A Lei Áurea e os reinos auríficos africanos
13 de maio de 1888. Cento e dezessete anos depois parece muito tempo para lembrarmos o que se passou na sociedade brasileira. Naquela data precisou entrar em vigor um decreto, que sancionado, declarou estar extinta a prática de escravizar homens e mulheres, fossem idosos ou crianças.
Porém, se considerarmos ter esse tipo de relacionamento perverso durado séculos, parece pouco tempo para essa mesma sociedade tornar áurea a eqüidade social como objetivo na arquitetura de nosso dia-a-dia.
Ainda estamos elaborando nossas percepções acerca de nossas histórias do passado para dirigirmos o presente.
A população negra no Brasil, sabemos, foi associada à conteúdos que legitimaram desigualdades. Afinal, nossas bibliotecas, mas também, videotecas, acervos de brinquedos e brincadeiras difundiram muitos preconceitos. Porém, não podemos esquecer que também desconstruíram muitos deles. Assim, para educarmos o convívio na sociedade brasileira, ainda se faz necessária a produção de material de apoio para o trabalho com a questão.
O Espelho Dourado, obra por mim assinada, é uma atitude nessa direção e, envolve o leitor juvenil. Tendo como personagem um pescador que navega pelos rios africanos, ele pesca e se alimenta do universo cultural em torno dessas águas. O texto apresenta, com linguagem poética, a região africana o reino de Gana e do povo achanti, atravessado pelo rio Niger, ao noroeste do continente. O mundo dos vivos e o mundo onde habitam os ancestrais são idênticos como espelhos um do outro é a crença que organiza a estrutura narrativa nada linear.
Recorrendo a estratégias lúdicas numa das seções da obra, a Brincáfrica, procuro possibilitar ao leitor o contato com uma África poderosa, bastante distante dos clichês onde quase sempre aparece como perdedora social. E, tomá-la como referência na identidade não apenas dos povos negros mas, como origem significativa na formação do povo brasileiro, contribui para o debate acerca das óticas que tratam da presença negra no país.
A exposição de um momento histórico onde existiram reinos baseados na produção do ouro e que dominavam as rotas comerciais entre o Oriente e o Ocidente também é um modo de ampliar repertório acerca dessa memória.
O trabalho artístico das ilustrações de Taísa Borges complementa o projeto bem cuidado de integrar certa imagem da África numa proposta literária que explora o dourado como tema principal. Por meio da afetividade, ou seja, a entrada pelo coração se torna uma via eficaz para educar uma geração neste particular conteúdo.
Para termos uma idéia do alcance do trabalho geracional, crianças da terceira série de uma escola brasileira que adotou a obra, se corresponderam com crianças da mesma série, de uma escola na Nigéria. Ambas trocaram histórias sobre rios. Os de cá e os de lá. Também histórias de si, fotografias e até, presentes. Portanto, vejam o alcance de estabelecermos relações entre uma Lei Áurea e um Reino Áureo. Naveguemos!
copyright da autora
Na cidade de Porto Alegre, onde nasci, existia um arroio, uma espécie de riozinho, bem atrás da casa onde passei minha infância. Daquele banhado vinham plantinhas, bichinhos, flores e areia limpa para os mundos que eu criava na hora de brincar. A criação dependia da colheita, caça e de conhecer tudo o que podia haver no lugar. Depois era só trocar as descobertas com as outras crianças que brincavam e criavam comigo. Talvez tenha sido o arroio que me ensinou a pesquisar. Com nove anos tomei o curso para São Paulo, onde vivo até hoje. Estudei Psicologia na PUC/SP e Ciências Sociais na USP até o doutorado, que continuei em Antropologia Social.
Para saber mais, navegue no link do livro O Espelho Dourado.
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