A vida de Luiz Gama
Prefácio à obra Luiz Gama: a saga de um libertador, de Magui.
Tom Farias
A vida de Luiz Gama talvez se assemelhe mesmo a história de um grande filme. Do seu nascimento em Salvador, na Bahia, em 1830, à sua morte, digamos, prematura, no auge da sua luta pela causa da abolição, no ano de 1882, um turbilhão de fatos e acontecimentos ocorreram em torno de si.
Dele pode se dizer de tudo, e um pouco mais. Nasceu livre, filho da lendária Luiza Mahin, da Costa da Mina, e de um homem branco, de origem portuguesa, Luiz Gama ainda menino foi vendido pelo próprio pai, emaranhado pelas dívidas, que se aproveitou da ausência da mãe, que fugira das perseguições por ter feito parte de revoltas em terras baianas, sobretudo a conhecida Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador, em 1835.
Feito escravo desde os dez anos, tendo passado por toda sorte de dissabores, humilhações e violências, até alfabetizar-se na juventude e fugir da casa de seu senhor, Luiz Gama sobreviveu à custa de muita luta, perseverança e sorte, até chegar à idade adulta, como homem público respeitado e tarimbado defensor da causa de homens e mulheres negros, em São Paulo, de onde, nos tribunais, combateu pelo uso das leis e fez valer o direito humanitário à liberdade e à justiça, protegendo, muitas vezes sob a ameaça de morte, milhares de vidas, livrando dos grilhões, mais de 500 delas.
A escritora e psicóloga Magui e o ilustrador Angelo Abu tomaram para si a nobre tarefa de retratar, de forma romanceada, a vida e a luta incansável de Luiz Gama, num livro que é, ao mesmo tempo, um precioso relicário de resgate histórico, de posicionamento antirracista, com importante teor didático e informativo, que muito dialoga com o que se chama na atualidade de resiliência e protagonismo da mulher e do homem negro na sociedade brasileira.
Sob este aspecto, a trajetória de Luiz Gama ganha luzes, sob seus feitos e sua grande luta, e reforça a autoestima daqueles que buscam nos exemplos do passado, como a desse lutador intimorato, referência para continuar seguindo, atravessando todos os percalços, a estrada rumo à vitória e ao futuro.
Esta é uma das maneiras de nos apercebemos do legado deixado por esse grande brasileiro. Nos últimos anos, uma justa onda de justiça o tem levado para o panteão da glória de onde nunca deveria ter saído. Das exéquias do seu planteado e majestoso enterro, ao reconhecimento como advogado, não mais rábula, passando pelo título de doutor honoris causa, pela Universidade de São Paulo, ao glorioso filme “Doutor Gama”, realizado pelo cineasta Jeferson De, Luiz Gama alcança uma estatura atingida por poucos homens negros que viveram a vida terrena. Estabelece-se como herói. Como um gênio. Como um ícone negro. Mas isto não é somenos aos que ainda não atingiram tais glorificações: tomem Luiz Gama como a estrada, a luz no fim do túnel, não só para confirmar a sua importância, mas para (re)abrir o caminho para que outros, lutadores iguais a ele, para que também sejam reconhecidos, e, acima de tudo, para que os de hoje e os das futuras gerações, se espelhem nele para continuar a abrir novas estradas e a iluminar novos túneis pelos séculos afora.
Portanto, Luiz Gama, a saga de um libertador traz esse gostinho de uma obra que atende a curiosidade daqueles e daquelas, especialmente jovens, homens e mulheres, pretas e pretos, que desejarem saber um pouco mais sobre uma história tão surpreendente quanto inspiradora. O negro Luiz Gama não deve ser só considerado o Patrono da Abolição no Brasil, mas, acima de qualquer outro, um dos nossos melhores brasileiros.
Tom Farias é crítico literário.
Add Comment