite, que conhecem a poesia, suas correntes e autores. Contudo, uma das novidades trazidas pela BNCC está no fato de que formar leitor e leitoras na e da contemporaneidade significa lançar foco na autoria. Não apenas na autoria no momento da leitura, já que os leitores e leitoras são ativos, atribuindo sentidos ao que leem, mas também como produtores dos textos lidos, que, aliás, não precisam necessariamente ter sido publicados em livros. A presença da internet e seus variados canais de publicação democratizou a autoria, e acabou por indissociar a figura do leitor, do espectador e do produtor de textos. Tudo isso tem forte impacto nas propostas em torno da leitura na escola.
A leitura da poesia contemporânea, sobretudo aquela feita por poetas mais jovens, além de envolver os jovens, por conta da proximidade de vivências e experiências também poderá encorajá-los ou encorajá-las a escrever seus próprios poemas. Sabidamente, a autoria de poemas na escola tem sido relacionada a paródias, que pode ser um exercício inicial interessante, mas acaba por limitar a criação do jovem estudante, já que ele apenas circula em meio a uma forma pensada por outro ou outra poeta. O que seria necessário planejar para que o/a jovem pudesse aventurar-se em escrita própria, verdadeiramente autoral? Pode-se elencar alguns caminhos:
- Quais são os autores/autoras que inspiram cada estudante? Com quais poemas dialogam mais? Quais são as referências de estilo, tema?
- Análise de poemas – do que falam e como expressam? Dialogam com outros textos, ou seja, apresentam intertextualidade? Onde nasceram e foram publicados? Isso faz diferença para a sua forma? De que maneira?
- Há rimas? Como são? Os versos são regulares? Há versos brancos ou soltos? Rimas cruzadas? O que podemos dizer sobre ritmo, sonoridade, figuras de linguagem, vocabulário?
- Exercícios para soltar a escrita – neste momento, pode-se sugerir alguns “exercícios” mais descomprometidos que ajudam a liberar a escrita poética dos estudantes como por exemplo: um “saco de palavras” em que vocábulos são sorteados para compor os poemas, podendo fazer um poema atentando ao som e sentido das palavras sorteadas, escolher apenas algumas palavras sorteadas, criando o restante do poema; sugerir a escrita a partir de algumas oposições: enquanto eu isso/você aquilo, poemas com rimas cruzadas ou rimas regulares etc.
- Primeiras escritas – sobre o que e como quero falar? Neste momento, os estudantes vão realmente escolher sobre o que irão falar. Nessa etapa, pode ser interessante retomar o universo de cada poeta, a sua voz lírica. No caso da Biblioteca Madrinha Lua, por exemplo, enquanto Adriane Garcia poetiza sobre o meio-ambiente e relações dos homes com o planeta, Lubi Prates e Fernanda Bastos, de diferentes maneiras falam de ancestralidades e negritude; Amanda Ribeiro se debruça sobre o cotidiano, descortinando um mundo que pode habitar o ordinário da vida etc.
- Antes de os estudantes começarem a escrita propriamente dita, é importante ressaltar que este não é um processo linear: há idas e vindas, escritas e reescritas. Nesse processo, conta muito a leitura de outra pessoa – o leitor crítico, digamos assim, que poderá apontar aspectos que precisam ser mexidos para que o poema fique mais potente. As observações podem ser feitas oralmente ou por meio de bilhetes ou notas no próprio poema.
- Conhecer processo de escrita de outros poetas. Há na internet muitas entrevistas e materiais variados de poetas contando sobre como escrevem. Neste momento, pode ser interessante ter essas outras referências, conhecer outras formas de produção, rompendo possíveis visões mais romantizadas acerca da inspiração, por exemplo, e evidenciando o trabalho que há por trás de todo o texto literário – seja prosa ou poesia.
- Reescrita dos poemas a partir das observações e nova leitura para última revisão.
- Escolha do que vai ser publicado e onde será compartilhado com outros leitores: blogues, mural, redes sociais. Aqui, uma outra reflexão também se faz importante: o suporte influencia na forma?
Práticas sociais para compartilhar poemas
Para além da publicação, há outras formas de compartilhamento dos poemas. O sarau é uma delas. Nesta modalidade, pode-se ampliar não só o número de participantes, como misturar diferentes faixas etárias e públicos – um sarau aberto para a comunidade, um sarau online aberto ao público em geral, entre outras formas.
