Antologia de poemas de Florbela Espanca para a juventude, organizada por Denyse Cantuária
Ninguém melhor que a organizadora da antologia para dizer sobre a obra da grande poeta portuguesa, cuja sensibilidade atravessou o século XX para dialogar com o leitor contemporâneo. Confira aqui o texto de Denyse Cantuária que apresenta Florbela Espanca – Antologia de poemas para a juventude:
FLORBELA ESPANCA
O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê!
(Florbela Espanca in Cartas a Guido Bateli)
De onde vem uma voz tão forte como a de Florbela Espanca? A difícil busca por uma voz poética em meio a tantas outras vozes já existentes no mundo é a temática que rege o corpo dessa antologia de poemas.
O encontro coma poesia fez com que Florbela encontrasse os sentidos buscados para a existência em seu projeto de escrita. Vida e obra entremeadas de versos que falamdo prazer que se tem ao ler um poema e registram a conversa daquele que escreve com os outros poetas que costuma ler.
E, na intensidade dessa busca, a voz do poeta é o som que ecoa de dentro do verso, os poemas procuram pela poesia, conversam com ela em um projeto feito de cores e movimentos fortes. Se Florbela fosse pintor, com certeza seria daqueles que deixam sua tela marcada por todo o tempo de sobrevivência do quadro com a pincelada febril de suas emoções.
A autora portuguesa, considerada a maior voz da poesia feminina daquele país, nasceu em 1894 e viveu num mundo diferente do das outras pessoas, simplesmente por se ver diferente das outras pessoas do mundo. Excessos descritos em seus poemas e cartas… Há em mim uma sede de infinito… um querer maior que a consciência de si próprio, uma busca ? um desejo de infinito… Uma angústia constante que eu nem mesma compreendo…
Florbela Espanca poeta nasce da busca da voz perfeita para o canto. Uma busca que soa para aos ouvidos do leitor como amplificada, como se no ato de aumentar o tomda voz deixasse soar um grito pelas perdas sociais e pelas tristezas vividas. Ela narra seus encontros e desencontros no verso.
Todos os empecilhos se transformam em fragmentos na busca pelo verso perfeito, questões aparentemente resolvidas no encontro com a escrita. António Nobre, o autor de Só, o livro mais triste que há em Portugal, representava um de seus maiores mestres. Muitos poemas são dedicados a sua dor. Florbela não titubeia na hora da conversa com seus pares, cobra a atenção de seus mestres e de seus futuros leitores. Um exemplo dessas cobranças é o pedido em um poema, para que os deuses da mitologia grega olhem para seus versos.
E, em outro caso, ousa aperfeiçoar do seu jeito uma série de sonetos camonianos, principalmente as famosas antíteses amorosas. Esse diálogo com os poetas acrescenta um traço de modernidade à construção da obra. Uma marca que vira sua assinatura, como um detalhe revelador do caráter reflexivo de seus textos.
Uma voz exaltada que precisa se expor. Falar com o outro ou consigo mesma é prova a ser ultrapassada nesse percurso criativo. A vontade do diálogo disparando essa procura. É o reconhecimento de uma procura, dessa sede de infinito que a faz imensa, atormentada e em estado de diálogo.
Num mundo próprio em que só a fantasia da escrita tem respostas ou serve de desculpa para a poesia existir em tom maior.
A UM LIVRO
No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A este livro de mágoas que me deste.
Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!
Leio-o e folheio, assim, toda a minh?alma!
O livro que me deste, é meu e salma
As orações que choro e rio e canto…
Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizes! Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto
Comentar a obra de um autor é muito mais do que interpretar seus gestos de escrita ou tentar dizer com outras palavras o que ele disse. O que essa voz traz de novo para o leitor que procura a poesia do mundo das palavras que lhe são entregues parece daquelas perguntas sem respostas… Ouvir o que o autor sussurra ao pé do ouvido num determinado momento é a verdadeira busca empreendida.
O que mais dizer para jovens e velhos leitores de Florbela Espanca? Muito pouco, além do fato de essa ser apenas uma entre as possíveis leituras dessa voz poética que constrói um tipo de teatro da escrita, um teatro nos moldes antigos, com máascaras trocando de lugar no rosto dos seus atores. E personagens entre a alegria e a dor, incansáveis na busca pela melhor atuação diante de quem assiste a eles.
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