Brincadeira em todo canto: os brinquedos - Editora Peirópolis

Brincadeira em todo canto: os brinquedos

Por Daniela Girotto

O educador precisa estar atento às possibilidades do brinquedo. Enxergar nele o que pode oferecer à criança como experiência significativa. E propor desdobramentos e variações a partir da brincadeira original, se for o caso.

Quando um grupo de crianças demonstra interesse por um determinado jogo ou tema, observe os elementos e interações que aquele brinquedo promove, como as crianças se relacionam com ele e entre si, o que manifestam conhecer sobre ele, pontos que causam conflitos ou dúvidas durante a brincadeira etc.

Procure conhecer mais sobre o brinquedo: de onde surgiu, qual a finalidade, como funciona e quais são as regras, códigos e consensos relacionados à brincadeira. Se for possível, experimente. Não significa testar, mas experimentar o brinquedo e o que ele causa: se instiga, provoca, acalma, diverte e o que mais surgir.

É possível estabelecer uma interrelação com as crianças a partir dos seus interesses e desejos, aproximar-se delas e aprofundar o vínculo compartilhando experiências. Aceitar a presença do brinquedo em sua turma é considerá-lo conteúdo de trabalho, análise e intervenção: por que se interessam por ele e o que fazer com isso?

A partir desses elementos, pode-se planejar uma série de atividades relacionadas ao brinquedo, sem que se descaracterize a essência da brincadeira. Os sentidos recolhidos deste tipo de brinquedo podem ser transpostos para outras situações, de aprendizagem, de convívio social, de interação, lazer e tantas outras, mas não de uma forma literal. Extraia os sentidos que o brinquedo propõe, como no exemplo a seguir.

Se o grupo está interessado em jogar bola, é possível organizar um campeonato confeccionando-se uma tabela para a contagem de pontos, chaves e posições das equipes na classificação geral. Apresente outras modalidades de jogos com bola a fim de ampliar o repertório de jogos conhecidos, incluindo o exercício de diferentes habilidades que oportunizam o desenvolvimento de novas competências de movimentos, como chutar, lançar, rolar, agarrar ou bater a bola com obstáculos, com equilíbrio, com velocidade. Propor a criação coletiva de um jogo novo, com regras e funcionamento próprio, que pode ser apresentado a outras turmas, promovendo a socialização e a comunicação entre elas.

Se a motivação quanto a esse tipo de brinquedo estiver relacionada às características físicas da bola (tamanho, peso, densidade, velocidade ou capacidade de ser lançada no ar e percorrer um trajeto dependo da força), realize uma série de experiências que levem a uma compreensão desses fenômenos. Ofereça bolas de diferentes tipos para que possam ser comparadas e medidas quanto à sua performance: qual bola é mais leve, qual é a apropriada para chutar, qual cabe melhor nas mãos para ser agarrada ou lançada. Compare-a inclusive com outros objetos: não redondos, pontiagudos, que flutuam, vazados… Como se comportam ao serem lançados? Quais outras formas de lançamento devem ser ajustadas? Fica melhor se utilizamos algum instrumento para fazer o lançamento (no caso de flechas ou dardos, piões, ioiôs)? Como o corpo se coloca e qual é o movimento mais apropriado no lançamento de cada um desses objetos?

Trazer uma música ou poesia que fale da bola possibilita brincar com a sonoridade das palavras, entrar em contato com as ideias expressas e as escolhas que o autor fez sobre o assunto e ampliar sentidos e vocabulários para a experiência do brincar. Propor uma coleção de bolinhas em que se destaquem propostas de contagem, classificação por tipo, um jogo de pontos etc., ou fazer bolinhas de sabão e criar com a turma diferentes aros para conseguir outros efeitos, relacionando diâmetros diferentes, podem ser opções interessantes que agregam novos conhecimentos.

Mas se o principal motivo do interesse por tal brinquedo são as relações das crianças durante a brincadeira, fazendo-se necessários entendimento e intervenção para que elas se respeitem e trabalhem em equipe, por exemplo, outras atividades podem ser planejadas para que se alcance esse objetivo. Aqui, a bola pode ser o instrumento agregador ou conciliador da turma ou dar espaço para outro jogo ou brinquedo que tenha essa função. Uma grande costura da bandeira do time pode trazer outros conteúdos de trabalho: conciliar e negociar as ideias individuais, criar um objeto comum, permitir que cada participante se coloque e contribua com o que tem a oferecer, colocar as crianças diante de um desafio que muitas não dominam, de modo que os papéis de liderança se alterem, criar novas parcerias.

Mas nem sempre é preciso direcionar e intervir nas atividades. Deixar também que o brinquedo aconteça de forma envolvente, sem tempo nem lugar, sem interferências, pode fazer parte dos objetivos do educador.

O brinquedo não precisa ser necessariamente industrializado ou convencional, como já dissemos antes. Para ser brinquedo, conforme a definição genérica do termo, basta promover a brincadeira.

Brinquedos não estruturados têm em si o potencial de acessar a criatividade, a imaginação, e colocar em jogo vários conhecimentos e habilidades daquele que brinca. Dessa forma, podem tornar-se o que o brincante quiser. O artista plástico Helio Oiticica criou na década de 1960 o “parangolé”, uma escultura móvel feita com tecidos que propunha a interação dos visitantes. Era uma espécie de capa ou estandarte que se apresentava no momento em que era vestida por alguém e ganhava vida a partir dos movimentos que a pessoa lhe dava.

Ao observar e preparar o pano, na interação com o tecido e o movimento, a brincadeira já começa acontecer. De certa forma, é como se o pano viabilizasse a entrada em um universo simbólico. Com a intenção de dar vida ao parangolé, a pessoa deixa de lado suas convicções ou críticas e entrega-se à brincadeira. Expressões e gestos se manifestam no lúdico e na imaginação. Revela-se, então, a relação entre o indivíduo e o brinquedo.

 

Daniela Girotto é formada em Psicologia pela PUC-SP e trabalhou sempre na área de Educação. Atualmente é coordenadora de Ed. Infantil na Escola Viva, realizando também cursos de formação para educadores. Entre estes, o tema brincadeira é sua “menina dos olhos”, pois ela acredita que a valorização do brincar é fundamental na constituição das relações que a criança faz com o mundo ao seu redor, com as pessoas e acontecimentos. Desta forma, a criança aprende e se desenvolve. Propor um diálogo reflexivo com os educadores, sejam eles pais ou professores, sobre as possibilidades da brincadeira é o objetivo do seu livro Brincadeira em todo canto: reflexões e propostas para uma educação lúdica, publicado em 2013 pela Editora Peirópolis.

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