Será que o sarau faz parte do repertório de todos?
Os saraus estão fazendo sucesso novamente. Muitos espaços culturais aderiram a essa prática antiquíssima, atraindo um público cada vez maior. Nos últimos anos inclusive, alguns eventos desse tipo ficaram bastante popularizados em diversas regiões do país, movimentando principalmente as periferias do Brasil. Um exemplo é o Sarau da Cooperifa, em São Paulo. O evento tem sido responsável por lançar vários escritores e poetas, dando voz a muitos talentos, mas sobretudo por juntar muitas pessoas em torno da poesia e da literatura, aproximando-as dessa forma de arte, fazendo com que a poesia desça do pedestal e beije os pés da comunidade.
Será que na sua região há algum sarau que se firmou nos últimos tempos? Faça uma pesquisa. Pergunte também aos estudantes se eles sabem o que é um sarau, se já frequentaram algum.
Caso esse tipo de evento seja desconhecido da maioria, pode-se fazer uma pesquisa como o grupo sobre as origens do sarau, de onde veio esse nome e porque se convencionou chamar assim. Para ampliar as referências, pode-se consultar a revista online Arara em: https://arararevista.com/voce-sabe-o-que-e-sarau/.
Sarau presencial ou online?
Depois da pandemia, essa é uma questão que sempre nos colocaremos quando planejarmos uma ação coletiva. Embora nos tenha limitado as ações presenciais, o isolamento social nos trouxe outras possibilidades de formato que permitem não só atingir outros públicos, mas também incluir novas ferramentas e, portanto, novas aprendizagens para os envolvidos. Aliás, é fundamental que os estudantes se envolvam de diferentes maneiras na organização do sarau – desde o seu planejamento até a divulgação e participação.
Do papel para as telas
Abrir um livro a ler um poema, ligar o computador, olhar o celular. A poesia pode habitar variados suportes e ser lida/ouvida/vista. Ciente do nosso tempo, as poetas da coleção Biblioteca Madrinha Lua prepararam outros modos de divulgação e apreciação de seus poemas, sobrepondo linguagens e estéticas. Vamos conhecer alguns videopoemas elaborados por Amanda Ribeiro Barbosa.
De Adriane Garcia:
Antropoceno, na voz de Adriane Garcia
Rugas, na voz de Lubi Prates
De Líria Porto:
Sem demasias ou delongas, na voz de Regina Azevedo
Onde cantam os bem-te-vis, na voz de Líria Porto
De Regina Azevedo:
Azul Intenso, na voz de Regina Azevedo
Gato sem rabo, na voz de Adriane Garcia
De Lubi Prates:
Você nunca esteve diante do horror, na voz de Lubi Prates
Oficina de Poemas com Amanda Ribeiro
Amanda Ribeiro, uma das autoras da Biblioteca Madrinha, é professora e atua na formação de educadores desenvolvendo um trabalho com oficinas de videopemas. Essa linguagem, ao apresentar uma fricção entre a literatura e o cinema, cria novo “processo de significação” que já não é mais nem um nem outro, mas um pouco dos dois, segundo Ana Paula Ferreira (2004¹). Justamente por situar-se nesse novo terreno, mesclando linguagens, o trabalho com videopoemas torna-se extremamente interessante para a formação do jovem leitor/autor/criador que atua em diferentes em gêneros e mídias.
Inspirações para um videopoema
Amanda Ribeiro propõe um exercício denominado “Centelha” a partir de uma foto da infância. Para tanto, sugere a leitura do poema “Movie” de Ana Elisa Ribeiro, no livro Álbum, da editora Relicário:
Movie
duas décadas e algo mais
revimos os vídeos da nossa infância
rever os vídeos
causou-nos um espanto
inconfessável
os chuviscos e as cores
esmaecidas
da fita magnética
não se pareciam
com as fotos congeladas
em álbuns coloridos
os vídeos
tinham quase
o poder
da ressurreição
¹ FERREIRA, Ana Paula. Videopoesia: uma poética da intersemiose. Em Tese, [S.l.], v. 8, p. 37-45, dez. 2004. ISSN 1982-0739.
