Brinquedos do chão – Apresentação
Por Ana Lucia Villela, pedagoga, presidente do Instituto Alana
Acabei de voltar de um enorme Congresso de Inovação, Tecnologia e Criatividade, realizado no Vale do Silício, Califórnia. Um novo mundo se revelou diante de meus olhos. Foi lindo ver como a tecnologia nos dá a esperança de viver mais, melhor e em um mundo mais justo. Vivam os drones criados para reflorestar grandes áreas desmatadas; vivam os novos aparelhos que possibilitam às pessoas com deficiência comunicar-se usando apenas o pensamento; vivam as pesquisas compartilhadas em tempo real em várias partes do mundo. Vi protótipos de máquinas que já conseguem nos dar a sensação do tato, da audição e da visão como se estivéssemos no local da transmissão do sinal.
Voltei acreditando que estamos mesmo entrando na era da cooperação e do compartilhamento. Fiquei feliz de ver o Alana* no caminho certo, usando a tecnologia e a criatividade em favor da profundidade de suas causas. Voltei de lá bem mais esperançosa.
Mas… Nem tudo foram flores. Palestra de encerramento, mais de mil pessoas reunidas, um grande momento do evento. O conferencista era um médico que advoga em favor da tecnologia que nos permite escolher filhos como uma equação genética. Segundo ele, o sexo pode ser para diversão, mas não há sentido em termos filhos “naturais” se podemos facilmente garantir que eles sejam “perfeitos”. O pior de tudo não foi a preleção, mas a reação das pessoas ao final dela: estrondosos aplausos.
Por coincidência – ou não – o grupo de brasileiros que me acompanhava não aplaudiu, não se levantou. Confesso que fiquei orgulhosa – havia entre nós, pelo menos, uma vontade de problematizar aquela fala e de não aceitá-la como fato dado. Tudo isso mexeu comigo.
Agora você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com este livro? Eu respondo: tudo.
Conheci Gandhy em uma reunião do Grupo Inspirador do projeto Território do Brincar. Tinha, no discurso tímido, a magnitude de mestre. Daqueles que unem um dom a muito, muito trabalho. Desse talento e desse esforço este livro, que estreia uma série de quatro volumes.
O que o nosso querido maranhense nascido em Codó, Gandhy Piorski, nos joga na cara com esta obra é que o mundo tem cor, que o mundo tem cheiro, que o mundo faz um monte de barulho diferente. Que o mundo é bom de pegar, e que para ser mais completo e feliz é fundamental que vivamos isso. Que sintamos isso. Que saibamos usar o melhor que pudermos dos nossos sentidos, e isso, na maioria das vezes, não vem de berço. Precisa de exercício, de experiência, de conhecer a diferença e, muitas vezes, de se deixar levar ao acaso.
Com o mesmo rigor da busca de um menino para matar sua curiosidade, Gandhy foi com maestria atrás da compreensão do universo infantil. Raras são as pesquisas dos saberes e imaginação da criança: só por isso este livro já é um presente. Talvez a falta de estudos de qualidade nesse campo ateste o pouco diálogo entre nossas impressões do mundo para a interioridade.
O livre brincar e, em especial, o contato com a materialidade advinda da natureza são as ferramentas essenciais para esse mergulho nos sentidos. A educação poderia, ou melhor, deveria, se apropriar definitivamente disso. Gandhy almeja uma pedagogia de “repercussões internas”.
Esta obra é urgente. Há muita gente aplaudindo o vazio e o controle sobre a vida. O mundo real – e nós somos parte integrante e interdependente desse todo – não pode se distanciar desse essencial, desse primitivo. Nós não podemos buscar o mundo perfeito sem considerar essa distância, sob pena de termos um mundo com mais cores, mas menos colorido.
O mundo que vi no Vale do Silício é um mundo com mais cores. Cabe a nós garantir que ele será, de fato, mais colorido.
O que vocês vão ler aqui é um texto denso, um livro para fazer pensar. Não foi escrito para muitos, mas para iniciados. Acredito que esta obra originará outras tantas que a traduzam, que a interpretem e que mostrem suas aplicações. E são essas traduções do sentido de uma obra que a transformam em única, transformadora, prima.
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