Camões para leitores do século XXI
UMA VIAGEM INICIÁTICA…
Por que ler os clássicos?
Talvez uma primeira resposta esteja na Grande Verdade da Vida, que Camões sintetizou nos versos:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança,
todo mundo é composto de mudança.
Você, jovem mutante deste início do século XXI, talvez ainda não tenha reparado, nem pensado nesse fenômeno ?o da contínua mudança das coisas. Sem dúvida não reparou. Por um lado, porque a experiência da vida exige tempo e você ?entrou? no mundo há pouco. Por outro lado, porque o belo/horrível/mágico/veloz cyberespace em que nos coube viver, é mudança pura. E vivendo dentro dela, não podemos vê-la…a não ser que preparemos o nosso ?olhar?, para enxergar além das meras aparências.
Se você chegou até aqui, pode estar se perguntando: por que preciso notar a ?mudança? das coisas? por que ?preparar o olhar? para ver além das aparências? O que os ?clássicos? têm a ver com o cyberespace em que vivemos? Afinal, o que os ?Versos de Amor e Morte? de Camões têm a ver com tudo isso?
Pode crer que tudo tem a ver com tudo. Principalmente neste tempo-de-mutação, em que estamos vivendo, é urgente que vocês ?mutantes? que estão chegando, se preparem para continuarem a tarefa humana, multimilenar, que lhes cabe: a de ?manobrar? a ?Máquina do Mundo? ?metáfora criada por Camões, para definir a Vida, que cada um de nós vai construindo dentro das ?circunstâncias? em que nos cabe viver ou transformar.
Voltando à interrogação inicial, ?Por que ler os clássicos??, valemo-nos aqui da sabedoria de Italo Calvino (um dos geniais escritores do século XX). Disse ele:
?Os clássicos devem ser lidos, porque ?servem? para entendermos quem somos e aonde chegamos. /…/ Mas para podermos ler os clássicos, temos de definir ?de onde? eles estão sendo lidos, caso contrário, tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal (que oculta o verdadeiro sentido da leitura).
O dia de hoje pode ser banal…mas é sempre um ponto em que nos situamos para olhar para frente ou para trás.?
Foi nessa ordem de idéias que, nesta introdução a Camões, começamos falando na mudança (lei básica da Vida) e no cyberespace vertiginoso, onde você vive (e vemos todos nós) e que é o ponto a partir do qual você estará lendo os clássicos. E com essa leitura, você irá se dando conta de que os tempos, costumes, ideais, modas…vão mudando constantemente, mas há algo que não muda, que permanece: a natureza humana, as paixões que movem os seres. As necessidades da alma: Amor, Ódio, Inveja, Ciúmes, Solidariedade, Orgulho, Luxúria, Bondade, Maldade, Vontade de Poder…
Confrontadas entre si, as grandes obras literárias (clássicas ou contemporâneas) mostrarão que tais ?paixões? são sempre as mesmas. O que nelas muda, de época para época (ou de indivíduo para indivíduo) é a forma de as vivenciar ou de as exteriorizar. ?Forma? essa, imposta pela concepção de mundo dominante em cada povo, cada sociedade, cada época. Concepção de mundo que vai mudando, através dos séculos ou milênios, à medida em que a Inteligência humana vai criando novas formas de viver/conviver, vai transformando o mundo e os valores herdados, e em consequência, criando o Progresso, garantindo a interessante evolução da Humanidade.
Camões e a leitura-de-mundo
A esta altura, você deve estar novamente se perguntando: ?E Camões? E seus ?Versos de Amor e Morte?? que ligação eles têm com esse discurso sobre concepção de mundo, natureza humana, paixões, progresso…?
Reconhecemos que andamos trançando caminhos que parecem não ter nada a ver com o lirismo camoniano. Mas, na verdade, têm. Esse ?discurso? pretendeu preparar caminho para a ?viagem iniciática? que lhe propomos aí adiante. ?Iniciática?, porque tendo como guia, Camões, visa chegar ao Conhecimento da invisível relação existente entre Poesia e História. Mundos fundamente interligados que, desde os Tempos Modernos e até há pouco, eram vistos/estudados como fenômenos independentes, mas que o Pensamento Complexo (E. Morin), que fundamenta a atual concepção-de-mundo Pós-Moderna, vem mostrando que são mundos interdependentes. Esse é um dado importante para você que procura seu lugar no mundo. Nada no universo existe por si, mas sim ligado a uma rede de relações. Rede que se vem tecendo desde a origem dos tempos históricos (quando a Máquina ainda não existia) e chega ao nosso tempo-em-mutação. Tempo em que a expansão da Máquina (uma das maravilhas do mundo) criada pela Inteligência Humana, ameaça desumanizar o Homem e torná-lo um autômato um alienado em relação a si mesmo e à verdadeira significação das coisas e dos aconteceres.
Voltando a Calvino: é do onde (Presente em transformação), em que você, jovem mutante se encontra, que sua ?viagem? pela Poesia e pela História começará. Para entendermos ?quem somos? e ?aonde chegamos?, Camões nos leva a descobrir que tudo começou na Antiguidade Clássica ?milênios antes de Cristo quando a Sabedoria dos Gregos e dos Romanos construiu a concepção de Homem e de Mundo que, embora transformada pelo suceder dos tempos, permanece nos alicerces da nossa Civilização Ocidental Cristã (hoje em crise aberta).
Como vê, a redescoberta dos Clássicos pelos jovens do nosso tempo, não visa o conhecimento erudito (estilístico, temático, lingüístico…) mas sim o conhecimento do Humano (quem somos? de onde viemos? para onde estaremos indo?).
Cada época ou cada indivíduo lê os Clássicos, através da visão-de-mundo que lhe é própria. De tudo o que em nossa época se tornou problemático ou entrou em crise, escolhemos o Amor, que há 500 anos atrás, Camões consagrou definitivamente como a grande via de plena realização do Ser.
copyright do autor
Nelly Novaes Coelho é livre-docente e professora de pós-graduação de Literatura Portuguesa e Brasileira da Universidade de São Paulo e convidada de outras universidades do Brasil. Ensaísta, crítica literária, pesquisadora, é também introdutora da literatura infanto-juvenil como disciplina universitária.
Publicou ensaios de crítica literária em periódicos nacionais e estrangeiros, além de livros de fundamental importância para o estudo da obra de autores clássicos e contemporâneos, como Dicionário Crítico da Literatura Infantil/Juvenil Brasileira, abrangendo um século dessa produção, e Panorama histórico da Literatura.
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