A partir do poema, pode-se pedir que os estudantes escolham uma foto significativa de sua infância, algo que de certo modo desejem “ressucitar” por meio do videopoema. A narração do video, poderá tanto trazer o poema de Ana Elisa, quanto contar com uma criação dos estudantes, ou até mesmo, uma mescla desses textos. Também é possível escolher poemas da Coleção Madrinha Lua que dialoguem com a foto escolhida pelo estudante. Com o texto em mãos, é hora de pensar nos efeitos visuais que farão parte do videopoema. Como inspiração, vale assistir aos que foram produzidos a partir de poemas da Coleção Madrinha Lua e/ou outros por meio de pesquisa na internet.
Para ajudar a situar o planejamento do professor, da professora, elencamos algumas habilidades que podem ser desenvolvidas a partir das abordagens aqui sugeridas:
(EM13LP47) Participar de eventos (saraus, competições orais, audições, mostras, festivais, feiras culturais e literárias, rodas e clubes de leitura, cooperativas culturais, jograis, repentes, slams etc.), inclusive para socializar obras da própria autoria (poemas, contos e suas variedades, roteiros e microrroteiros, videominutos, playlists comentadas de música etc.) e/ou interpretar obras de outros, inserindo-se nas diferentes práticas culturais de seu tempo.
(EM13LP49) Perceber as peculiaridades estruturais e estilísticas de diferentes gêneros literários (a apreensão pessoal do cotidiano nas crônicas, a manifestação livre e subjetiva do eu lírico diante do mundo nos poemas, a múltipla perspectiva da vida humana e social dos romances, a dimensão política e social de textos da literatura marginal e da periferia etc.) para experimentar os diferentes ângulos de apreensão do indivíduo e do mundo pela literatura.
(EM13LP49) Perceber as peculiaridades estruturais e estilísticas de diferentes gêneros literários (a apreensão pessoal do cotidiano nas crônicas, a manifestação livre e subjetiva do eu lírico diante do mundo nos poemas, a múltipla perspectiva da vida humana e social dos romances, a dimensão política e social de textos da literatura marginal e da periferia etc.) para experimentar os diferentes ângulos de apreensão do indivíduo e do mundo pela literatura.
(EM13LP51) Selecionar obras do repertório artístico-literário contemporâneo à disposição segundo suas predileções, de modo a constituir um acervo pessoal e dele se apropriar para se inserir e intervir com autonomia e criticidade no meio cultural.
(EM13LP53) Produzir apresentações e comentários apreciativos e críticos sobre livros, filmes, discos, canções, espetáculos de teatro e dança, exposições etc. (resenhas, vlogs e podcasts literários e artísticos, playlists comentadas, fanzines, e-zines etc.).
(EM13LP54) Criar obras autorais, em diferentes gêneros e mídias – mediante seleção e apropriação de recursos textuais e expressivos do repertório artístico –, e/ou produções derivadas (paródias, estilizações, fanfics, fanclipes etc.), como forma de dialogar crítica e/ou subjetivamente com o texto literário.
Estante de livros
Estive no fim do mundo e me lembrei de você
Adriane Garcia
13 x 20 cm • 88 páginas • 1 cor • ISBN 978-65-5931-047-0
Livro digital ISBN 978-65-5931-046-37
Fazer poesia com o fim do mundo e ao olhar para ele, refletir sobre a humanidade. Os poemas de Adriane Garcia versam sobre a tensa relação que o homem estabeleceu com a natureza. Por vezes, os versos soam melancólicos, em outros momentos, combativos. Não raro as duas coisas juntas, mas sempre muito reflexivos, nos convidando a pensar: o que fizemos? O que fazer? Ao ler este livro, nos damos conta de que a poesia pode ser um caminho para encontrar saídas.
Nas palavras da poeta Ana Elisa Ribeiro, coordenadora da coleção, “Não é de guerra, mas é de tensão, de crítica, de ironia, de denúncia. Tem um calor de debate, de diálogo firme. Com ela não se nina, mas se desperta”.
A leitura de Estive no fim do mundo e me lembrei de você nos convida a muitas diálogos, com a própria literatura, investigando o caminho da poeta, suas referências e interlocuções – a própria coleção nos oferece muitas possibilidades de conversa entre os títulos; diálogos também com a geografia e suas contribuições para com a preservação do meio-ambiente, além de conversas com a biologia e a ecologia. Nesses caminhos interdisciplinares, a poesia pode despertar assuntos, pesquisas, ajudar a buscar evidências, notícias, e despertar a colaboração entre professoras e professores de diferentes áreas.
O tom dos poemas de Adriane Garcia também pode convidar a pensar na possibilidade da produção de uma poesia-denúncia, como um manifesto, que instiga posicionamentos e reflexões a partir do que a poeta comunica sobre seu tempo.
“Das estrelas me lembro, nunca mais as vi
eram como vaga-lumes acesos no abismo escuro
Se eu as tivesse contado e anotado em um caderno
Hoje saberia quantas eram
E quem me acompanhava olhando o breu.” (p. 22)
Quem tem pena de passarinho é passarinho
Líria Porto
13 x 20 cm • 80 páginas • 1 cor • ISBN 978-65-5931-037-1
Livro digital ISBN 978-65-5931-038-8
Líria Porto se insere na família dos poetas que nos amparam e ampliam o olhar para a natureza e os mistérios de suas belezas. A borboleta, o passarinho, as franjas de mar, os caminhos dos rios, de um rio, a garoa fina, a neblina. A vida que passa e as mudanças na paisagem, tudo isso habita a poesia de Líria Porto.
Nas palavras de Marília Kubota no prefácio do livro: “O olhar que se volta ao natural é a tentativa de reagir a um mundo em que a natureza é explorada à exaustão pela utilidade ao ser humano. Esse olhar difere da visão romântica ou simbolista, porque a natureza não é apenas uma paisagem para o individualismo. Confunde-se com o eu para o resgate de uma espiritualidade não num plano celeste, mas em nível terrestre. E assim a poesia é o veículo, a linguagem que conecta a natureza à potência de vida”.
E para onde nos leva a leitura do livro Quem tem pena de passarinho é passarinho? Um caminho possível é o de recuperar a linhagem de Líria Porto: com quais poetas ela dialoga? Em que tempos e lugares esses outros poemas foram escritos? Podemos observar uma filiação de Líria? A partir de suas leituras de poemas, com quais acha que os poemas de Líria estabelecem um diálogo?
O olhar de Líria – quais são as paisagens forjadas nos poemas de Líria? O que ela nos ajuda a olhar? Líria se insere na linhagem dos poetas que nos levam a pensar sobre a simplicidade e a complexidade, sobre a natureza e sua manifestação.
Para conhecer mais da obra da autora: blog Tanto mar: http://liriaporto.blogspot.com/
“apraz-me olhar as árvores
a calma com que se movimentam
parecem-se as mulheres grávidas
no aguardo do rebento” (p. 33)
Lança chamas
Regina Azevedo
13 x 20 cm • 96 páginas • 1 cor • ISBN 978-65-5931-043-2
Livro digital ISBN 978-65-5931-044-9
Regina inscreve: “escrevo como quem lança chamas”. São muitos os temas que estão em seus versos: o tempo, o passado, a ancestralidade, o agora, o futuro. A poesia escrita por mulheres, a mulher, o sexo. A idade. O lugar de onde ela vem, o nordeste, o interior. O seu interior, o das outras mulheres, a mãe, a avó.
Como Ana Elisa Ribeiro escreve no posfácio, “Regina construiu uma voz cheia do seu sotaque, do seu olhar, da sua reivindicação de ser escritora. Estão aí, na poesia dela, tanto a avó, quanto a neta, espelhadas em suas ferocidades, sem perder as ternuras”.
Os caminhos possíveis para a leitura de Lança Chamas são aqueles que colocam a poesia em diálogo com a origens: do lugar, da família, da mulher e jovem. De que forma a paisagem do sertão nordestino aparece na poesia de Regina? A poeta está perto dos jovens leitores: eles se veem nos poemas? De que forma? As vivências se assemelham? O que levamos de nossos antepassados? A partir da leitura, o que os jovens podem escrever sobre si mesmos? Suas origens? Suas vidas?
“sem piedade ou perdão
escrever é sacudir a cidade
já tenho até me acostumado
a brincar com o fogo” (p. 87)
Até aqui
Lubi Prates
13 x 20 cm • 88 páginas • 1 cor • ISBN 978-65-5931-045-6
Livro digital ISBN 978-65-5931-048-7
Lubi Prates nos faz ver ancestralidades, africanas e latino-americanas, o afastamento e os encontros. As fronteiras, o estrangeiro, o isolamento, as heranças. Quem somos?
É poeta que explora também a poesia, faz pensar o que é o poema, pra que ele serve, o que ele faz com a gente, com a palavra. E o que é a palavra? Quem usa quem? Nós as usamos? Ou são as palavras que nos usam, como passagens?
E nas palavras de Ana Elisa Ribeiro, encontramos a poeta e sua força: Ela toca em feridas abertas latino-americanas, brasileiras, expõe a situação dos que se sentem estrangeiros, desterrados, renegados em seu próprio chão… O
s caminhos de leitura da obra podem tocar vozes ancestrais. Com que versos de outros poetas as palavras de Lubi Prates podem dialogar? Quais são os contemporâneos e contemporâneas, quais são as vozes que nos fazem pensar sobre a África, origens, desterros? Seria possível forjar outra coleção, partindo de uma curadoria dos leitores que encontram semelhança e diálogos entre poetas? Aliás, é interessante atentar para o fato de que próprio livro Até aqui é o resultado parcial de uma antologia que a autora organiza de sua obra.
“minha pele não é casca
é um mapa: onde África ocupa
todos os espaços:
cabeça útero pés” (p. 51)
Máquina de costurar concreto
Amanda Ribeiro
13 x 20 cm • 96 páginas • 1 cor • ISBN 978-65-5931-181-1
Livro digital ISBN 978-65-5931-182-8
A poeta mineira Amanda Ribeiro, ao poetizar sobre o cotidiano e seus objetos, revela a sua imensidão e nos oferece meios para renomear aquilo que é ordinário da existência de cada pessoa. Fazendo poesia sobre aquilo que nos circunda, o que parece ser periférico, mas nunca insignificante, Amanda deixa “gravada sua sensibilidade nas superfícies que encontra por aí”, segundo as palavras da prefaciadora Flavia Péret. Além de escrever, Amanda Ribeiro também experimenta outras linguagens, como o vídeo, dando igual peso aos diferentes suportes para a exploração poética do cotidiano.
É possível, a partir da leitura da obra, enfocar o olhar para o cotidiano como alimento para a poesia. Muitas vezes, a poesia nos ajuda a delinear de outro modo os objetos mais simples, que nos circundam e guardam gestos, lembranças, histórias, sentimentos. Coisas que contam uma vida. Esse é o universo de Amanda Ribeiro. Há outros poetas alinhados com ela? Quais? Além de olhar para pedaços e rastros de uma vida no cotidiano, Amanda faz isso desde o lugar do feminino. Com que outras poetas ela pode dialogar? E quais são os objetos a partir dos quais os estudantes fariam poesia?
“hoje apaguei muitas fotos
eu você ponto jotapegê
e nem pude ter o prazer
de rasgá-las ao meio
com algum cuidado para deixar
uma fresta do seu rosto
ao lado do meu
sorridente” (p. 74)
Selfie-purpurina
Fernanda Bastos
13 x 20 cm • 72 páginas • 1 cor • ISBN978-65-5931-179-8
Livro digital ISBN 978-65-5931-180-4
Nas palavras da prefaciadora, Cidinha da Silva, a poeta Fernanda Bastos faz “um retrato do carnaval gaúcho, suas alegorias e alegrias cantadas por uma filha e neta de sambistas, uma espectadora ilustre nascida em plena folia protagonizada por pessoas lutadoras, trabalhadoras durante o ano inteiro…” Para tecer seus poemas, Fernanda Bastos bebe “das águas da ancestralidade”, compondo um “poemário com ritmo, cadência e memória”, ainda segundo Cidinha da Silva.
Os caminhos para a leitura da obra podem percorrer questões sobre a representatividade por meio do carnaval. É possível refletir sobre a nossa História observando o desfile na avenida? Como uma festa popular nos fala de um país, de ancestralidades, de sobrevivência? Quais são os enredos presentes na poesia de Fernanda Bastos?
“No tempo em que nasci
Se aprendia mais de África
Na quadra
Do que no curso normal
que eu concluí” (p. 15)
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